pmadmin Publicado em 25/05/2010, às 00h00 - Atualizado em 17/12/2014, às 00h40
Ana Rosa, nossa Grande Guerreira!
Por Marilene Mendes
Nascimento: 19/06/2007- São Paulo SP
Cardiopatia Congênita: Dupla Via de Saída do Ventrículo Direito, CIV e Coarctação da Aorta
Procedimentos: Cerclagem da artéria pulmonar e correção total de DVSVD.
A história da Ana é parte inseparável do que somos hoje. Aprendemos muitas coisas com ela, e queremos contar um pouco dessa história aqui. Não é fácil resumir tantos acontecimentos importantes, rios de lágrimas derramadas, noites em claro, dias sem comer direito, viagens intermináveis de Franco da Rocha à São Paulo todos os dias para visitá-la no hospital…
Como toda história das crianças cardiopatas, a da Ana Rosa também é bem longa e começa antes mesmo dela nascer.
Não descobrimos a cardiopatia na gestação, porém, a gravidez foi muito angustiante, tensa e cheia de expectativas. Como a Ana, também fui “premiada” com uma doença rara. Minha história também é cheia de momentos difíceis e doloridos, literalmente. Desde os 17 anos travo uma batalha diária contra uma doença que me faz sofrer com dores que nem sei de onde tiro forças para suportá-las. Sou portadora de Artrite Reumatóide Juvenil, um tipo de reumatismo.
Quando o Jefferson e eu fomos morar juntos, decidimos que não teríamos filhos biológicos. Com esse meu problema de saúde, engravidar significaria muito mais dor e sofrimento. Se fosse o caso, eu teria que interromper o tratamento pelo menos seis meses antes. Eu não agüento ficar um dia sem remédios, imaginar seis meses sem medicação, depois mais 9 com um bebê na barriga e depois mais 6 no mínimo para amamentar (sim, porque eu ia querer amamentar até quando pudesse), me causava aflição pensar em todo esse tempo sem meus anti-inflamatórios, morfina, corticóides e analgésicos. Ficamos por 3 anos planejando uma adoção um dia, pois meu marido e eu adoramos crianças.
Porém em dezembro de 2006, descobrimos que nossos planos haviam falhado. No dia 27 de dezembro, fiz um teste de gravidez e descobri que estava grávida. O Jefferson havia desconfiado bem antes, mas eu não queria acreditar e adiei o teste o máximo que pude. No dia em que fizemos o teste de farmácia ficamos desesperados. O médico reumatologista havia nos alertado sobre os riscos que o bebê corria, eu estava em uma fase mais agressiva do tratamento, fazendo exames de raio-x, tomando medicações fortes, abortivas, teratogênicas… Não sabíamos o que fazer naquele momento, e pelos nossos cálculos a gestação já estava por volta do 3º mês…
Depois do teste de farmácia eu ainda não queria acreditar que aquilo estava nos acontecendo e fomos, no dia seguinte, fazer o exame de sangue para confirmar. POSITIVO! O médico fez questão de nos falar novamente de todos os riscos. Saímos do consultório sem chão. Eu chorando e o Jefferson sem saber para onde direcionar seus pensamentos. Só pensávamos em aborto, malformação, doenças mentais, etc. Nós não sabíamos se nos preocupávamos com o bebê ou comigo. No mesmo dia paramos para pensar nas possibilidades e decidimos que estava descartada a possibilidade de interromper a gestação e que juntos daríamos todo amor que temos, independente de como o bebê nasceria. Naquele momento a torcida era para que ao menos nascesse…
Tomamos todas as providências necessárias e começamos nossa batalha para desde então cuidar de mim e do nosso bebê. Fomos imediatamente ao meu reumatologista e ele nos explicou tudo novamente, nos preparou para o pior e me encaminhou para o pré-natal de alto risco. Eu tinha acabado de ser admitida no trabalho e não tinha o contrato assinado ainda, o que significava que não poderia pedir afastamento naquele momento. A solução foi parar com algumas medicações e manter as de menor risco para o bebê, só assim agüentaria, com muito esforço, trabalhar por mais um mês. Com muita dor, preocupada com o bebê e com o nosso futuro enfrentei todos os dias mais de duas horas e meia de viagem de ônibus até o serviço e cuidava de 20 crianças de 1 a 2 anos e meio de idade.
