25 de julho: dia da mulher negra latino-americana e caribenha

A retórica de mulheres negras não está resumida à escassez, angústia e números devastadores. Essas mulheres propõem outros saberes e formas de organização socioeconômica promovendo ecossistemas nos espaços de acolhimento, nas rodas de conversas, na economia criativa e na afetividade entre elas.

Roberta Manreza Publicado em 25/07/2019, às 00h00 - Atualizado às 09h53

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25 de julho de 2019


Por Monique Rodrigues do Prado*, advogada e palestrante

25 de julho: da ancestralidade ao futurismo. Experiências e humanidades possíveis

Dia 25 de julho é celebrado o dia da mulher negra latino-americana e caribenha. A data tem origem no Primeiro Encontro de Mulheres Negras latino-americanas e caribenhas que ocorreu entre 19 e 25 de julho em Santo Domingo, na Republica Dominicana, reunindo mulheres negras de diferentes países com o fim de analisar os efeitos do racismo e do sexismo na região, além de articular ações e homenagear mulheres afrodescendentes.

No Brasil, o dia foi instituído apenas em 2014 por meio da Lei Federal no 12.987, nomeado como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.(1)

Para o movimento negro feminista, ONG’s e sociedade civil o dia reflete uma agenda propositiva que, muitas vezes, engloba a semana do dia 25 ou mesmo todo o mês de julho.

Salienta-se que a data não tem como escopo emoldurar todas as mulheres negras latino-americanas e caribenhas em um grande bloco monocular e de identidade única, ao contrário. A data respeita a pluralidade das mais de 200 milhões de mulheres negras da região sul-americana e caribenha segundo a Associação Mujeyes Afro (2). Contudo, essas considerações não exclui o fato de que alguns índices atingem massivamente essas mulheres.

No Brasil, por exemplo, o índice de feminícidio apurado de 2005 a 2015 mostra que 65,3% das mulheres que foram assinadas eram negras (3); dados do sistema de saúde de 2014 demonstra que 70% dos casos de estupros registrados atingiram mulheres negras (4); em relação à violência obstétrica, 65,9% das mulheres que sofrem violência obstétrica são negras.(5)

De 23 a 27 de julho acontece em São Paulo, no Centro Cultural de São Paulo (CCSP), o Festival Latinidades, iniciativa criada em 2008 que tem como foco impulsionar a trajetória de mulheres negras nas várias áreas de atuação.

No segundo dia, (24/07), pude vivenciar o festival mencionado observando, inclusive, certo vínculo entre os três dos painéis: 1) Vivência “O Toque da Empoderada: Caminhos Diretos ao Prazer”, por Diane Ghogomu (EUA); 2) Mesa: Onde nos cabe na riqueza que produzimos? Tema: Economia, trabalho e impasses ético-psicológicos; 3) Mesa: Em defesa de nossos territórios: trânsitos e permanências das vidas negras.

Em singela síntese, o centro da discussão ficou em torno do resgate ancestral, ou seja, observar trajetórias de outras mulheres negras como forma de legitimar maneiras emancipatórias de experimentar o mundo.

A oficina preparada pela terapeuta americana Diane Ghogomu permitiu que todas as presentes fossem provocadas a expressarem-se por meio do movimento corporal, da oralidade, dos sentidos e do toque. Na mesma linha, a convidada e terapeuta holística Clarice Val no painel ”Onde nos cabe na riqueza que produzimos? Economia, trabalho e impasses étnico-psicológicos”, sugeriu, através de um processo meditativo, uma experiência de regressão ao ventre das nossas ancestrais até a 07a geração. No último painel foi pautada a questão do território no viés de pertencimento, trânsito e moradia.

O simbolismo do evento demonstra a potencialidade da mulher negra, visto que, mesmo frente aos traumas, as tensões familiares e as dores perpetradas pelo capitalismo – muitas vezes em razão da ausência de território e dos meios de produção – compreender a narrativa dessas mulheres é promover o resgate ancestral da coletividade, da oralidade, do compartilhamento, evidenciando outras formas possíveis de humanidade.

No evento pude identificar que a busca por essa reconexão ancestral vai além do saber hegemônico e eurocentrado estabelecido como universal e trivial. Essa jornada reconecta mulheres negras a outras representações de mundo defrontando-se com o racionalismo e o acúmulo do capital, como maneiras exclusivas de experiência da vida humana.

Significa dizer que a retórica de mulheres negras não está resumida à escassez, angústia e números devastadores. Essas mulheres propõem outros saberes e formas de organização socioeconômica promovendo ecossistemas nos espaços de acolhimento, nas rodas de conversas, na economia criativa e na afetividade entre elas. É uma leitura que não está adstrita à trilogia eurocêntrica de povo, território e soberania, sobretudo porque homenageia a horizontalidade de todos os agentes, posicionando-se contrária a competitividade e resultados tangíveis como única forma de constituição de riqueza.

(1) Tereza de Benguela, conhecida como rainha e heroína negra, viveu no século XVIII e tornou-se líder do Quilombo do Quariterê, quilombo que resistiu de 1730 ao final do século.
(2) Disponível em: https://www.afrolatinas.com.br/quem-somos/ Acesso em: 24 jul. 2019.
(3) CERQUEIRA, Daniel et al. Atlas da Violência 2017. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas/IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública/FBSP, 2017.

(4) CERQUEIRA, Daniel; COELHO, Danilo S. C.; FERREIRA, Helder. Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúdeentre 2011 e 2014. Rev. bras. segur. Pública. São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017.
(5) FIOCRUZ. Trajetórias negras na Fiocruz são temas de evento. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/trajetorias-negras-na-fiocruz-sao-tema-de-evento>. Acesso em: 23 jul. 2019.

*Monique Rodrigues do Prado é advogada, palestrante e facilitadora no Instituto Gaio. Atuo nas áreas de Direito Médico e Direito de Família. Além disso, componho o corpo jurídico de advogados voluntários da EDUCAFRO. Co-Fundei o Afronta Coletivo, trabalho sociocultural protagonizado por mulheres negras que acredita na disseminação da cultura afrobrasileira. Também, participo do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil.

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