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Maria da Penha, a mulher da lei. Kim Phuc, a menina da foto. O encontro de duas sobreviventes

Maria da Penha Fernandes sobreviveu a um tiro. Kim Phuc Phan Thi sobreviveu a bombas. Essas duas mulheres, que já sofreram tanto, tiveram um encontro emocionante

Mariana Kotscho* Publicado em 18/06/2021, às 23h05 - Atualizado em 19/06/2021, às 07h00

Um encontro de sorrisos sobreviventes - Divulgação Instituto Maria da Penha
Um encontro de sorrisos sobreviventes - Divulgação Instituto Maria da Penha

Mensagem de Kim Phuc, a menina da foto que se tornou um marco do horror da Guerra no Vietnã: "Nosso mundo está cheio de problemas e conflitos. Meu sonho é que todos vivam em paz, sem medo, sem hostilidade, sem guerra. Para isso temos que encontrar o lugar no nosso coração que está aberto e é amoroso. Todos os dias temos oportunidade de sermos melhores. Paz, amor e perdão são mais poderosos do que armas"

Kim Phuc, ao centro, aos 9 anos, correndo da bomba de napalm no Vietnã em 1972
Kim Phuc, ao centro, aos 9 anos, correndo da bomba de napalm no Vietnã em 1972. Foto: Nick Ut, Associated Press

EXCLUSIVO

Faz quase 50 anos que um bombardeio numa pequena vila no sul do Vietnã marcou a vida de Kim Phuc. Foi no dia 8 de junho de 1972. Ela tinha 9 anos.

Faz quase 40 anos que um tiro nas costas, enquanto dormia, quase tirou a vida de Maria da Penha. Foi em Fortaleza (CE), dia 29 de maio de 1983. Ela tinha 38 anos.

Hoje, essas duas sobreviventes estão frente ao combate à violência que atinge mulheres e crianças. E suas vidas se cruzaram na última quinta-feira à noite num encontro virtual promovido pelo Instituto Maria da Penha (IMP) para um pequeno grupo de convidados.

Foram duas horas de histórias, memórias e muita emoção. A gravação vai ao ar dia 6 de julho, pelo Pamitê Podcast, realizado por Carlinhos Vilaronga, brasileiro que mora no Japão e é voluntário do IMP, e por Regina Célia Barbosa, vice-presidente do Instituto: "Foi uma noite memorável", comemorou ela no final. Carlinhos estava realizado, afinal ele que fez o convite para Kim após a leitura da autobiografia dela, A menina da foto: "Eu escrevi para ela e nem achei que teria uma resposta".

Maria da Penha estava em Fortaleza, onde mora, e Kim Phuc falou diretamente de Toronto, no Canadá, onde vive desde que pediu asilo político nos anos 90. E uma coincidência: ambas são farmacêuticas. Um ponto em comum? Preservam o sorriso no rosto, apesar de todo o sofrimento que passaram. 

O Papo de Mãe acompanhou o encontro com exclusividade e traz agora os principais momentos que poderão ser ouvidos em breve no podcast.

O que dizer para a menina da foto?

Extremamente amorosa e afetuosa, Kim, que tem dois filhos e dois netos, respirou fundo diante da pergunta do Papo de Mãe: "O que a senhora Kim de hoje gostaria de dizer para aquela menina da foto"? Com a resposta, ela levou aos convidados uma verdadeira lição de vida, de alguém que chegou a ser dada como morta e hoje atua pela paz:

"Menina sofrida da foto, você agora é mãe e avó. Eu agradeço à menina da foto. Quando estava com meu bebê no colo, um dia olhei para a foto e pensei que eu não poderia deixar aquele bebê sofrer. Naquele momento senti no meu coração a decisão de proteger não só aquele bebê, mas também crianças ao redor do mundo. Mas eu não olho para aquela menina como vítima, ela é uma sobrevivente. A foto me fez o que sou hoje, agradeço por aquela menina, por passar o que ela passou para eu me tornar o que sou hoje. Por ela sei em quem me transformei. Quando as bombas caíram, eu não tinha escolha, agora eu tenho liberdade, decido a escolha a fazer. Temos que lembrar do passado, mas não viver nele. Lembrar para prevenir e não deixar que aconteça de novo".