Aos poucos fui perdendo os movimentos, ficando mais debilitada… O Jefferson então saiu do trabalho para cuidar de mim. Ele me dava banho, comida na boca, etc. Cada dia ficava mais difícil agüentar tanta dor. Mas a preocupação com o bebê era maior e ele era o mais importante para nós a partir do dia em que confirmamos a gravidez.. Cada exame de ultra-sonografia era uma expectativa. Os resultados eram animadores, mas só saberíamos se ouviria, se enxergaria, quando nascesse…
Foram meses de angústias, mas nós dois sempre juntos. O Jé me acompanhou em tudo. Foi em todas as consultas, acompanhou todos os exames, segurou minha mão na hora do parto, choramos muitas vezes, mas sempre um enxugava as lágrimas do outro. Fiquei desde o 5° mês andando em uma de cadeira de rodas e no final da gestação já não agüentava mais ficar sentada. Passava dias e noites deitada.
Mesmo em meio a tanta dor, medos e dúvidas, tivemos momentos de felicidade também. Um deles foi no primeiro exame de ultra-som em que o médico nos disse que o bebê estava de pernas fechadas, mas que 80% das chances eram que fosse uma menina. Era o nosso desejo. Nesse exame também contamos os dedinhos dos pés e das mãos, estavam todos lá!!! A coluna estava preservada… Claro que não contínhamos as lágrimas…
Decidimos que ela se chamaria Ana Rosa e foi assim que sempre nos referíamos ao bebê, mesmo sem ter certeza absoluta de que seria uma menina. Fizemos mais um exame morfológico. Dessa vez íriamos medir o tamanho do cérebro, nuca, face… Tudo deu normal novamente!!! No terceiro exame confirmamos o sexo: era mesmo a Ana Rosa que ia nascer!!!
Aos 8 meses fizemos o 4° morfológico. Havia umas 6 médicas na sala e a que estava realizando o exame era um tanto desajeitada. Ela dizia para a outra médica que não estava localizando alguma coisa, que na hora eu não dei muita importância, mesmo assim perguntei no final do exame se estava tudo bem, pois eu tinha notado o comentário que ela havia feito. Ela me disse que não tinha visto um “vasinho”, mas que eu poderia ficar tranqüila, que estava tudo bem com o bebê, ele estava no tamanho e peso normal para a idade da gestação., além do mais ela achava que não viu o tal vasinho por conta do aparelho que não era bom. Confesso que antes de saber da cardiopatia da Ana, nunca mais pensei nesse dia.
No dia 19 de Junho de 2007, ás 8: 28h a Ana Rosa chegou pesando 2780 kg, e já nos ensinando muita coisa. Ensinou que o sofrimento e o choro podem nos deixar mais fortes e que precisaríamos matar um leão por dia, mas que nada seria em vão. Poderíamos perder algumas batalhas, mas venceríamos a guerra. Ensinou-nos a brigar e a calar quando necessário. Ensinou-nos a segurar as lágrimas para que ela não percebesse que não estávamos agüentando mais, e encantou a todos com seu charme, seu sorriso, sua força. Naquela manhãzinha de junho fomos apresentados a mais bela menina que já vimos: linda, perfeita, bochechuda. Não queríamos mais nos separar dela nem por um segundo.
No terceiro dia após o nascimento da Ana, uma médica chefe veio passar nos leitos e a examinou. Na hora que ela colocou o estetoscópio na minha princesa, olhou para a médica que havia examinado minha filha antes e disse: “Ela tem um sopro né?” A pediatra respondeu: “Só se for muito muito imperceptível”. “Não, é um sopro grande”.
Chamaram uma cardiopediatra, que não pediu exame nenhum, auscutou meu bebê e me disse: “Ela tem um sopro, mas é normal, muitos bebês nascem com sopro e o tempo se encarrega de fechá-lo”.
