A criação de adolescentes e jovens: Onde foi parar a nossa aldeia?

Esse texto é uma tentativa de reflexão e de alerta, pois, por mais óbvio que possa parecer, nossos filhos são para a vida toda

Ana Paula Yazbek* Publicado em 24/02/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h36

Filhos são para a vida toda e as preocupações, a falta de sono e o medo de errar não terminam na infância -

Existe um provérbio africano, bastante conhecido na educação integral, que diz: “É preciso uma aldeia inteira para se educar uma criança”, ou seja, a colaboração de diversas pessoas, familiares, amigos, educadores, entre outros, cria uma rede de apoio e amor essencial para ajudar, para falar, dar um conselho e orientar nessa incrível experiência de ser mãe, ser pai e cuidar dos filhos. Acho essa ação colaborativa importantíssima, mas venho observando, como educadora e como mãe, uma dificuldade muito grande em estendê-la aos adolescentes e jovens. Esse texto é uma tentativa de reflexão e de alerta, pois, por mais óbvio que possa parecer, nossos filhos são para a vida toda.

Gostaria de começar tratando da maternidade. Há alguns anos eu e meu marido assistimos ao monólogo “Mãe Fora da Caixa”, estrelado por Miá Mello, uma excelente comédia que trata de maneira direta, acolhedora e reflexiva das questões sobre a maternidade. O teatro estava lotado de mães e pais, em sua maioria de bebês ou crianças pequenas, que se identificavam inteiramente com as falas e questões da atriz. Gostamos e recomendamos a peça a diversas pessoas, embora tenhamos saído de lá com a sensação de que a maternidade e suas inúmeras questões predominantemente se direcionam aos bebês e crianças. Na ocasião, nossos filhos já eram adolescentes e nossa vontade era contar para cada pessoa daquela plateia que as preocupações, a falta de sono e o medo de errar não terminam na infância.

Em primeiro lugar, quando os filhos vão crescendo (sim, eles fazem isso com a gente), eles passam a ter o grupo como referência para a construção da sua identidade. A forma como o adolescente se vê tem relação direta com a forma como o grupo o vê, não mais como os pais o veem. Aquela conversa, que antes fazia a criança parar atentamente para escutar, começa a dar lugar para o “nada a ver”. A presença dos pais aos eventos, antes uma sensação de segurança e orgulho, vira “pagar mico”. Conversar com os amigos do filho? Quem são?

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As escolas também mudam o enfoque. Começa a ficar mais difícil ter alguma interlocução com outras pessoas, pois nos encontros de reuniões de famílias o foco está no perfil de estudante, no desempenho escolar, nos conteúdos, projetos etc.. Pouco se fala do cotidiano, dos humores, ou sobre como lidar com as questões relacionadas à sexualidade, drogas, transtornos de imagem, transtornos alimentares, depressão, entre outras. Parece que aquela cumplicidade que existia entre as famílias de crianças, as conversas nas festinhas, nos almoços, nas viagens, nos churrascos, nos campeonatos escolares e de clubes, dão espaço para um vazio, um distanciamento do sentimento de pertencimento a uma comunidade. Soma-se a isso a característica do adolescente de questionar, de enfrentar, de desautorizar e temos um prato cheio para um período de muitas dúvidas e brigas.

Onde foi parar a aldeia, me pergunto? Sem dúvida, as questões que vão surgindo quando os filhos crescem tem delicadezas, fragilidades que podem acabar expondo o adolescente ou a família. Uma coisa é compartilhar que a criança não dorme, usa fralda até determinada idade, não come direito. Outra é dizer para os outros que o seu filho começou a beber, a fumar maconha, a ter comportamento bulímico, anorexia, sem receber o olhar acusatório de que você falhou em sua educação.

Estas e outras preocupações que são de grande parte das famílias de adolescentes e jovens precisam urgentemente encontrar um espaço de troca e diálogo, sem cair num viés moralista, acusatório. Uma possibilidade é chamar os adolescentes para a conversa, tanto na família como na escola. Lembro de ter participado de uma reunião muito interessante na época do ensino médio dos nossos filhos, na qual as famílias e os adolescentes de diversas classes conversaram abertamente sobre o uso e abuso de drogas. Não foi uma reunião fácil, houve momentos mais tensos, mais engraçados, mas saímos de lá com uma sensação de um aprendizado enorme.

Quando os filhos são pequenos, nós achamos que conseguiremos minimizar suas frustrações e oferecer as melhores coisas sobre a alimentação, o sono, o lazer, a higiene etc. Só que aí chega a adolescência e, pode acreditar: seu filho vai fazer escolhas diferentes das suas. E quer saber? É importante que faça. Você também fez quando tinha a mesma idade. Afinal, somente desta forma construímos a nossa identidade. O que não podemos esquecer é que eles, ainda que estejam maiores, continuam precisando de nossa ajuda e presença para transitar de uma aldeia para outra.

*Ana Paula Yazbek é pedagoga formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades; iniciou mestrado na FEUSP em 2018 e está pesquisando sobre o papel da educadora de bebês e crianças bem pequenas.

É sócia-diretora do espaço ekoa, escola que atende crianças de toda Educação Infantil (dos 0 aos 5 anos e onze meses). Além de acompanhar o trabalho das educadoras, atua em cursos de formação de professores desde 1995 e desde 2002 está voltada exclusivamente aos estudos desta faixa etária.

Confira o programa do Papo de Mãe com Içami Tiba falando sobre a relação entre pais e filhos:


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