Roberta Manreza Publicado em 08/03/2016, às 00h00 - Atualizado às 08h00
Por Mariana Kotscho*
Fico triste quando chega o dia da mulher e vejo muitas mulheres desmerecendo a data, homens sugerindo que se crie também o dia do homem. É importante saber que este é um dia para chamar a atenção para o que ainda acontece de violência contra a mulher no mundo inteiro: elas ainda ganham menos do que os homens ao exercer as mesmas funções, são vítimas de preconceito e de violência – principalmente da violência doméstica.
Embora o Brasil tenha avançado com a Lei Maria da Penha, os dados ainda são assustadores. A Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado (SBAIT), está fazendo um alerta aos médicos sobre o despreparo no atendimento às mulheres vítimas de violência. A ideia é orientar os profissionais da saúde para atender essas mulheres que chegam diariamente aos pronto-socorros de todo o país. Elas chegam machucadas e com medo.
“Quando conversamos com especialistas da área de atendimento à mulher, eles criticam que é comum os médicos dos prontos-socorros não darem a devida atenção para casos de violência contra a mulher, muitas vezes, agindo até com preconceito e machismo”, explica o presidente da SBAIT, Dr. Gustavo Fraga. “E nós sabemos que se houver um acolhimento correto, há mais chances de esta mulher sair dessa situação e de o caso ser notificado, já que a subnotificação agrava ainda mais o problema, inviabilizando até políticas públicas”, diz.
A SBAIT ressalta que a “Pesquisa Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher”, divulgada em 2013 pelo DataSenado, estima que mais de 13,5 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de agressão no País e que cerca de 700 mil mulheres ainda continuam sendo vítimas deste tipo de violência.
O Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, realizou 265.351 atendimentos no primeiro semestre do ano passado. As denúncias de violência corresponderam a 11% dos registros, ou seja, 30.625 casos. Em 94% deles, o autor da agressão foi o parceiro, ex ou um familiar da vítima. Os números apontam, ainda, que 77% das mulheres em situação de violência sofrem agressões semanal ou diariamente.
De acordo com a coordenadora da Rede Iluminar de Cuidados às Vítimas de Violência Sexual de Campinas e membro do Núcleo de Prevenção às Violências e Promoção da Cultura de Paz de Campinas, Dra. Verônica Gomes Alencar, os prontos-socorros não estão preparados para acolher este tipo de vítima e nem para fazer a abordagem ideal. “Nós precisamos capacitar esses profissionais. Eles precisam entender o que é violência de gênero, direcionar para a diminuição do machismo e do preconceito e fazer uma escuta competente e afetiva”, orienta. “Essas mulheres não contam que foram vítimas de violência doméstica, mas os médicos conseguem saber que a lesão não foi causada por um tombo, e sim por um soco”, afirma.
Em Campinas (interior de SP), por exemplo, no primeiro semestre de 2014, foram registrados 195 casos de violência contra a mulher. A faixa etária mais atingida é a entre 30 e 39 anos. No ano anterior, 2013, foram 466 registros, sendo 193 casos de violência física. Na maioria das vezes, o agressor é o companheiro ou esposo da vítima. “Esses números estão muito abaixo do que aconteceu. É totalmente subnotificado e isso inviabiliza políticas públicas porque, sem estatísticas, não conseguimos financiamento”, explica Verônica.
Segue abaixo a nota enviada pela SBAIT a todos os seus associados:
Violência contra a Mulher – uma responsabilidade também do profissional que atende nos prontos-socorros
No próximo domingo, vamos comemorar o Dia Internacional da Mulher. E queremos aproveitar este momento para fazer um alerta: especialistas afirmam que a maioria dos médicos que trabalham em Prontos-Socorros, quando atende um caso de violência intrafamiliar, não está preparada para realizar o acolhimento e fazer a orientação correta de quais serviços essa mulher pode contar para garantir os seus. O papel deste profissional é fundamental para que possamos reduzir os números deste tipo de violência em nosso País.
A Pesquisa Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, divulgada em 2013 pelo Data Senado, aponta que cerca de 700 mil mulheres ainda sofrem agressão no Brasil. Mas muitas delas têm medo relatar ao profissional que a atende nos hospitais a violência sofrida.
Cabe a nós, médicos do Trauma, também começar a mudar esta realidade. Essas vítimas precisam ser acolhidas na hora do atendimento e isso é possível seguindo alguns passos:
– Informar-se sobre o conceito de violência contra a mulher e o ciclo característico dessa violência.
– Evitar colocar uma visão machista ou preconceituosa quando estiver frente a vítima.
–Refletir com ela se o tipo de lesão não estiver de acordo com a versão contada pela mesma. O Medo de ser maltratada faz com que as mulheres contem uma outra versão do ocorrido.
– Realizar uma escuta competente e afetiva para que a vítima se sinta segura e conte como realmente ocorreu o caso.
– Ter em mãos orientações (Lei Maria da Penha, Fluxo de atendimento do município e telefones de urgência) para ajudá-la neste momento.
– Verificar se em seu município, há uma rede destinada a este atendimento. Lá, os serviços estão preparados para o atendimento, orientação e proteção.
– Procure orientar o máximo sem envolver a ação da Polícia, a não ser que a mesma esteja correndo risco de morte. Muitas vezes, essas mulheres ainda não estão prontas para realizar um boletim de ocorrência.
– Solicitar a gestão do serviço capacitação para todos os profissionais para realizar o atendimento/ encaminhamento.
– A violência contra a mulher é de notificação compulsória via SINAM. Verificar com a CCIH como pode ser realizada a notificação desses casos.
– Com a equipe preparada, providencie um banner e coloque logo na entrada do Pronto-Socorro, explicando à vítima de violência doméstica/intrafamiliar que ela pode contar com profissionais capacitados para ouvi-la.
– Oriente toda a sua equipe sobre este importante papel.
Fonte: SBAIT (Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado)
Dica: Assista ao Papo de Mãe sobre Violência Doméstica, com a participação de Maria da Penha.
* Mariana Kotscho é mãe, jornalista, apresentadora do Programa Papo de Mãe e colunista do Portal Papo de Mãe.
–