Me deram alta, mas eu bati o pé, mesmo sem ter noção de como era grave a situação, de como existem milhares de cardiopatias graves, complexas… E disse que só sairia dali se a Ana fizesse exames no coração (até então eu nem sabia o nome dos exames cardiológicos). A cardio então pediu um eletrocardiograma, analisou e disse que estava ótimo. Me disse para marcar uma consulta no ambulatório de cardiopediatria em um mês para acompanhamento.
No dia 23 de junho recebemos alta e fomos para casa. A Ana só tinha, um “sopro” cardíaco, que era comum nos bebês, segundo a médica que nos deu alta, que não deveria ser motivo de preocupação. Deveríamos observar se ela ficava “roxinha”. Mas o tamanho, peso… era tudo normal. Em casa notamos que a Ana Rosa era um pouco cansada, transpirava bastante, mas todos diziam que era normal. Seguíamos nossa vida.
Uma semana depois levamos nossa pequenina ao ambulatório de cardiopediatria da Santa Casa de São Paulo. A médica nos disse que ela estava bem, que o sopro estava fechando e que ia pedir um ecocardiograma para acompanhar a evolução. Pediu o exame para vinte dias depois. Nesse tempo íamos curtindo nossa princesa com uma única grande preocupação: a Ana não tinha passado no teste da orelhinha (um teste que fizeram no hospital para saber se ela ouvia bem). Dez dias depois da alta repetimos o teste e ela passou!!
O pediatra se mostrou preocupado com o ganho de peso dela que estava lento demais, e com o sopro, que na opinião dele não estava diminuindo. Seguíamos consultas semanais com ele. Enquanto isso, aguardávamos o resultado do ecocardiograma pedido pela cardiopediatra.
Dia 16 de agosto, faltava apenas 3 dias para ela completar 2 meses de vida. A levei em consulta de rotina com o Dr. João, seu pediatra. O médico a examinou minuciosamente, como sempre, e eu notei que ele demorava mais escutando o coração da bebê. Perguntou como estava o acompanhamento com a cardio e eu disse que tinha sido realizado um exame e que estávamos aguardando o resultado. Ele pediu um raio-x do tórax e falou para eu aguardar o resultado. Assim que ficou pronto, ele me chamou e disse que eu não deveria esperar a consulta com a cardio. Disse que eu tinha que levar a Ana ao pronto socorro com urgência porque ela estava com insuficiência cardíaca. Nosso mundo começava a desabar naquela hora…
Fui para casa pensando como faria para levar a Ana à São Paulo naquela hora. Eu de cadeira de rodas, meu marido trabalhando há 3 horas de casa… Cheguei no portão de casa junto com um carteiro que me entregou um telegrama do hospital onde ela havia feito o ecocardiograma. Nele dizia para comparecermos lá no dia seguinte para consulta com a cardiopediatra. Nesta hora soube que algo estava errado e era grave. Depois de tantos anos convivendo praticamente direto no hospital, já sabíamos que quando recebemos esse tipo de telegrama após um exame, não é para dar boas notícias… Naquela hora olhei para a Ana e disse em voz alta: ”Deve haver alguma coisa errada no seu coraçãozinho, mas vamos cuidar dele e você vai ficar bem”.
Combinei com meu esposo de nos encontrarmos lá. Liguei para um cunhado e pedi que me levasse até a Santa Casa naquela hora mesmo. Com aquele telegrama na mão, uma carta do pediatra explicando que minha filha estava com o coração aumentado e o fígado rebaixado, eu não podia esperar até o dia seguinte para ir até o hospital. Na minha cabeça lá iam medicar e depois voltaríamos para casa.
Não fazia idéia de como era esse mundo dos cardiopatas. Naquele mesmo dia ela foi internada na Unidade de Terapia Semi-Intensiva. O médico plantonista nos explicou que ela estava com insuficiência cardíaca mesmo, que iriam colocar oxigênio pra ajudá-la respirar, dar uma medicação e no dia seguinte a cardiologista conversaria conosco. Ali era o inicio dos nossos pesadelos!
