Roberta Manreza Publicado em 17/05/2016, às 00h00 - Atualizado às 08h39
É na puberdade que o jovem reconstrói seu universo interno e cria relações com o mundo externo. Entenda os processos que marcam a fase
Ana Rita Martins – Nova Escola(novaescola@fvc.org.br)
A transformação tem início por volta dos 11 anos. Meninos e meninas passam a contestar o que os adultos dizem. Ora falam demais, ora ficam calados. Surgem os namoricos, as implicâncias e a vontade de conhecer intensamente o mundo. Os comportamentos variam tanto que professores e pais se sentem perdidos: afinal de contas, por que os adolescentes são tão instáveis?
A inconstância, nesse caso, é sinônimo de ajuste. É a maneira que os jovens encontram para tentar se adaptar ao fato de não serem mais crianças – nem adultos. Diante de um corpo em mutação, precisam construir uma nova identidade e afirmar seu lugar no mundo. Por trás de manifestações tão distintas quanto rebeldia ou isolamento, há inúmeros processos psicológicos para organizar um turbilhão de sensações e sentimentos. A adolescência é como um renascimento, marcado, dessa vez, pela revisão de tudo o que foi vivido na infância.
Para a pediatra e psicanalista francesa Françoise Dolto (1908-1988), autora de clássicos sobre a psicologia de crianças e adolescentes, os seres humanos têm dois tipos de imagem em relação ao próprio corpo: a real, que se refere às características físicas, e a simbólica, que seria um somatório de desejos, emoções, imaginário e sentido íntimo que damos às experiências corporais. Na adolescência, essas duas percepções são abaladas. A puberdade (conjunto das transformações ligadas à maturação sexual) faz com que a imagem real se modifique – a descarga de hormônios desenvolve características sexuais primárias (aumento dos testículos e ovários) e secundárias (amadurecimento dos seios, modificações na cintura e na pélvis, crescimentos dos pelos, mudanças na voz etc.). Falas como a de Aline*, 14 anos (leia o destaque na imagem acima), indicam a perda de segurança em relação ao próprio corpo. É comum que aflorem sentimentos contraditórios: ao mesmo tempo em que deseja se parecer com um homem ou uma mulher, o adolescente tende a rejeitar as mudanças por medo do desconhecido.
Isso ocorre porque a imagem simbólica que ele tem do corpo ainda é carregada de referências infantis que entram em contradição com os desejos e a potência sexual recém-descoberta. É como se o psiquismo do jovem tivesse dificuldade para acompanhar tantas novidades. Por causa disso, podem surgir dificuldades de higiene, como a de jovens que não tomam banho porque gostam de sentir o cheiro do próprio suor (que se transformou com a ação da testosterona) e a de outros que veem numa parte do corpo a raiz de todos os seus problemas (seios que não crescem, pés muito grandes, nariz torto etc.). São encanações típicas da idade e que precisam ser acolhidas. “O jovem deve ficar à vontade para tirar dúvidas e conversar sobre o que ocorre com seu corpo sem que sinta medo de ser diminuído ou ridicularizado. Além disso, ele necessita de privacidade e, se não quiser falar, deve ser respeitado”, afirma Lidia Aratangy, psicóloga e autora de livros sobre o tema. Apenas quando perduram as sensações de estranhamento com as mudanças fisiológicas um encaminhamento médico é necessário.
O afastamento dos pais revela a necessidade de outros modelos
A dificuldade em lidar com o corpo está diretamente relacionada à nova relação que o jovem tem de construir com seus pais. Isso porque, na adolescência, o amadurecimento sexual faz com que o Complexo de Édipo, descrito pelo criador da Psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), seja revivido. De acordo com Freud, a criança desejaria inconscientemente tomar o lugar da mãe ou do pai no par amoroso. Como eles são as primeiras referências masculinas e femininas que a criança tem, ao querer substituir uma delas, a relação com o “concorrente” fica confusa, alternando-se entre o amor e ódio – o que pode, mais tarde, fazer com que a pessoa tenha dificuldades no relacionamento amoroso. Se a criança aceita o fato de não poder se unir ao pai ou à mãe, ela passa a lidar de forma equilibrada com as duas referências e internaliza a proibição do incesto.
