Histórias dos avós: as maiores heranças que um neto pode ter

Roberta Manreza Publicado em 26/07/2016, às 00h00 - Atualizado às 07h59

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26 de julho de 2016


Por Rodrigo Simon*

Meus avós contavam histórias.

Não sei se por gosto ou por insistência minha.

Minha avó me dizia que tanto eu perguntava que parecia ter nascido em Perguntina.

Meu avô me contava que foi a cavalo para a lua de mel.

Minha avó me disse que se perderam e dormiram num capacho, no meio do mato.

Meu avô me contava que viajavam de DKV até Goiás.

Minha avó me dizia que a viagem durava uma eternidade.

Meu avô assobiava, sempre a mesma melodia.

Minha avó fazia crochê, nunca tricô.

Meu avô balançava na rede, assobiando.

Minha avó me contava como eram as noites à luz de vela.

Meu avô me falava da dor que dá a pedra nos rins.

Minha avó me contava do dia que os revoltosos apareceram na fazenda.

Meu avô me dizia que era a Coluna Prestes.

Minha avó me contava a história da vida dos santos.

Meu avô não pedia assinatura; valia o fio do bigode.

Minha avó me dizia que sempre ouvia panelas caindo quando alguém ia morrer.

Meu avô me mandava cortar o cabelo. Só se você raspar o bigode. Nem pensar.

Minha avó usava fita azul da Legião de Maria quando ia para a igreja.

Meu avô saía muito antes, para nunca atrasar.

Minha avó dizia para não conversar no almoço, para não esfriar o cumê.

Meu avô me contou que o avô dele nasceu na França.

Minha avó me disse que os avós dela eram aqui do Brasil mesmo.

Minha avó gostava de guardar a dentadura num copo d’água.

Meu avô dizia que ali ficava a risada dela.

Ele José; ela, Maria.

Um dia, ele deixou de andar; depois, quase não falava; mas me olhava um olhar muito triste, com um olho só.

Um dia, ela deixou de andar; depois, quase não falava; mas me olhava no fundo do fundo do olho, com um olho só.

Meu avô morreu de repente; minha avó, devagar.

Eu era jovem quando ele morreu; ela morreu, eu era adulto.

Em um famoso ensaio, Walter Benjamin disse que arte de narrar estava em vias de extinção. Nos anos 30 do século passado, o filósofo alemão escreveu que são cada vez mais raras as pessoas que sabem contar uma história e, por isso, estamos perdendo a capacidade de trocar experiências. Theodor Adorno dizia que contar significa ter algo especial a dizer.

Benjamin lembra Pascal: ninguém morre tão pobre que não deixe alguma coisa atrás de si: deixa reminiscências, mas nem sempre elas encontram um herdeiro. Essa foi a herança que eles me deixaram. A maior que se pode receber.

*Rodrigo Simon é jornalista, com passagem pelas redações da CBN, Bandnews e TV Cultura. Mestre em Letras pela USP, é doutorando em Teoria e História Literária pela Unicamp. 

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