No dia seguinte, descobrimos que algo realmente não ia bem. Lembro-me claramente das palavras da médica dando o diagnóstico para o problema da Ana: Cardiopatia Congênita . A médica me disse que o que ela tinha não era só um sopro, como ela havia me dito quando nasceu. Era algo mais grave, tinha que fazer cirurgia e… não ouvi mais nada. Não perguntei o nome da cardiopatia, riscos, causas… Só olhava para a Ana, já com a máscara de oxigênio, fraquinha, sem as roupinhas e chorando compulsivamente. O Jefferson, que sempre foi minha fortaleza, não estava perto e eu só pensava que o sonho tinha virado pesadelo e logo ia acabar. Na minha cabeça, nós perderíamos nossa filha…
No dia seguinte, a médica veio conversar conosco. Fez um desenho para explicar a cardiopatia: Dupla Via de Saída Do ventrículo Direito (a aorta e artéria pulmonar se originam no mesmo ventrículo, quando no coração normal é cada uma em um ventrículo diferente) e Comunicação Interventricular (um buraquinho de 9 mm no septo). Passaria por uma cirurgia paliativa (cerclagem da artéria pulmonar) que protegeria o pulmão do hiperfluxo de sangue, e por volta dos 3 aninhos faria a correção total do defeito.
Passamos uma semana na Unidade de Terapia Semi-intensiva e o estado da Ana se agravou. Ela ficou mais cansada, com diarréia e com muita secreção no pulmão. A médica decidiu entubá-la e transferi-la para a UTI, onde passamos mais duas semanas.
Foram dias desesperadores. Era um quarto com cinco leitos, apenas duas auxiliares de enfermagem para cuidar dos bebês. Ela pegou uma bactéria e vivia sedada. Eu ficava no hospital e o Jefferson trabalhando. Ele passava duas noites e os finais de semana com ela lá e eu aproveitava para descansar, pois era tudo muito desgastante. Eu ficava sem comer porque não conseguia entrar no refeitório com minha cadeira de rodas e foi assim até que uma enfermeira decidiu liberar a sala da enfermagem pra que eu pudesse fazer as refeições lá. Eu também não quis tomar meus remédios, pois davam muito sono e mal estar e eu queria estar sempre acordada para segurar suas mãozinhas nas horas dos procedimentos doloridos.
Todos os dias um médico novo passava para examiná-la, mas ninguém falava nada sobre a cirurgia. Nós estávamos ficando mais cansados naquele hospital sem estrutura. Cada dia um bebê ia a óbito ali, na nossa frente. Isso causava muito horror para todas as mães que estavam sem saber o que o destino reservava aos nossos filhos…
Quando perguntávamos sobre a cirurgia da Ana, a resposta era sempre a mesma: “precisamos esperar!”
Um dia a Ana estava com tanta secreção que encheu a cânula e entupiu. Eu pedi para chamar a fisioterapeuta para aspirar, mas a auxiliar de enfermagem se recusou, dizendo que não era necessário. Então a Ana começou a ficar cianótica, não conseguia respirar direito. Eu chamei a médica e ela disse que era porque ela estava agitada e mandou dobrar a dose da sedação. Eu vi que ela só piorou, já estava ficando toda pretinha, mas estava tão sedada que nem se mexia. No desespero, eu desencaixei o aparelho, peguei o ambu que ficava na cabeceira do berço e comecei ventilar ela manualmente, mas não adiantou. Não entrava ar. Foi a primeira vez que senti como se a vida da minha filha escorregasse por entre meus dedos. Naquela hora nem sentia minhas pernas, meu corpo todo tremia, mas eu precisava agüentar, pois tinha que salvar minha bebê…
Finalmente a fisioterapeuta saiu do banho e conseguiu reverter a situação antes que ela tivesse parada cardio- respiratória. Mas foi por pouco! A oxigenação dela chegou a 37% naquela noite. Detalhe: tempos depois eu solicitei o prontuário da Ana Rosa junto ao hospital e não há essa intercorrência registrada.
