pmadmin Publicado em 25/08/2010, às 00h00 - Atualizado em 13/10/2014, às 10h20
DA: No meu tempo, na minha infância, a gente brincava de rodar pião, bater figurinha, jogar bolinha de gude, brincava de pega-pega, esconde-esconde, brincava de queimada e tudo isso no meio da rua. Hoje em dia, parece até que nem existe mais rua para se brincar. Eu estou aqui hoje com o Paulo Tatit, cantor e compositor, que faz parte do grupo “Palavra Cantada”. Paulo, me diz uma coisa, a gente é mais ou menos da mesma geração, você vivenciou todas essas brincadeiras que eu acabei de falar?
PT: Olha, todas essas brincadeiras que você acabou de falar, eu brinquei, e brinquei muito. Era uma criança que estudava de manhã, saía de casa, e só voltava à noite pra jantar, encardido. Minha mão vivia encardida por causa da bolinha de gude.
DA: Tinha rua para se brincar, não tinha trânsito, essa loucura que é hoje…
PT: Eu fui criado em Pinheiros, aqui em São Paulo. Em Pinheiros, a rua Arthur de Azevedo era de terra. A gente tinha um campinho e toda essa coisa de aproveitar muito o convívio na rua. A gente tinha que tirar a nossa brincadeira de elementos baratíssimos: bolinha de gude, rolemã, que você pegava de graça nas oficinas, a finca, que era um ferro que a gente afiava pra fincar no chão e fazer o jogo da finca, era tudo assim muito barato, feito à mão. E eram brincadeiras coletivas, a gente convivia com outras crianças no meio da rua.
DA: Hoje, o que aconteceu? O mundo mudou, para as crianças brincarem hoje precisa ter computador, playstation, videogame, é isso, mudou tudo?
PT: É porque a rua se tornou um elemento hostil dentro da sociedade. Esse espaço de rua, só se for muito na periferia que a gente ainda vê criança sair empinando pipa e brincando na rua. Se você começa a ficar mais no centro da cidade, isso aí não tem.
DA: Será que a nossa infância foi “a boa infância” mesmo e hoje as crianças não têm mais essa coisa de convivência, de brincadeira saudável, o que você acha?
PT: Olha, eu acho que as escolas mais legais tentam suprir essa coisa da brincadeira coletiva, da roda, coisas mais corporais. Mas a tendência da criança ficar numa situação mais encolhida, fechada, concentrada aqui nos dedos, eu vejo muito isso. Às vezes, a gente faz umas rodas infantis, e tem crianças que são boas no videogame, mas não têm noção do que está acontecendo na roda de brincadeiras.
DA: Eu li numa entrevista que você deu há pouco tempo que você tem a intenção de criar a sua filha fora de São Paulo, por quê?
PT: Na minha atividade como músico, com a internet e com todas essas facilidades modernas, eu posso me ausentar um pouco da cidade. Posso trabalhar e mandar material, pegar material… E, às vezes, me dá vontade de sair realmente e ter uma vida mais ligada à natureza, ter um pouco mais de verde, um ar mais gostoso para respirar.
DA: Você acha que traz benefícios para quem tem filho viver num lugar mais tranquilo?
DA: Estou reparando que as brincadeiras da sua filha, Luiza, são livros. Que tipo de livros são esses?
PT: Ela tem uma estante que já tem altura dela para ela ir pegando os livros. E ela vai e pega. Ela vê a gente, o pai e a mãe lendo. A gente lê muito aqui em casa, e ela fica no mundinho dela.
DA: E livro é brincadeira de criança?
PT: Eu acho que é porque cria, mexe muito com a imaginação. Justamente por causa dessa preocupação, a gente criou cinco livros de brincadeiras musicais. Na verdade, são livros e dvds. Então, a criança, o professor, vai poder aprender rapidamente. Vai de seis a dez anos. E como essas brincadeiras são, em geral, corporais, você vai pra cá, se movimenta, e tudo no ritmo. A pessoa vai se familiarizando aos poucos com o nosso vocabulário.
