18 de novembro de 2013
Por Cristiane Rogerio
Revista CrescerÉ ligar a TV ou acessar os sites de notícias e dar de cara com barbaridades. Não estou falando só da corrupção na política brasileira ou do abuso de poderes de ditadores implacáveis. Falo da ausência de respeito de um ser humano para o outro ou das manifestações homofóbicas.Do famigerado bullying presente nas escolas. Verdade ou não, nos provoca a reflexão: o que será que está faltando olhar nos relacionamentos entre crianças e jovens? Para Claudia Werneck, fundadora do Escola de Gente, organização que luta por políticas públicas inclusivas na educação, não é nada “natural” ignorarmos o que acontece em uma escola. “Não há como mudar uma sociedade sem uma escola ética”, diz. CRESCER conversou com professores para saber de que maneira situações corriqueiras podem ajudar a desfazer os nós do preconceito aí na sua casa.
QUEM SOU EU? Para a criança começar a entender como são as outras pessoas, é preciso que primeiro ela conheça a si mesma. Uma forma de fazer isso é pedir que seu filho desenhe autorretratos. Vale pegar uma foto dele e pedir para ele copiar. Depois, inclua o restante da família e amigos e vá observando com ele as diferenças físicas. Outra ideia é, no parquinho, observar as habilidades de cada um. Mas é para ser uma brincadeira. O Colégio Humboldt (SP) fez essa atividade e nessa segunda etapa surgiram vários “dons”, como subir em árvore, amarrar o tênis, lidar melhor com certos medos. O objetivo é a criança se dar conta de que cada um tem seu ponto alto, que está tudo bem. “Se você está forte no que é capaz, não vai querer destruir o outro para se fortalecer”, diz Rebeca Boldrin de Oliveira, professora do 1º ano do ensino fundamental da escola.CONHECER E ENTENDERIndependentemente de haver uma religião assumida em casa, conhecer as diversas possibilidades ainda é o melhor jeito para não causar o preconceito. Se, por exemplo, na sua família o hábito é frequentar a igreja católica, faça visitas a uma sinagoga ou templos budistas. Ou, pelo menos, não perca a chance de ir se for convidado. Livros e a internet também complementam esse conhecimento que pode ser uma grande oportunidade para você ter contato com outras crenças. É claro que a criança vai absorver as informações de maneira diferente conforme a idade. “As pequenas ainda não têm noção de moralidade e vão muito pelo exemplo. Aqui na nossa escola, então, usamos situações do dia a dia para estimular afeto e compaixão. Se um amigo cai, por exemplo, incentivamos as outras crianças a cuidarem dele”, diz a professora de ensino religioso Sandra Scarone Silva, do Colégio Franciscano Nossa Senhora do Carmo (SP).DIFERENTES OPINIÕESAtire o primeiro lápis de cor quem não se depara todos os dias com divergências de opiniões. Começa entre os pais, passa pelo modo de vida na casa dos avós e dos primos, e tudo vai crescendo até que seu filho se encontra na escola ou no trabalho com um ambiente de pessoas que pensam de forma muito diferente dela. Como lidar com isso? Primeiro, mostrando que é importante argumentar, sim, e saber se colocar para que todos saibam como pensa. “Assim, se posicionando de maneira assertiva, ela aprende a não ficar só na crítica ou na negativa e parte para encontrar uma solução nos conflitos – ou pedir ajuda”, diz a professora do ensino fundamental Marcela Giudice de Castro e Silva, do 1º ano do Colégio São Domingos (SP). Depois é preciso mostrar também que toda discussão precisa de um final. Só dessa maneira entende-se que nem tudo é “paz” ou “guerra” nas intermináveis discussões entre irmãos, e que não é preciso deixar o amigo de lado por qualquer motivo.IDENTIFICAÇÃO COM UM PERSONAGEMA literatura infantil é um mundo riquíssimo para a criança aprender a lidar com as diferenças. Fuja dos livros politicamente corretos – em que as mensagens são diretas e tratam a criança feito um robô – e mergulhe em diversas boas opções que temos por aqui. No Colégio Albert Sabin, a professora Dionéia Menin, da educação infantil, viu a classe se transformar a partir de um elefante. Não um qualquer, claro. Era Elmer, um elefante xadrez do livro de mesmo nome do autor inglês David Mckee. Na história, a manada estranhava porque ele era colorido enquanto todos eram cinza. Eles não apenas ouviram a história, como desenharam seus elefantes com cores e texturas que quisessem com a ideia de que não teria um “mais certo do que outro”. E, juntos, costuraram uma almofada que seria o Elmer que puderam levar para casa. “Foi, acima de tudo, divertido para eles e esse é o melhor jeito de ir sensibilizando as crianças nessa idade.”PERCEBER