Sobre o decreto: 10.502, publicado em 1º/10/2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial, seguem os principais problemas:
Roberta Manreza Publicado em 05/10/2020, às 00h00 - Atualizado às 17h11
Por Mariana Rosa*, mulher com deficiência, mãe de uma criança com deficiência
Sobre o decreto: 10.502, publicado em 1º/10/2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial, seguem os principais problemas:
O decreto que, segundo o governo federal, visa dar as famílias de pessoas com deficiência o direito de escolher se querem matricular seus filhos na escola regular, na escola especial ou na escola bilingue, contraria:
– a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que, no Brasil, tem status de emenda constitucional pelo Decreto nº 6949, de 25 de agosto de 2009;
– a Constituição Federal Art. 206, que estabelece que a Educação terá como princípio aigualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o Art 208 que prevê que o atendimento educacional especializado será preferencialmente realizado na escola regular.
– a Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146 / 2015).
a decisão foi tomada sem respaldo democrático, sem diálogo com as entidades representativas das pessoas com deficiência.
“VI – escolas especializadas – instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos”
Na prática: culpa os alunos pelo próprio fracasso escolar, quando, sabemos, a presença desses alunos na escola aponta o problema que está no sistema de ensino, no modelo de educação que ainda precisa ser aprimorado.
De acordo com pesquisa Data folha/Alana (2019): 9 em cada 10 brasileirosacreditam que as escolas ficam melhores ao incluir crianças com deficiência. 76%acreditam que as crianças com deficiência aprendem mais quando estudam junto com as crianças sem deficiência.
VII – classes especializadas – classes organizadas em escolas regulares inclusivas, com acessibilidade de arquitetura, equipamentos, mobiliário, projeto pedagógico e material didático, planejados com vistas ao atendimento das especificidades do público ao qual são destinadas, e que devem ser regidas por profissionais qualificados para o cumprimento de sua finalidade;
Na prática: Lógica de confinamento e de entendimento de que as pessoas com deficiência são o desvio da norma, o que reproduz o modelo biomédico da deficiência e, consequentemente, leva adiante uma corponormatividade compulsória que discrimina e oprime.
É discriminatória
A classificação de pessoas a partir de suas características pessoais que justificaria o encaminhamento a instituições segregadoras é justamente o que caracteriza discriminação, como dito pelo Art. 4º da LBI “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
VI – participação de equipe multidisciplinar no processo de decisão da família ou do educando quanto à alternativa educacional mais adequada;
Na prática: submissão à autoridade de profissionais da saúde, influência das equipes multidisciplinares de modo a conduzir as famílias para as escolas especiais, algo que já acontece hoje, mas sem respaldo da legislação e que, com o decreto, estará legalmente autorizado.
Oferecem assistência técnica e financeira para os municípios que aderirem “voluntariamente”
Na prática:a disputa por recursos, investimentos e apoio para levar adiante as escolas pode conduzir a uma relação de chantagem pelo governo.
Visa dar às famílias a possibilidade da escolha
Na prática:não há investimento sistemático na educação, no fortalecimento e na consolidação da educação inclusiva, na resolução das barreiras que hoje existem. É preciso dar às famílias a chance de experimentar a educação inclusiva assim como a PNEEPEI define. Do contrário, serão levadas a escolher a escola especial por falta de escolha. Não podemos retroceder, precisamos é fazer nosso dever de casa e implantar o que é direito.
Se até hoje, que a escola era obrigada a receber o aluno com deficiência, ainda há dificuldade na matrícula e permanência na escola, como isso fica com a opção de encaminhar para a escola especial?
O decreto aponta para um deslocamento dos investimentos da rede pública e das escolas regulares para instituições especializadas. Reconhece-se que o trabalho das APAES cumpre um papel importante nos atendimentos terapêuticos das pessoas com deficiência, nos atendimentos de saúde. Mas é preciso frisar que à escola cabe ensinar, não clinicar. Portanto, a defesa da educação inclusiva, da escola pública, gratuita, laica, de qualidade e para todos, precisa andar de braços dados com a defesa do SUS e do SUAS.