Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo conclui que juiz Rodrigo de Azevedo Costa praticou infrações disciplinares. Ele desdenhou da Lei Maria da Penha em audiência

Caso aconteceu em dezembro e foi revelado com exclusividade pelo Papo de Mãe no UOL

Mariana Kotscho* Publicado em 05/03/2021, às 00h00 - Atualizado às 21h43

O juiz Rodrigo de Azevedo Costa -

A investigação preliminar realizada pela Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a conduta do juiz que menosprezou a Lei Maria da Penha reconheceu que ele cometeu infrações disciplinares. “Isso quer dizer que ele não agiu de acordo com os princípios e regras que norteiam as atividades dos magistrados na condução dos casos pelos quais são responsáveis”, explica Marina Franco Mendonça, advogada criminalista sócia do escritório Mendonça e Marujo Advogados.

Segundo informou nesta sexta-feira (5) a assessoria de imprensa do TJ-SP, o corregedor-geral da Justiça, Ricardo Anafe, “proferiu decisão, na data de ontem (4/3), reconhecendo a prática, em tese, de infrações disciplinares pelo magistrado, previstas na Lei Orgânica da Magistratura e no Código de Ética da Magistratura”.

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Em dezembro do ano passado, o Papo de Mãe publicou trechos de 3 audiências de Vara de Família conduzidas pelo juiz Rodrigo de Azevedo Costa em que ele destratava mulheres. Nas audiências ele disse frases desdenhando da Lei Maria da Penha, chegou a sugerir para uma mãe que entregasse as filhas para a adoção por ela ser pobre e com uma outra gritou e disse que ela devia fazer terapia.

Com a decisão da corregedoria, o juiz será intimado para apresentar defesa prévia no prazo de 15 dias, na qual poderá se defender.

Veja parte em que ele menospreza a Lei Maria da Penha

Em janeiro, Rodrigo de Azevedo Costa já havia sido transferido da Vara de Família para a Vara da Fazenda, enquanto eram feitas as apurações do caso. A Corregedoria informa que o processo ainda está em tramitação e segue em segredo de justiça, mas adiantou algumas informações.

Segue a nota com as conclusões da Corregedoria e próximos passos

No que diz respeito ao trâmite, o corregedor-geral da Justiça proferiu decisão, na data de ontem (4/3), reconhecendo a prática, em tese, de infrações disciplinares pelo magistrado, previstas na Lei Orgânica da Magistratura e no Código de Ética da Magistratura;

Diante dessa decisão, o magistrado será intimado para apresentar defesa prévia no prazo de 15 dias, na qual poderá, se quiser, defender-se em relação às infrações funcionais apontadas; 

De posse da defesa prévia do magistrado, o corregedor-geral da Justiça elabora voto, dirigido ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça, propondo o acolhimento da defesa prévia ou a abertura de Processo Administrativo Disciplinar. É o Órgão Especial (colegiado formado por 25 desembargadores – 12 mais antigos, 12 eleitos e o presidente do TJSP) que tem competência para determinar ou não a abertura de Procedimento Administrativo Disciplinar.

Nesse momento, o processo deixa de ser segredo de justiça e é julgado em sessão pública (em formato virtual, por conta da pandemia), a qual fica disponibilizada no site do TJSP. 

De acordo com a Lei da Magistratura (Loman, Lei Orgânica da Magistratura Nacional), são consideradas possíveis penas disciplinares, caso o juiz seja condenado: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, demissão (único caso em que um juiz deixaria de receber o salário). As penas ameaçam a estabilidade do magistrado na carreira e prejudicam promoções.

Segundo a advogada Marina Mendonça, a advertência e a censura são penas mais brandas. As outras implicam a transferência do juiz para outra vara (o que aconteceu previamente) ou demissão do cargo: “Nas hipóteses de remoção compulsória e disponibilidade, o magistrado receberá seus vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Por sua vez, se o juiz for demitido, ele deixa de receber os vencimento proporcionais por tempo de serviço. Contudo, a aplicação desta pena é mais rara e ocorre apenas em casos muito graves. Todas as infrações impactam na promoção dos magistrados na carreira.”

