Mariana Kotscho Publicado em 05/11/2020, às 00h00 - Atualizado em 06/11/2020, às 23h04
Por Vinicius Campos, escritor e pai de 3 adolescentes – colunista do papo de mãe
O problema da adoção somos nós, os pais.
É comum escutar que adoção é difícil. Não somente pela parte burocrática, mas também porque crianças que foram abandonadas por suas famílias biológicas costumam ser complicadas e exigem muito esforço. Você já deve ter escutado histórias horríveis, de pais bondosos que adotaram e depois sofreram na mão de crianças problemáticas.
Quando anunciamos à família e aos amigos que adotaríamos três crianças grandes (quanto mais velha a criança, mais medo gera na sociedade) escutamos comentários assustadores. Um amigo de um amigo, a sobrinha de um tio, um tal escritor, todos casos onde os adultos foram incríveis e as crianças, tadinhas, por suas histórias e limitações, não conseguiram sair adiante e acabaram destruindo seus sonhos.
Nós ignoramos todas essas histórias e seguimos adiante com o plano. Foram quatro anos de processo, até que em 2015 três irmãos lindos e incríveis vieram morar com a gente. O mais novo com nove anos de idade e a mais velha com doze.
E quer saber? Sim, tinham razão, foi e é extremamente difícil.
No começo, quando começamos a perceber o tamanho do desafio, meu lado mais humano e egoísta queria aceitar o que tinha escutado tanto tempo e acreditar que crianças quando chegam grandes a uma família são incapazes de lidar com o amor que temos pra dar. Até pensamentos ridículos como “deve ser a genética” começaram a invadir minha cabeça.
Com o tempo, com a ajuda de psicólogos, com muita leitura e noites de sono perdido, entendi que o problema éramos nós.
Sim! Nós! Os supostos adultos bondosos. (incrível como a sociedade ainda acredita que adotar é um ato de solidariedade, mas isso fica pra outro dia)
Não é novidade que educamos nossos filhos a partir do nosso olhar ao mundo. Quando dizemos que damos o melhor aos nossos pequenos, óbvio que estamos falando daquilo que acreditamos que seja o melhor. Nossas escolhas partem do nosso ponto de vista e talvez aí esteja a maior dificuldade da adoção.
Como nós, que crescemos em famílias biológicas carinhosas, amorosas e presentes, podemos saber o que é o melhor para crianças que em sua primeira infância enfrentaram a dor, a solidão e o abandono?
Será que eles precisam daquilo que nós precisamos?
Dou um exemplo simples porque não gosto de expor as dores de nossa família, mas acho que ele será mais que suficiente para que se entenda o que estou dizendo.
Quando eu era adolescente e ia à escola ou a alguma festa, meus pais paravam o carro na porta ou mesmo na esquina, eu descia e ia caminhando até o local, e de longe, um pouco tímido, às vezes fazia um sinal dizendo que já podiam ir embora. Ou até mesmo os ignorava com certa vergonha de sua presença. Normal, não é mesmo?
Nossos filhos chegaram grandes e eu queria ser um pai moderno. Para evitar a vergonha que poderiam sentir com a minha presença, chamava um Uber, ou estacionava longe da porta, e ia embora antes que eles precisassem acenar.
Um dia, meu filho já tinha catorze ou quinze anos, ele foi convidado pra uma festa num bar. Era numa avenida de Buenos Aires. Parei o carro. Ele ficou me olhando. Mostrei onde estava o local. Ele precisava atravessar a avenida e lá estavam seus amigos, sentados numa mesa, ao lado de uma grande janela. Ele me perguntou se eu não ia com ele até lá. Achei estranho, mas o acompanhei.
Atravessamos a avenida, fomos até a porta, ele cumprimentou de longe os amigos, e quando todos nos olhavam, me deu um beijo, e entrou no bar.
Achei tão estranho, mas voltando para o carro a ficha caiu.
Pra mim, que tinha tido a companhia de meus pais durante a infância inteira, na adolescência, a liberdade era um desejo. Para uma criança que sempre foi a reuniões sem a presença de um adulto, que nas festas escolares não teve os pais na plateia gritando orgulhosos, que nunca teve a mãe ou o pai os esperando na porta da escola, exibir o pai na entrada de um aniversário é motivo de orgulho. É dizer aos outros: “olha, eu também tenho um pai, como você”.
Aí está a dificuldade de educar crianças com uma história tão diferente das nossas. O problema é que não temos referências, não entendemos suas necessidades, e tentamos lhes dar aquilo que nos faria felizes, e não aquilo que eles precisam.
É muito difícil adotar, mais se são vários, mais ainda se são grandes, mas não por causa das crianças, por causa da nossa falta de preparo.
Ter filho é maravilhoso, tanto os que chegam através de um parto, ou os que chegam a partir de um processo de adoção. As dificuldades estão dentro de nós e é parte da nossa responsabilidade sair do nosso umbigo e tentar entender aquilo que os nossos pequenos precisam para ser felizes.
Faça o exercício. Busque outras perspectivas, talvez com um novo olhar você encontre melhores respostas para os desafios que são enormes.