“Éramos um casal que vivenciava um verdadeiro amor. A gravidez veio para consolidar todos os nossos planos e sonhos. Nosso filho foi muito desejado. No sexto mês de gravidez, minha esposa Raquel não conseguiu ver nenhum dos presentes que ganhara no chá de bebê porque, no mesmo dia que ocorreu o chá, ela estava com muitas dores no abdômen e chorou muito. Dores estas que já haviam se manifestado já no início do sétimo mês da gravidez, mas a obstetra e ginecologista da minha esposa não pediu nenhum exame para verificar se havia algo errado com a gestação da Raquel. Eduardo e a esposa Raquel / Foto: arquivo pessoal Algumas vezes que a dor era forte demais, corremos até o consultório da obstetra da Raquel, a médica fazia ecografia apenas e pedia para a Raquel repousar e tomar remédio para gazes. Até que numa noite que ela não havia ido ao trabalho, conforme a médica dela havia orientado, por estar com mais dores fortes. Então liguei para a médica, que me pediu para ir à maternidade Curitiba ou Santa Brigida, onde ela fazia os partos de suas pacientes. Aqui o drama se intensifica mais ainda. Ao ser consultada por um médico de pronto atendimento da Maternidade Curitiba, este nos orientou a ir para casa porque não haviam leitos disponíveis para internamento da minha esposa e que se houvesse alguma complicação, devíamos ir à maternidade Santa Brigida, já que a médica também atendia lá também. Assim que chegamos em casa, e a Raquel ia se deitar na cama, começou um sangramento muito intenso e ela gritava de dor. Me desesperei, a coloquei no carro e fui para a maternidade Santa Brigida. A partir deste ponto do meu relato inicia-se um “festival” de má vontade e mau atendimento da maternidade Santa Brigida. Logo ao chegar (às 23:06), mesmo minha esposa chorando de dor, ninguém na recepção deu prioridade para fazermos o cadastro de entrada. Tive que gritar para que percebessem que minha esposa estava sangrando e perdendo muita água. Quando finalmente fomos atendidos, tivemos que aguardar um médico chegar à maternidade para fazer uma ecografia, pois não havia nenhum no momento em que demos entrada. Após este exame, o qual não nos deram nenhuma informação clara sobre a situação da minha esposa, eles a enviaram para uma sala chamada sala de pré-parto, onde eu não podia entrar para acompanhar minha esposa e só obtinha informações dela através de enfermeiras. Estas funcionárias apenas diziam que estavam tentando inibir o parto, pois era uma gravidez prematura para uma cesariana.
Após três horas aproximadamente sem vê-la, a Raquel saiu desta sala e foi enviada novamente para fazer uma outra ecografia, e nesse momento em que eu pude falar com ela, a Raquel me disse uma única coisa: “a enfermeira foi grossa comigo”. Como pode minha esposa e meu filho sofrendo e sem que nenhum médico desse a devida atenção, e ainda por cima as enfermeiras tratando-a como se não fosse nada grave? Minha esposa ficou nesta situação durante dezoito horas. O único momento em que a médica dela apareceu na maternidade foi às onze horas do dia seguinte ao que demos entrada. Só me disse que iria fazer o parto do meu filho às dezessete horas e que estava tudo normal. Ela foi à maternidade apenas no dia seguinte porque o médico de plantão na madrugada decidiu não chamar a médica da Raquel. Um erro absurdo, além de não fazerem nenhum exame sanguíneo ou de urina para realmente terem certeza de que podiam inibir o parto. O parto iniciou-se às dezesseis horas, eu entrei na sala de cirurgia às dezessete horas para assistir e logo notei que minha esposa estava em choque. Chorava muito e vomitava o tempo todo um líquido escuro. Era sangue, sinal de que havia algo errado. E o médico chefe dizia que estava tudo bem. Notei também que eles estavam com muita pressa e a médica da minha esposa, que fazia o parto, estava tensa, me olhava muito séria. Quando meu filho saiu do ventre, pude ver algo que nunca havia visto. Ele estava tão roxo, quase preto, de tanta falta de oxigênio, e o cordão umbilical estava no pescoço dele. Eles ainda tiveram a capacidade de mostrá-lo à minha esposa como se o parto estivesse tudo certo. Na verdade, meu filho estava quase falecido. Correram com ele para a UTI neonatal da maternidade. Minha esposa, cada vez pior, foi enviada para uma sala de pós-operatório, onde ficou