Como se não bastasse, no dia seguinte uma enfermeira desentubou a Ana por acidente e mais uma vez ela quase morreu. Foi nesse dia que decidi que definitivamente não poderíamos permitir que a Ana continuasse naquele hospital…
Combinamos que o Jé consertaria o nosso computador e pagaria as contas que estavam atrasadas, depois ele ficaria no hospital com a Ana e eu iria para casa pesquisar outros hospitais para levar nossa Pequena. E assim fizemos.
Primeiramente, entrei no Orkut e encontrei uma comunidade chamada Cardiopatia Congênita. Lá encontrei uma pessoa maravilhosa, a Daniela Busch, que me passou algumas informações e os telefones da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Depois falei com outra mãe chamada Durcila, que me passou os telefones de outros hospitais. Na comunidade, havia mais de 600 membros, todos familiares de cardiopatas. Pela primeira vez percebi que havia muitos casos de cardiopatia congênita, que muitos bebês sobreviviam aos mais variados e complexos problemas no coração. Entendi que o tratamento precoce e adequado são fundamentais e que ali eu faria verdadeiros amigos, que me entediam e sabiam o que eu estava sentindo.
Liguei no Beneficência Portuguesa, no INCOR e no HCOR. Para meu desespero, todas as respostas foram iguais. “Como sua filha já está internada, o hospital que deve solicitar a vaga, mas como onde ela está fazem o tipo de cirurgia que ela precisa, o médico de lá não vai pedir a vaga.” Diante dessas respostas fiquei triste, sem saber o que faria e lembrando de tudo que estávamos passando. Mas me recusava a aceitar que nossa filha continuasse naquele lugar!
Resolvi então procurar mais informações no Orkut sobre a cardiopatia da Ana, enquanto pensava o que mais poderia fazer, para quem mais poderia ligar, se me lembrava de alguém que pudesse me ajudar…
Ainda na comunidade, conheci a Valéria e o Dieguinho, Márcia Adriana e o Thiago, Claudia e a Anna Júlia, Cintia e Filipe, Durcila e Cadu e muitas outras mães que me cercaram e me apoiaram.
Havia um tópico chamado “Qual a cardiopatia do seu filho?”. Eu escrevi apenas assim: “Minha filha tem Dupla Via de Saída do Ventrículo Direito e CIV”, está internada na Santa Casa de São Paulo e eu estou desesperada”. Esse tópico ajudou a salvar a vida da Ana. Foi por causa dele que um anjo apareceu na nossa vida: a Dra. Luciana da Fonseca. Através desse tópico consegui o contato dessa médica, que se prontificou a me ajudar em tudo que precisei e operou minha filha, que já estava muito debilitada, com pneumonia, infecção e muito desnutrida.
No dia 03 de Setembro de 2007, após muitas lutas, batalhas e discussões, conseguimos transferir a Ana da Santa Casa para a Beneficência Portuguesa, e no dia 05/09 ela já estava sendo operada pela Dra. Luciana e sua equipe. A cirurgia foi um sucesso, demorou por volta de 4 horas, terminou ao meio-dia e somente após as 14:00 horas tivemos a confirmação de que a etapa havia sido vencida. Foi quando conhecemos pessoalmente o anjo que salvou a vida da nossa pequenina…
A Ana Rosa ficou mais duas semanas na UTI e seu estado não evoluía, não melhorava e não piorava. A Ana respirava por aparelhos e sempre que os médicos tentavam retirá-lo, ela descompensava. Sua saturação caía e ela ficava cada vez mais cansada. Nessas tentativas a pequena já estava com menos de três quilos, com quase três meses de idade.
Os médicos da Equipe do Dr. José Pedro da Silva sempre foram muito pacientes, competentes e atenciosos conosco. O Dr. Alessandro era sempre a quem recorríamos quando alguma “pulguinha” grudava na nossa orelha. Nunca vamos esquecer o quanto ele foi dedicado, não só com a Ana, mas conosco também. Estávamos esgotados e lidar com médicos que se demonstram envolvidos com os pacientes e familiares é muito importante nessas horas. A Dra. Luciana então… Nem vou começar a falar o quanto essa mulher é fantástica, pois ela merece uma página à parte! Nunca nos desamparou. Sempre nos deu toda assistência, informações, etc.