Kim Puch no encontro com Maria da Penha, diretamente de sua casa no Canadá
Kim Puch no encontro com Maria da Penha, diretamente de sua casa no Canadá

A sobrevivente da guerra do Vietnã criou o Instituto Kim (Kim Foundation) e trabalha em parceria com outras entidades pelo mundo para promover o cuidado com mulheres e crianças, na construção de hospitais, escolas e bibliotecas, com foco maior em educação.

Minutos antes da famosa e dolorosa foto tirada pelo fotógrafo Nick Ut, da Associated Press, a menina estava brincando no quintal de um templo com irmãos e primos, quando aviões militares sul-vietnamitas derrubaram quatro bombas de napalm, substância química que provoca explosões e fogo. É uma espécie de gel incendiário.

Kim foi atingida, teve as costas, nuca e braços totalmente queimados. Ela, irmãos e primos corriam para longe do fogo quando a imagem foi capturada e a menina estava nua porque as roupas foram destruídas pelo fogo. "Eu estava no lugar errado, na hora errada." Ela conta que no momento da foto só corria, chorava e gritava "quente", "quente". Mas logo cansou de correr. O próprio fotógrafo e soldados ajudaram no socorro dela.

Livro A Menina da Foto
O Livro A Menina da Foto foi lançado no Brasil em 2018 pela editora Mundo Cristão (MC)

O que disse a mulher da lei?

Para Maria da Penha, o encontro "plantou a semente de unidade" entre o Instituto Maria da Penha e o Instituto Kim. As duas sobreviventes concordam que para seguir em frente é preciso encontrar a paz e batalhar por esta paz para todos: pelo fim das guerras pelo mundo e das guerras que milhares de mulheres vítimas de violência doméstica vivem diariamente dentro de suas próprias casas.

A Lei Maria da Penha, criada em 2006 para punir a violência doméstica no Brasil, é considerada uma das melhores do mundo na proteção das mulheres. Maria da Penha falou com carinho para Kim sobre a importância do encontro para ela e de como ambas tornaram o próprio sofrimento uma inspiração para ajudar outras mulheres. Kim retribuiu afirmando que era um privilégio para ela estar ali. E ficaram de conversar mais sobre projetos voltados para crianças no Brasil, já que o IMP também trabalha na prevenção da violência doméstica desde a infância e chama a atenção para outro terror, o das crianças órfãs em razão de mães assassinadas.

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A mãe de Kim, que também estava no mesmo local na hora do bombardeio, tem hoje 88 anos e mora com ela no Canadá. Sobre a maternidade, a vietnamita diz: "Eu nunca achei que pudesse ser mãe. Foram diversas cirurgias ao longo da vida e de convivência com muita dor física até hoje. Mas fui abençoada. Eu me achava feia, com muitas cicatrizes, pensava que nunca ia arrumar um namorado e que nunca poderia ser mãe. Mas encontrei meu marido (também do Vietnã), um homem maravilhoso, que me ama como eu sou".

"Se a menina da foto pode fazer, todos podem", é o recado de Kim Phuc. E ela completa: "Pra aprender a amar precisamos de conhecimento e de um grande coração".

Encontro de Maria da Penha e Kim Phuc
O encontro de Maria da Penha e Kim Phuc foi realizado pelo Instituto Maria da Penha com apoio do programa virtus UFPE, Nabecast Podcasts & Multimedia, Editora Mundo Cristão e The Pilgrim App. Vai ao ar dia 6 de julho no Pamitê Podcast

"É um milagre eu estar viva. A guerra destrói, é desesperança, destruição, matança, horror. Eu era uma menina feliz, morava numa casa bonita, vivia bem com minha família. Nunca tinha sentido medo. Por 9 anos me senti segura e amada. Até o dia das bombas. Hoje agradeço a Deus por me manter viva e seguir em frente. Perdoar meus inimigos, amar as pessoas que precisam de ajuda e fazer a escolha certa. Eu escolhi ter gratidão. Eu viajo o mundo e falo do horror da guerra e de quão belo o mundo pode ser. Quem vive com amor, esperança e perdão não precisa de guerra"

Kim Phuc, que já esteve no Brasil em 2018 para lançar sua autobiografia, agora disse que pretende voltar para conhecer Maria da Penha pessoalmente. E revelou que ama a comida brasileira: "Hoje eu estou com vocês: no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas".

*Mariana Kotscho é jornalista

Assista à entrevista exclusiva de Mariana Kotscho com Maria da Penha:

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