Criança que ingeriu produto de limpeza ainda sofre 12 anos depois

Roberta Manreza Publicado em 04/07/2016, às 00h00 - Atualizado às 12h50

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4 de julho de 2016


Por Roberta Manreza

No Brasil, os acidentes envolvendo produtos de limpeza com crianças na faixa etária de 1 a 4 anos ocupam a segunda colocação no ranking do Sistema de Informações Toxicológicas da Fiocruz,  SINITOX, perdendo apenas para os medicamentos.

De acordo com a coordenadora do SINITOX, Rosany Bochner, houve um aumento significativo na oferta de produtos de limpeza nos últimos anos e eles estão cada vez mais chamativos, o que aumenta o interesse das crianças. Além disso, as tampas das embalagens não oferecem muita resistência, o que facilita o contato da criança com esse tipo de produto”, explica.

Segundo os dados mais recentes da Fiocruz, em 2013, foram registrados no Brasil 9.507 casos de intoxicação de crianças, entre 1 e 4 anos.  Desse total, 1.767 ocorrências envolviam produtos de limpeza.

A cirurgiã dentista Rosanna Chimello, de 48 anos, sabe bem da grave consequência que um acidente deste pode provocar em toda uma família. Sequelas físicas e emocionais. Há mais de 12 anos, ela convive com os danos causados pela ingestão de limpador de forno contendo soda cáustica pelo filho caçula. Um trauma difícil de superar mesmo tanto tempo depois. Acompanhe a entrevista exclusiva que ela deu ao Papo de Mãe.

“Tenho certeza que para ele não é fácil, pois se ele não tiver cuidado ao mastigar, ele ainda engasga”.

Papo de Mãe: Quantos filhos você tem? Qual a idade e o nome deles ?

Rosanna: Tenho 3 filhos. Danilo, 19 anos, Leonardo, 17 anos e o Thiago, 14 anos.

Papo de Mãe: Quando aconteceu o acidente com o Thiago? Quantos anos ele tinha?

Rosanna: O acidente aconteceu dia 13/09/2003, na época ele tinha 1 ano e meio.  Era uma manhã de sábado ensolarado, estávamos escolhendo um lugar para passear com as crianças e estavam todos no meu quarto, inclusive o Thi.  Todos felizes, brincando e ele saiu. Percebi após poucos minutos.  Escutamos um berro vindo da cozinha como nunca havia escutado, eu gelei… Falei para o  meu marido: “É o Thi!!!”. Ele correu, chegando na área de serviço, o Thiago estava sentado com o pote de limpador de forno, mais especificamente com o pincel perto. Meu marido o pegou no colo e já estava voltando um sangue escuro que queimava também meu marido.

Papo de Mãe: Como foi o socorro dele? Você tinha alguma experiência no assunto? 
Você era uma mãe muito preocupada com segurança?

Rosanna: Eu provoquei o vômito, não sabia que aquilo era soda cáustica, não tinha nem ideia.  Não tinha experiência alguma com produtos cáusticos. O Thi começou a desfalecer, ficamos em pânico, levamos ao hospital, mas já havia queimado o esôfago. E olha que ele só colocou o pincel do produto na boca. Sempre fui uma mãe muito atenta, quem me conhece sabe. Eu era daquelas que colocava espumas nas quinas dos móveis para eles não se machucarem. Medicamentos sempre guardei em lugares altos e assim era com os produtos de limpeza. Dois dias antes do acidente, minha funcionária havia limpado o forno. Com o manuseio do produto, formaram-se cristais de soda na tampa, e com esses cristais o fechamento do produto torna-se não seguro. Ela deixou o pote em um armário que infelizmente ele alcançou.

“Olha, não é fácil, mesmo depois de tantos anos. Para mim ainda dói muito e falar disso é muito difícil. A gente ama tanto que, se pudesse trocar de lugar, com certeza eu trocaria.”

Papo de Mãe: O que mudou na sua vida depois desse acidente? Quais foram as sequelas (físicas e emocionais) do Thiago? E na família?