O problema era mesmo conseguir tirar a ventilação mecânica da Ana. A equipe decidiu então que a melhor alternativa seria fazer a correção total da Dupla via. Meu Deus! Não havíamos nos preparado para essa etapa ainda. A Ana ainda ia completar 3 meses, estava muito desnutrida… Esta era a cirurgia mais arriscada e complexa. No estado em que ela se encontrava, o risco era bem maior… Mas não tinha jeito. Nossa pequena estava sofrendo demais e tudo que queríamos era ver aquele tormento acabar.
No BP eles preferem que a mãe não fique na UTI, pois lá são muitos leitos, muitos casos complexos, muitas intercorrências, e muitas pessoas em quartos como esses mais atrapalham que ajudam. Meu coração não cabia no peito quando tinha que sair e deixar ela lá sozinha. Morava há duas horas de SP, não tinha como andar pelas ruas de cadeira de rodas. Então o Jé me deixava lá para a visita das 11:00, eu ficava na sala de espera até a visita das 17:00, e ele passava lá pra me pegar depois do trabalho, às 23:00 horas. Era essa a nossa rotina até a alta dela para o quarto…
No dia 19 de Setembro foi o dia da segunda cirurgia. Dessa vez era tudo ou nada. Nesse dia ela completava 3 meses. Passei a noite anterior inteirinha em claro, chorando nos braços do Jefferson. Na minha cabeça passavam mil coisas. Eu me perguntava por que aquilo tudo estava acontecendo justo comigo, que nunca quis ter filhos só para não sofrer com a dor deles. E agora que eu tinha, a sensação que ia perder me perseguia. E pensava: eu não queria, mas agora que tenho, não quero perdê-la, porque que eu a amava mais que a mim mesma… Será que toda a dor que senti durante a gravidez, será que todos os sacrifícios que fizemos, será que todo o sofrimento da Ana foram em vão?
Aquela foi a noite mais longa de toda a minha vida. E eu estava tão longe da minha florzinha, e tudo que queria era passar aquela noite todinha com ela no colo. Queria afastar os pensamentos que aquela seria a última noite dela com vida, mas não conseguia… Queria entender por que com ela… Pensava se ela iria sentir dores na hora da operação… Enfim, em minha cabeça não cabiam os meus pensamentos. O Jefferson não dormiu, não chorou. Tinha o olhar apreensivo e esforçava-se para manter-se firme, talvez por perceber que naquele momento eu precisava muito dele. Ele permaneceu em silêncio e me abraçou muito forte, mesmo quando eu chorava desesperadamente e tentava repeli-lo.
Chegamos no hospital bem cedinho e fomos correndo ver a Ana. Nunca aqueles corredores pareceram tão largos, tão distantes do quarto da Ana. Os passos do Jefferson empurrando minha cadeira de rodas demonstravam seu desespero. Chegando ao quarto, ela estava bem acordadinha, somente de fraldas, tão pequena e magrinha, mas linda, corada, e os olhos brilhavam. O Jefferson chorava e ela o olhava com aqueles olhos pretos como duas jabuticabas, como se perguntasse por que ele chorava…
Eu pedi para auxiliar para pegá-la no colo por um instante, mas ela não deixou, disse que era melhor deixá-la quietinha porque ela estava sem sedação e era melhor não manipular para que ela não descompensasse. Como fiquei triste! A última vez que eu havia pegado minha princesa no colo foi no dia 16 de agosto. Estava com tanta saudade e com medo de nunca mais pegá-la nos meus braços com vida… Mas ela olhou bem nos meus olhos e parecia que ela estava me pedindo calma, dizendo que ia voltar…
Não a acompanhamos ao centro cirúrgico. Ficamos longas 4 horas e meia tentando não pensar muito no que estava acontecendo naquela sala. Ora conversando com a Layma que nos fazia companhia, ora cada um chorando para um lado, ora chorando juntos. A cada minuto o Jefferson saía para fumar… Até que tomamos o maior dos sustos: A escriturária veio nos avisar que a médica queria falar com a gente atrás da porta de vidro que dava para a UTI pediátrica. Imediatamente veio a nossa cabeça que a Ana não teria resistido. Primeiro porque estava previsto para a cirurgia terminar em 6 horas e só fazia 4 horas e meia que tinha começado. Depois, porque na primeira cirurgia a Dra. Luciana falou conosco ali na sala de espera mesmo. Eu olhei pra o Jefferson e disse: “Ela não agüentou”. Já chorando e sentindo meu corpo perder as forças, a boca seca e um nó na garganta…
Quando chegamos atrás da tal porta, foi outra médica que veio falar com a gente. Ela viu nossas expressões e foi logo dizendo para termos calma que estava tudo bem. A Dra. Luciana tinha lhe pedido para nos avisar que a cirurgia já tinha acabado e que estavam fechando seu tórax, havia corrido tudo bem. A Ana estava viva!!!
