Carta aberta aos donos e diretores de escolas privadas do país

Roberta Manreza Publicado em 20/08/2015, às 00h00 - Atualizado às 10h31

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20 de agosto de 2015


Por Carla Codeço – Paratodos

Descrição da imagem: Foto que mostra um quadro negro onde uma mão aparece escrevendo a palavra Educação com giz.

No último dia 3 de agosto, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a obrigatoriedade de assegurar educação aos estudantes com deficiência, alegando ser inconstitucional a Lei Brasileira de Inclusão em seu artigo 28 (que esclarece ser dever das escolas particulares efetivar matrícula sem qualquer cobrança extra para os alunos com deficiência). Imaginamos, naturalmente, que os senhores e senhoras, donos e/ou diretores de escola, estão cientes disso, dado que a entidade os representa. Em caso de desconhecimento, basta olhar no site da entidade e verão logo a petição inicial da empreitada.

Então, ficamos intrigadas por aqui e gostaríamos muito de saber qual o objetivo da recente ação ajuizada no STF. Ora, se os senhores não podem arcar com estes custos (sim, esta é a alegação), talvez devam estudar e pensar numa forma de acomodar custos,  já que falamos de EDUCAÇÃO. Quando falamos em Educação estamos falando de concessão de um serviço público e não de um serviço qualquer. Estamos falando de vocação e desejo em contribuir com a formação de cidadãos.

Gostaríamos de saber também como pretendem, na prática, viabilizar a proposta de vocês. Visto que nem todas as deficiências são visíveis, será necessário implementar provas e testes de habilidade para estabelecer quais crianças estarão aptas a frequentar suas escolas, correto? Visto que nem todas as deficiências são de nascença, também será necessário um plano para expulsar estas crianças no momento que se adquire uma deficiência, certo? E, na hora de dividir as criancinhas, aquelas com superdotação ficam dentro ou fora da sua escola? Hummm, elas podem elevar a nota do Enem…  Será criado um filtro de cidadania, que determinará que cidadãos têm direito à educação e que cidadãos não têm tantos direitos assim. E o que farão com estes alunos que não passarem no filtro? Serão descartados como resíduos tóxicos de uma indústria? Cidadãos fadados a não terem vida produtiva em sociedade?

É preciso pensar também nos demais alunos. Estes alunos que escaparam do descarte. O que estarão ensinando de fato para estes alunos? Que, primeiramente, é possível driblar leis e há sempre brechas e jeitinhos para seguir ou não uma regra. E mais. Que existem categorias de cidadãos e que eles estão dentro da categoria de privilegiados. Que existem pessoas que têm direitos e deveres; e outras, apenas deveres. E que o mundo é feito de perfeições fugazes e superficiais.

De todo modo, não ensinarão sobre diversidade e diferenças. Como pretendem dizer às crianças que seus amigos, vizinhos ou até mesmo irmãos não poderão frequentar a escola deles? Claro, será fácil, desde que a família possa pagar o dobro ou até o triplo do que as demais famílias pagam, este aluno passará automaticamente a ter direito de estar ali, com seus pares.

Restam os alunos com deficiência e sem condições financeiras. O que será feito deles? É preciso traçar um plano para estes alunos-resíduos. Afinal todos dividiremos o mesmo espaço em sociedade. Já pensou no incômodo? Ou usarão o bom e velho recurso de vassoura e tapete para varrer e esconder o que lhes incomoda?

Uma ação como essa bate de frente com as transformações por que passam a educação no país — mudanças, aliás, muitas vezes capitaneadas por experiências de vanguarda de muitas escolas particulares. Vejam os números. Nos últimos 15 anos, o Brasil vivenciou avanços notáveis na educação inclusiva: as matrículas de alunos com deficiência, transtornos de desenvolvimento e altas habilidades mais que dobraram entre 1998 e 2013. O país não apenas conseguiu colocar mais dessas crianças na escola, mas também ampliou a presença delas nas escolas regulares. Em 1998, o Censo Escolar do MEC registrava 337 mil matrículas de alunos com algum tipo de deficiência, sendo que apenas 13% deles conviviam nas mesmas salas de aula com os demais. A imensa maioria estava nas escolas especiais ou em classes separadas. Em 2013, o total de alunos com deficiência matriculados em escolas da educação básica chegou a cerca de 843 mil, e o percentual de incluídos em classes comuns passou para 77%.

É um caminho sem volta, senhores e senhoras.

Só é inclusão, se for #paratodos.

Carla Codeço
Ciça Melo
Fabiana Ribeiro

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