DA: É uma brincadeira que leva a criança a ter um conhecimento melhor da história da música?
PT: Sim. Do mundo da música, dos ritmos brasileiros. Ela começa a saber o que é um congado, um maracatu, o que é o samba. Começa a entrar nessa e com instrumentos mesmo. A gente preza muito isto: tem a família de instrumentos de percussão que a gente usa, as baquetas, o jeito que você senta para tocar o instrumento… Esse mundo do instrumento para a criança é uma brincadeira muito bacana para quem quer entrar no mundo da música.
DA: Mas, hoje em dia, tirando a história do livro, que é muito bacana, a criança tem a televisão, o computador e o videogame. Existem outras brincadeiras?
PT: Bom, se você não mora num lugar em que você possa descer, num condomínio, por exemplo, ter oportunidade de encontrar outras crianças para formar suas brincadeiras, então fica complicado. Minha esperança é a escola. Eu deposito muita confiança na educação.
DA: Por falar em escola, eu soube também que você diz que não tem pressa de levar a Luiza pra escola, porque você acha que tem que ter o momento certo. Mas a escola não é um lugar legal para a criança conviver socialmente?
PT: Eu acho. É que aqui onde eu moro é um condomínio muito grande. Então tem muita criança com quem ela brinca. Mas no ano que vem ela vai estar com três anos e vai para a escola.
DA: O que você pensa do fato dos pais que não têm muito tempo para estar em contato com os filhos? Às vezes, os pais saem cedo para trabalhar, chegam em casa tarde e o filho já está dormindo. Eu vejo que você tem um contato mais próximo… Qual é a importância do contato do pai com os filhos, essa relação de brincadeira e tudo mais?
PT: Isso é fundamental. A família supre muito a parte afetiva, mais do que a parte de educação. Os professores e educadores são mais técnicos. Para ensinar uma criança a ser bem educada, eu confio mais na escola. Mas acho que a parte afetiva, de ficar e você travar uma relação verdadeira com a criança, qualquer que seja a idade dela, eu acho super importante. Às vezes, você tem pouco tempo para ficar com a criança, mas este pouco tempo já é importante. A criança não tem aquela noção de tempo que nós temos. Ela vive o aqui e o agora. A gente não consegue imaginar o que é viver o aqui e o agora porque a gente está sempre planejando: vou fazer isso, vou fazer aquilo… A criança não. Ela está sempre vivendo aquele tempo dela com você. Normalmente, o pai e a mãe ficam com aquela consciência de pesada porque tem pouco tempo com o filho para brincar, para se relacionar, e na verdade, para criança, o tempo não é assim, o tempo não é medido assim. É a qualidade, o que você se dedicou naqueles quinze minutos é que está valendo. E se você precisa sair, não tem que criar um drama. É importante ter uma relação honesta com a criança.
DA: Para finalizar, como é que a música interfere na brincadeira das crianças?
PT: Muitas das brincadeiras de roda, são brincadeiras musicais. É muito legal porque você coloca um ritmo na brincadeira, você coloca um conteúdo mais rítmico que vai dando uma aptidão, uma destreza motora, um entendimento. Às vezes, você tem que pegar uma bola aqui, num ritmo: tum-pá, tum-pá… Então, as brincadeiras já têm muito de música. A criança que brinca com essas brincadeiras de roda já traz muito essa parte musical mesmo sem saber. E a gente inventou outras brincadeiras mais corporais, pulando no ritmo, alternando equilíbrio: perna direita, perna esquerda, pá-pá-pá, e muita coisa também. Daí começa a pegar baqueta, já tem noção de ritmos.
DA: Paulo, todas essas dicas têm aqui nos livros do Palavra Cantada, que logo estará nas livrarias. São livros com dicas, tem um cd no encarte, um monte de historinhas bacanas contadas pelo “professor Beleléu”. Então, é mais uma opção de brincadeira para criança. Paulo, muito obrigado, muito legal a entrevista. Valeu!—Outras informações: http://www.palavracantada.com.br/