Ficamos por lá aguardando alguém vir falar sobre a cirurgia. Eu já estava mais calma, mas era a vez de o Jefferson chorar: um choro compulsivo, como se tivesse sido contido esse tempo todo…
Veio o Dr. Fernando. Ele disse que a Ana tinha surpreendido todos no centro cirúrgico. Que nem precisaram ligar os fios de marca-passo e que precisávamos aguardar as próximas 48 horas para ver como ela ia reagir. O ruim foi saber que não íamos poder vê-la naquele dia. Eu teria que esperar até o dia seguinte para beijar minha guerreira e agradecê-la por ter voltado para mim com vida.
A Dra. Luciana nos disse para termos um pouco de paciência, pois a recuperação dessa cirurgia seria mais demorada que a outra, então fui logo me preparando para passar o Natal por lá. Mas nossa pequena foi valente mais uma vez e a recuperação foi rápida e sem intercorrências.
Foram mais 3 dias entubada e uma semana na UTI. Outras três semanas no quarto. A Ana estava ficando cada dia mais linda, se recuperando bem, mas não ganhava peso e não crescia. Minha licença-maternidade terminara, dias antes o Jefferson foi demitido do emprego, e passava tempo integral no hospital. Minhas dores me atormentavam e aquela vida de hospital era ainda mais terrivelmente desgastante que o meu trabalho.
Assim que acabou o antibiótico de 14 dias, passamos mais uma semana para acompanhar como ela ficaria sem oxigênio. No dia 17/10, a Dra. Tatiana pediu um eco de controle para poder nos dar alta. À tarde veio e me disse que alta havia sido suspensa, pois tinham visto na eco que ela tinha mais um problema que não havia sido notado antes: coarctação da aorta.
Explicou-me o que era, sintomas, como seria tratada… Pronto! Abracei a Ana, peguei-a no colo e passei a tarde inteira ali chorando com ela nos meus braços. Foi inevitável, veio na minha cabeça como um filme… UTI, respiração mecânica, cirurgia…
Passamos o dia 17 e o dia 18 esperando a decisão da Dra. Luciana se faria a cirurgia ainda nessa internação ou se a mandaria para casa para ganhar peso e ficar mais estabilizada, pois a pequena tinha acabado de sair de uma cirurgia grande e estava bem desnutrida.
No dia 19/10 a Ana completava 4 meses de vida, tinha passado por duas cirurgias no seu coraçãozinho, pesava ainda 3 quilos e 10 gramas, estava sem a sonda nasoenteral e se recuperava bem. A Dra. Luciana então decidiu que o melhor seria a levarmos para se recuperar em casa e esperar mais um pouco para corrigir a Coarctação da Aorta.
Fomos para casa!!! Os sentimentos eram muitos: alegria por ir para nossa casa com nossa Ana e uma preocupação enorme porque ainda tinha a coarctação da aorta. Um medo porque ela estava com muitas medicações ainda, e sem rumo porque não tínhamos plano de saúde e não sabíamos quem ia acompanhar a Ana agora. Estávamos cansados daqueles dias no hospital, mas agora nós é que tínhamos que preparar os remédios, mamadeiras, banhos…
No fim, tudo foi se normalizando. Ainda tivemos mais duas internações: uma porque a Ana estava com suspeita de intoxicação pela digoxina, e outra para realização de exames e avaliação para ver se era o momento adequado para a próxima cirurgia.