por duas horas. Ao ir para o quarto aguardar os sintomas da cirurgia passar, minha esposa só piorava. Dores, vômitos de sangue e nenhum médico ou até mesmo a médica dela pediu sequer algum exame para ver se havia algo errado. Já havia se passado seis horas que meu filho havia nascido e ninguém da UTI me dizia sobre o estado do meu bebê. Quando finalmente chegou a hora da visita, apenas entrei na UTI e a médica, que chefiava o plantão, me disse que meu filho só sobreviveria por um milagre. Eu quase entrei em choque. Eu chorava muito porque parecia que o céu havia desabado em cima da minha cabeça. Além da minha esposa continuar a sentir dor e sangrar, a médica não tomou nenhuma iniciativa para que algum exame fosse feito. Ministraram apenas anti-inflamatórios Cataflan para minha esposa, o que é um absurdo para uma pessoa que apresenta vômito “borra de café” – prova de hemorragia estomacal. O remédio pode agravar mais ainda hemorragias gastrointestinais. Após vinte horas nessa condição, a médica resolveu procurar uma UTI para minha esposa, já que na maternidade Santa Brigida, não há. Ou seja, ela nada fez para evitar que o quadro da hemorragia em minha esposa se agravasse e só procurou uma UTI. Como não tinha vaga em nenhuma UTI dentro de Curitiba, minha esposa agonizou mais quatro horas a espera de uma vaga que surgiu apenas em Campo Largo, no hospital Nossa Senhora do Rocio. Os olhos da minha esposa já estavam amarelados, assim como a pele de seu corpo todo. Sinal de uma infecção generalizada, em virtude da demora para fazer uma transfusão de sangue. No mesmo momento que minha esposa foi enviada em uma ambulância para Campo Largo, meu filho foi enviado para a UTI do hospital Pequeno Príncipe. Foto: arquivo pessoal Os médicos da maternidade disseram que não podiam fazer mais nada pelo meu filho. Meu coração se dividiu em dois nesse momento. Acompanhei minha esposa na ambulância, enquanto meu melhor amigo acompanhou meu filho, também entre a vida e a morte, para o HPP. Meu filho tinha convulsões sequenciais, pois o cérebro dele estava com muita hemorragia, o que impossibilitava até ver o tamanho das lesões (infartos cerebrais) em virtude do sofrimento no nascimento e, principalmente, nas horas que antecederam seu parto. Os médicos de Campo Largo tentaram salvar minha esposa, mas não adiantou. Eles mesmos disseram que se ela fosse enviada antes haveria grandes chances de salvá-la, mas a demora da maternidade em tomar alguma providência agravou e muito, e pode ter sido o fator determinante da sua morte. Minha esposa faleceu no terceiro dia após dar entrada no hospital Nossa Senhora do Rócio. Após várias tentativas de conter a hemorragia generalizada com características de uma infecção que surgiu do sofrimento fetal do meu filho pela demora no atendimento da médica e da maternidade. No momento em que eu saia da maternidade com minha esposa e meu filho lutando para viver, um senhor que se apresentou como sendo um ouvidor me disse que a maternidade estava sobrecarregada e que tinha muitos partos aquela noite. Uma desculpa absurda para tentar se livrar da minha família e evitar que falecessem na maternidade, o que seria pior pra eles. Meu filho ficou na UTI do HPP – Hospital Pequeno Príncipe durante 40 dias, e mais 7 no quarto até aprender a mamar. Eu fiquei ao seu lado todos os dias dessa luta. Mesmo perdendo o grande amor da minha vida (Raquel Oliveira da Silva – 1983-2011) por omissão de socorro da médica e da maternidade, eu queria meu filho, mesmo com a previsão dos médicos de que ele ficaria meses na UTI e depois teria sequelas irreversíveis como não andar, não falar, entre outras complicações em toda sua coordenação motora e intelectual. Nossa jornada está apenas no começo. Temos uma longa estrada em busca da vitória e conquistar tudo o que meu filho necessita. Nessa jornada, temos inúmeras terapias e tratamentos a serem feitos para que ele possa reduzir ao máximo estas sequelas. E os responsáveis devem custear todos os tratamentos que ele necessita ao longo de sua vida, haja vista que a médica e, principalmente, a maternidade, são os causadores e devem ser punidos e/ou disciplinados a não repetir tamanha grosseria com uma outra família.” (Eduardo Fernandes) Foto: arquivo pessoal
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