E nessa batalha psicológica, onde a criança se torna a melhor maneira de prejudicar o adversário, surge a mais avassaladora das armas contra aquele genitor: a acusação de abuso sexual.
Roberta Manreza Publicado em 09/07/2020, às 00h00 - Atualizado às 14h45
Por Leonardo Watermann, advogado criminalista e sócio do Watermann Advogados
A Síndrome da Alienação Parental, ou simplesmente Alienação Parental, pois nem sempre há uma síndrome, prevista na Lei nº 12.318/2010, consiste na interferência pelo guardião – que pode ser um dos genitores ou até os avós detentores da guarda da criança – na formação psicológica da criança, para que esta repudie um dos genitores ou dificulte a manutenção dos vínculos de convivência com este.
Descoberta nos Estados Unidos em meados de 1987 pelo psiquiatra infantil Richard Gardner, esse processo rotineiro de desmoralização do outro genitor, objetivando destruir as conexões afetivas existentes entre este e o menor alienado, surge normalmente após o rompimento da relação do casal, quando se iniciam as discussões e disputas sobre a guarda dos filhos.
E é exatamente aí, nas disputas, que reside o principal problema do que chamamos de Conceito Tripartite de Vulnerabilidade, composto por: separação x alienação x desequilíbrio legislativo.
O enfrentamento mútuo entre genitores, aos poucos, se transforma numa competição insalubre, cujo desequilíbrio tende a ser favorável ao genitor guardião. Por passar mais tempo ao lado do menor, este pode, habilmente, inserir cuidadosamente informações distorcidas na memória da criança, fazendo-a criar inconscientemente uma imagem negativa do outro genitor. Dessa forma, a criança, sem saber o motivo, passa a rejeitar o progenitor alienado que, aos poucos, vai deixando de fazer parte de sua vida, em um ciclo que se solidifica cada vez mais, até que sua reversão seja praticamente impossível.
E nessa batalha psicológica, onde a criança se torna a melhor maneira de prejudicar o adversário, surge a mais avassaladora das armas contra aquele genitor: a acusação de abuso sexual.
Durante o processo de alienação, ao mesmo tempo em que a criança perde completamente seu poder natural de raciocínio e se torna uma simples ferramenta de ataque, os sentimentos e as intenções do alienador se confundem entre a sua vontade de querer a criança só para si com a de prejudicar o outro.
E é neste momento que ele, o alienador, percebe que a imputação de prática de crime sexual é uma, senão a melhor, forma de amputar definitivamente a relação existente entre os alienados (filho e genitor).
Daí, para ele, tudo é uma questão de tempo e de preparação para que um beijo afetivo do outro se torne um ato lascivo, ou para que um simples cuidado – como a remoção de uma pomada para assaduras, por exemplo – se torne um ato de abuso sexual.
E isso não permanece no campo teórico, pois muitos são os genitores acusados injustamente do cometimento do gravíssimo crime previsto no artigo 217-A (estupro de vulnerável).
E vale à pena para o alienador “apostar suas fichas” nessa imputação falsa de crime para prejudicar o “adversário”?
A resposta é sim, pois a legislação é fraca e dá ampla margem de vantagem ao falso acusador.
Enquanto o estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal, traz como pena a reclusão de 8 a 15 anos em regime prisional inicialmente fechado, ao alienador, o que pode recair de mais grave é apenas a denunciação caluniosa, cuja pena mínima é de 2 anos de reclusão e o regime prisional é o aberto.
Isso porque, ao contrário do que muitos afirmam e do que foi amplamente divulgado faz alguns anos, a Lei nº 13.431/2017 jamais criminalizou a alienação parental.
Em verdade, ela apenas considerou como ato punível a violência psicológica, passível das sanções previstas na Lei 12.318/2010, as quais vão desde uma simples advertência até medidas como a suspensão ou perda do poder familiar. Em outras palavras, contra a alienação parental existem apenas medidas repressivas não criminais.
Daí, então, concretizadas as fases da separação do casal e iniciado “projeto” de alienação psicológica, chegamos na última parte do conceito de vulnerabilidade tripartite a que estão sujeitos os pais separados (alienados): em razão do desequilíbrio da legislação atual, ao alienador é vantajoso arriscar na falsa imputação de crime sexual ao ex-companherio(a), em razão da irrelevante sansão que recai sobre o seu ato. Ele “aposta” pouco pela possibilidade de “ganhar” muito.
Nesse contexto, para ampliar ainda mais a desvantagem do genitor alienado, reforça o desequilíbrio do ConceitoTripartite de Vulnerabilidadeo princípio in dubio pro societateque vigora antes do recebimento da denúncia e faz com que pequenos dúvidas acerca do cometimento ou não do crime sejam suficientes para que um processo criminal seja iniciado, cujas marcas e prejuízos deixados ao genitor alienado, apesar da possibilidade de absolvição, serão irreversíveis.
Isto porque, por certo tempo, ele estará na “desconfortável” posição de possível estuprador de seu descendente.
Diante disso, é necessária uma rápida e complexa revisão das questões legais relacionadas com a alienação parental e os crimes sexuais contra menores, para que a balança da justiça volte a se equilibrar nesse tipo de demanda jurídica, retirando do conceito tripartite um dos seus pilares.
Nessa linha de raciocínio, além da criminalização da alienação parental, certo é que o crime de denunciação caluniosa deveria se amoldar proporcionalmente ao tipo de crime sexual falsamente imputado, equilibrando, assim, a gravidade entre os delitos e, com isso, contrabalançando, ao menos nesse quesito, as consequências em relação aos atos praticados por este ou aquele genitor.