As medicações foram retiradas ao poucos e hoje ela não toma mais nenhuma. Cuidamos dela com muito carinho e prestamos toda a assistência que ela precisou. Ela completou um aninho ao nosso lado, comemoramos muito as vitórias.
Ela freqüenta a escola, brinca, faz muita arte. Apesar de precisar de acompanhamento com vários médicos especialistas, leva uma vida normal. Faz acompanhamento com o cardiologista, que será por toda vida.Com um neurologista, porque teve déficit de oxigenação que afetou uma parte do cérebro e precisamos ver se terá seqüelas. Com o pediatra, que precisa ficar atento ao ganho de peso, crescimento e infecções. Com dentista, pois é preciso ter cuidados com os dentes, pois cáries em cardiopatas causam certa preocupação. Com ortopedista, pois ela tem uma má formação no braço esquerdo, que ainda não sabemos se é congênita ou se foi causada por alguma manobra brusca no parto ou quando ela era bebezinha. Com fisioterapeuta, para o bracinho não atrofiar.Com o otorrino, pois tem alergia (rinite e sinusite).
Seus 2 aninhos foram ainda mais comemorados. Cada dia que passa ela tem menos infecções de repetição, gripes e resfriados.
Hoje ela está com 2 anos e 11 meses, linda e esperta, vivendo como todas as crianças da idade dela, mas ainda não temos data prevista para a próxima cirurgia. Nós é que não somos iguais a todos os pais de bebês da idade dela. Não somos mais iguais antes, nossos amigos mudaram, nossos planos mudaram, nosso projetos mudaram. Nossa vida mudou!
Devemos tudo isso principalmente a Dra. Luciana da Fonseca, que salvou a vida da Ana, mas tem muitas outras pessoas que nos ajudaram nesses momentos difíceis:
Toda equipe do Dr. José Pedro que cuidou da Ana com tanto carinho…
As enfermeiras da BP, que deram banho, comida, remédio e arrumavam o cabelo dela todos os dias na UTI, só para que eu a visse bem linda nos minutinhos de visita.
Cada mãe de cardiopata que me serviu de exemplo e me deram força quando eu perdia a esperança, principalmente Dani Busch e Durcila, que foram as primeiras que entraram em contato comigo. A Dani doou muitos suplementos para nossa Pequena…
Isaur, Renato e Hosana, por todas as vezes que empurraram minha cadeira de rodas de Franco da Rocha até a BP…
Ione que pagou o nosso plano de saúde por um tempo.
A Má por ter cuidado da casa enquanto estávamos no hospital…
Thiago e Wilson Silva, que nos emprestou seu apartamento tantas vezes para dormirmos, comermos, tomar banho…
Adriano, por ter dormido no hospital com a Ana para o Jé eu descansarmos ( no dia seguinte as enfermeiras me contaram que a cada 2 minutos ele saía da sala para chorar…)
Layma, pelo empenho em recrutar doadores de sangue e por ter ficado conosco no pior dia: o da cirurgia…
Vili, Tati, Cecília e Rick pelas visitas e ajuda com grana…
Rodrigo, por ter nos ajudado financeiramente…
Luis, pelas jabuticabas que levava para eu comer na sala de espera da UTI.
Amigos e familiares, por terem orado, rezado, feito despacho, ascendido velas, mesmo sabendo que somos ateus…
E a todos que se empenham nas campanhas financeiras que venho realizando para garantir os pagamentos das mensalidades do nosso convênio médico.
Nosso MUITO OBRIGADO!!!
Querida Marilene,
Muito obrigada por ter compartilhado conosco sua história. Ficamos muito comovidos. Desejamos que tudo corra bem na cirurgia da Ana e que ela continue sendo esta menina forte, linda e esperta! E venha sempre nos dar notícias, ok?
Um grande beijo de toda Equipe Papo de Mãe !!!