Ainda segundo Marina,  “A postura deste juiz fere completamente a isenção que se espera de um magistrado ao analisar uma causa e ele tem opiniões que não são mais admissíveis, que sujeitam mulheres a valores patriarcais e machistas que não podem ser levados mais em consideração.  Tal situação para desincentivar as mulheres a procurarem o poder judiciário em casos de violência doméstica, que nós sabemos que é um dos principais problemas do nossos sistema de proteção dos direitos e das garantias das mulheres.”

Numa das audiências gravadas, o juiz mencionou que recebia um salário “pífio”. O salário em questão era em torno de R$32.000,00.

Veja a mensagem de Kenarik Boujikian, desembargadora aposentada TJSP, após receber a notícia da conclusão da Corregedoria do TJ-SP

“Atitudes de magistrados que desdenham as conquistas civilizatórias são inadmissíveis.
A obrigação constitucional dos juízes é dar vida ao fundamento constitucional da dignidade humana e do princípio da igualdade.
O Judiciário não pode ser instrumento que revitimiza as mulheres que sofreram violência.
O Judiciário deve entender, saber e acolher as mulheres, para cumprir o seu papel.
Tudo que não vimos em cenas de uma audiência dantesca.”

Entenda o caso

Na noite de quinta-feira, 17 de dezembro, o Papo de Mãe publicou reportagem revelando a conduta do Juiz Rodrigo de Azevedo Costa numa audiência de Vara de Família em São Paulo.  Sem levar em consideração que um das partes é vítima do ex-companheiro num inquérito que apura violência doméstica, o juiz afirmou que não está nem aí para a Lei Maria da Penha e fez outras afirmações inaceitáveis. Veja abaixo algumas transcrições de momentos retirados da audiência, que durou 3 horas e meia.

Juiz : “Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem lei Maria da Penha contra a mãe(sic) eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”. (Advogadas tentam interromper e ele não deixa)

Juiz : “Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha. É muito chato também, entende? Depõe muito contra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor constrangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer de novo”.

Juiz : “Ah, mas tem a medida protetiva? Pois é, quando cabeça não pensa, corpo padece. Será que vale a pena ficar levando esse negócio pra frente? Será que vale a pena levar esse negócio de medida protetiva pra frente?

Juiz : “Doutora, eu não sei de medida protetiva, não tô nem aí para medida protetiva e tô com raiva já de quem sabe dela. Eu não tô cuidando de medida protetiva.”

Juiz: “Quem batia não me interessa”

Juiz: “O mãe, a senhora concorda, manhê, a senhora concorda que se a senhora tiver, volto a falar, esquecemos o passado….”

Juiz: “Mãe, se São Pedro se redimiu, talvez o pai possa…..”

F.: “Eu tenho medo”

(vamos lembrar aqui que F. já sofreu violência doméstica e o juiz insiste numa reaproximação dela com o ex)

Juiz: “Ele pode ser um figo podre, mas foi uma escolha sua e você não tem mais 12 anos”

(No trecho acima, ele insinua mais uma vez culpar a vítima pelas agressões sofridas, reafirmando a declaração de que “ninguém apanha de graça”)

Veja a repercussão do caso aqui.

Maria da Penha, em carta, disse estar estarrecida.

“É estarrecedor que numa Vara de Família no contexto de uma audiência sobre processo de alimentos com guarda e visitas aos filhos um Juiz faça declarações tão constrangedoras e vexatórias como essa! Para além do lamentável, a questão nos causa indignação e, ao mesmo tempo, agrava a preocupação que eu já trago desde o momento que eu iniciei a minha militância. Da violência doméstica à violência institucional, após 37 anos do meu caso e dos 14 anos da Lei 11.340/06, observamos que ainda falta sensibilidade jurídica, consciência cidadã e respeito por parte de muitos magistrados no sistema de justiça no Brasil. Destaco que há sim profissionais desse mesmo sistema que são profissionais humanos, coerentes, justos e leais à causa dos direitos humanos das mulheres.”

Depois de revelado este caso, mais duas mulheres procuraram a reportagem do juiz. Elas também tinhas suas audiências gravadas. Numa delas o juiz manda a mãe dar as filhas para adoção por ela ser pobre. Na outra ele grita com a mulher (parte) e a advogada dela).

O Papo de Mãe vai continuar acompanhando o caso

*Mariana Kotscho é jornalista e apresentadora do Papo de Mãe

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