O OUTRO Até os 3 anos, a criança não percebe a outra como um ser que pensa e sente. Vale aproveitar as situações simples para começar a noção de coletividade. Não basta dizer para ela esperar a vez para falar. “Ela precisa entender que, em casa ou na escola, se todo mundo falar junto ninguém vai se ouvir”, afirma a coordenadora da educação infantil do Colégio Móbile (SP), Maria de Remédios Ferreira Cardoso.FAÇO PARTE, SIM!Adolescentes adoram escolher seus grupos e traçam códigos para se pertencerem, como um jeito de se vestir, os ídolos, a maneira de falar. Mas bem antes disso, as crianças pequenas têm seus desafios de se sentir parte de algo e os pais não podem julgar como “detalhes”, pois muitos problemas começam aí. “Se é dia de levar um livro para a escola, seu filho precisa levar também. Até se você pensa que é bobagem dar um presente ao professor ou a um colega em uma data importante, saiba que a criança vai se magoar se só ela não levar algo. Além de não excluir a criança daquele momento, ensina a demonstrar que ela se importa com o outro”, diz Mônica Cury, professora da educação infantil da escola Os Batutinhas (RJ).NÃO SOMOS TODOS IGUAISVocê é negro, parece uma casca de amendoim. Você é adotivo e sua mãe achou você na lata do lixo. O vocabulário cruel pode acontecer cedo entre as crianças, é comum e precisa de intervenção do adulto. Para Claudia Ruas, coordenadora da educação infantil da Escola Parque (RJ), a preocupação com o respeito à DIVERSIDADE não precisa ser algo programado, mas um olhar atento no que a criança vai nos sinalizando. “Em primeiro lugar, nada de minimizar o problema com a frase ‘somos todos iguais’. Porque não somos e isso só vai atrasar o jeito de a criança lidar com as diferenças de cada um. O negro é outra raça, sim, o adotivo chegou àquela família de outro jeito, sim.”APROVEITANDO AS VIAGENS Para uma viagem ser bem absorvida de fato, nada como ficar atento ao modo de vida das pessoas do lugar que assim demonstram sua cultura e costumes. Há ensinamentos que só nos tocam por meio da experiência. “Provoque, pergunte o que a criança notou de diferente. Ela até pode ter receio de comentar, mas é uma maneira de identificar preconceitos e falar sobre eles”, diz Daniela Neves, professora-orientadora da sala de leitura da Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Berenice dos Santos (SP). Em uma aula sobre cultura indígena, ela já tinha lido diversos livros infantis e conversado muito com a turma, mas foi a chegada de uma aluna nova do Maranhão que realmente mexeu com todos. “Quando, depois de uma história lida, ela disse que também ‘se banhava no igarapé’, as crianças começaram a rir do jeito de ela falar e a corrigiram: o certo ‘é tomar banho!’”, conta Daniela. Foi perfeito para mostrar as diferentes formas de viver, de falar, mesmo dentro do Brasil. Mas os pais podem fazer mais. “Levar as crianças a museus, bibliotecas, livrarias, teatro ou ainda ouvir músicas de vários cantos são maneiras ótimas de ampliar o repertório delas, e funciona demais para habituá-las à diversidade.”COEXISTÊNCIA COMO REGRAQual a vantagem de ter um aluno com algum tipo de deficiência na sala de aula para os ditos “normais”? Parece cruel a pergunta, mas acontece. “Se o pai ou mãe tem receio de que seu filho se sinta prejudicado por causa de uma atenção a mais a outro, precisa pensar que o filho dele também vai ter um olhar cuidadoso assim que apresentar qualquer dificuldade”, diz Flávia Miranda, professora de educação infantil da Escola Carlitos (SP). E ela se refere a problemas para verbalizar sentimentos, fazer escolhas, situações de comportamento bem difíceis para ela e que surgem no dia a dia da escola.PACIÊNCIA E RESPEITOSensibilizar seu filho a ter paciência em ajudar uma pessoa mais velha ou mesmo entender o jeito de lidar com o irmão mais novo pode ser um desafio na sua família. E integração é a maneira mais forte de fazer esse “conceito” se concretizar, de fato. “Na convivência é que ele poderá se colocar no lugar do outro. E só dessa forma a criança entende a importância da tolerância e do respeito”, diz a coordenadora pedagógica do ensino fundamental da Escola Projeto (RS), Deborah Vier Fischer, que já promoveu atividades e brincadeiras que uniam os alunos de 8 a 10 anos, com os da educação infantil, para que uma turma entendesse o ritmo da outra. “Viver em grupo é das tarefas mais complexas do ser humano, por isso que esse olhar de quem está educando não pode cessar nunca.”Fonte:
http://revistacrescer.globo.com/Criancas/Comportamento/noticia/2013/11/10-situacoes-para-falar-de-diversidade-e-respeito-com-criancas.html