Na adolescência, resquícios de um Complexo de Édipo mal resolvido podem vir à tona. Surge daí a necessidade inconsciente de buscar outros modelos de homem e mulher além do pai e da mãe. O distanciamento também é uma forma de reelaborar a imagem idealizada dos pais e provar que não se é mais criança. “Esse comportamento serve para que o adolescente exercite a definição de uma identidade baseada em experiências mais amplas”, diz Miguel Perosa, terapeuta e professor de Psicologia da Adolescência na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Isso não quer dizer que o adolescente não possa ter saudade da dependência infantil e de comportamentos que aludam a ela. Mas, uma vez nessa fase, ficam cada vez mais constantes as saídas em grupo e a oposição verbal e física às referências paternas e maternas, como indica a fala de João*, 13 anos (leia o destaque abaixo).
Na sala de aula, é importante estabelecer limites quando o adolescente adota uma postura de confronto para se afirmar ou quando transforma o professor em referência masculina, feminina ou de comportamento. No primeiro caso, deve-se escutar o que o adolescente tem a dizer – valorizar sua voz é abrir as portas do diálogo -, mas também apontar as normas de conduta da instituição e do convívio civilizado. No segundo, a melhor saída é chamar a atenção para aquilo que há de positivo no comportamento do próprio jovem. Assim, ele poderá começar a reconhecer nele mesmo traços da identidade que constrói.
No mundo interno, o peso do julgamento dos outros diminui
Tantas descobertas fazem o adolescente ter de remanejar constantemente as novas relações socioafetivas que incorpora à vida. Ele descobre que lidar com o olhar do outro, com um corpo que não para de se desenvolver e com conflitos sobre sua própria identidade gera angústias que precisam de tempo e espaço para serem elaboradas. E aí o jovem se volta para seu mundo interno, como faz Camila*, 14 anos (leia o destaque abaixo). Lá, ele pode rever tudo o que se passa num espaço próprio, a salvo do julgamento dos outros. Esse contato com a subjetividade é essencial para sedimentar suas vivências – desde que o adolescente não substitua as relações do dia a dia por um isolamento permanente. “Nesse caso, professores e pais devem se aproximar, já que a ruptura com a infância pode deixar um vazio depressivo muitas vezes perigoso”, explica Maria Cecília Corrêa de Faria, terapeuta especializada em Psicologia Clínica.
A exploração do mundo interior, além do reajuste emocional, também favorece a intelectualização. A psicanalista Anna Freud (1895-1982) concluiu que, para fugir momentaneamente das pulsões sexuais, os adolescentes costumam transferir essa energia para a racionalização e incorporação de informações. Não à toa, eles adoram emitir opiniões sobre tudo. Nesse caso, também deve-se atentar para os exageros. Aquele aluno que se preocupa de forma exagerada com o desempenho na escola pode estar querendo fugir de questões internas com as quais tem muita dificuldade em lidar.
O fato é que, apesar de ser um processo difícil, confuso e doloroso, a adolescência é um período em que se descobre como usar novas ferramentas emocionais para se relacionar com o mundo. À medida que integra as concepções que grupos, pessoas e instituições têm a respeito dele, compreendendo e assimilando os valores que constituem o ambiente social, o jovem reforça o sentimento de identidade. A escola tem um papel fundamental nesse processo. Ela jamais deve reduzir o comportamento do adolescente à pecha de rebeldia. Integrá-lo e respeitá-lo são as melhores formas de educar seres humanos confiantes e sadios.
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Os destaques desta reportagem trazem depoimentos de um programa de troca de mensagens instantâneas pela internet de alunos do 9º ano da EMEF Victor Civita, em São Paulo. Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados.
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