Rosanna: Mudou tudo… Tudo mesmo! Eu tinha o Thi doente, mas tinha outras duas crianças que não entendiam muito bem as coisas. Íamos ao hospital uma vez por semana para fazer dilatação de esôfago. Ele foi ingerir algo sólido com quase 4 anos. Eu tinha que esconder bolachas, bolos, comidas, porque ele queria, mas não passava no esôfago. Muito triste. Até hoje ele corre o risco de engasgar com comida. Sequelas físicas foram 3 estenoses esofágicas, que ele terá que cuidar para o resto da vida. Emocionais, da parte dele, ele trata isso numa boa, mas eu…  Até hoje é muito triste.  Você vê seu filho que nasceu super saudável, super lindo e em questão de segundos sua vida vira de cabeça para baixo. Para mim essa questão ainda é muito difícil.

Papo de Mãe: Como foi o tratamento dele durante todos esses anos?

Rosanna: O tratamento durou anos, com dilatações toda semana (anestesia geral e endoscopia seguida de dilatação). Aos 9 anos o Thi já somava quatro úlceras de esôfago, porque além da queimadura, ele tinha refluxo, até que fez a cirurgia de válvula. 

“Esse menino passava noites em claro chorando de fome. Ele tomava uma concha de sopa em quase uma hora, pois o esôfago era como um conta gotas. Meu Deus como foi difícil!”

Papo de Mãe: Como ele está hoje?

Rosanna: Ele teve déficit de crescimento. Hoje ele tem estatura mais baixa, mas continua lindo, cheio de vida e nos ensinando todos os dias.

Papo de Mãe: Qual a lição que vocês tiram disso tudo hoje?

Rosanna: Todo cuidado é pouco, as coisas acontecem em frações de segundos, debaixo dos nossos olhos. Eu sempre alertei todas as mães quanto a acidentes caseiros, é uma questão de honra.

Papo de Mãe: Sobre prevenção de acidentes, acha que alguma coisa mudou de lá para cá?

Rosanna: Não. Por exemplo, esse produto que meu filho ingeriu, continua sendo vendido igualzinho.  Antes, com embalagens chamativas (verde , amarela e vermelha). Ainda vejo em alguns lugares produtos de limpeza em garrafas pet e chumbinhos.  Quando íamos toda semana ao hospital, viamos muitas coisas, pessoas tentando o suicídio com esses produtos que são vendidos livremente.

Papo de Mãe: Gostaria de deixar uma mensagem?

Rosanna: Prevenção! Todo cuidado é pouco. 

Papo de Mãe: Thiago, quando aconteceu o acidente você era muito pequeno. Você lembra de alguma coisa?

Thiago: Não. Só lembro o que minha mãe conta.

Papo de Mãe: Como foi conviver com as sequelas desse acidente durante a sua infância? E agora na adolescência?

Thiago: Tranquilo.

Papo de Mãe: Como foi o apoio da sua família neste período?

Thiago: Todo apoio do mundo.

Dicas de  prevenção 

Para evitar que seu filho tenha contato com produtos de limpeza, mantenha-os sempre em locais altos e em embalagens adequadas. Evite, por exemplo, a compra de produtos de fabricação caseira que, geralmente, são acondicionados em garrafas pet. Eles podem ser confundidos com refrigerantes.

O que fazer 

As consequências da manipulação ou ingestão dos itens de limpeza pelas crianças vão desde simples enjoos até ocorrências mais graves, como queimadura, congestão respiratória e parada cardíaca.

Segundo o toxicologista Anthony Wong, diretor médico do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da USP, se a criança tiver contato com algum destes itens, a orientação é tentar manter a calma e ligar para o centro de intoxicação mais próximo, explicando o que aconteceu. Em São Paulo, o número é 0800-148110. Em outras cidades, basta ligar para o disque-intoxicação (0800-7226001) para ser direcionado ao centro mais próximo. Na impossibilidade de conseguir contato com um centro, busque ajuda no Corpo de Bombeiros (193).

“É importante não oferecer água ou leite para o intoxicado, pois, em vez de diluir a substância, eles acabam espalhando e tornando a lesão muito maior. Também nunca provocar vômito. O ideal é tentar tirar o excesso do produto com um papel ou um pano”, ressalta Wong.

Tampas mais seguras 

Para evitar acidentes, vários países já adotaram tampas específicas para remédios e produtos de limpeza. No Brasil, a solução que parecia simples é tema de um Projeto de Lei (PL) que se arrasta desde 1994 na Câmara dos Deputados.

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