A eco-ansiedade atinge também as gerações que viverão as consequências dessas mudanças: as crianças
Sabrina Legramandi* Publicado em 10/09/2021, às 12h23
Recentemente, a ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou um documento de 3.500 páginas alertando para a gravidade das questões climáticas. O último IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês) revelou que, até 2050, sofreremos os efeitos das mudanças climáticas e muitos são irreversíveis.
As consequências, porém, já podem ser sentidas em diversas partes do globo. No Brasil, cidades do Sul viram neve pela primeira vez este ano e a seca no Centro-Sul traz o risco do racionamento de energia. “Cada vez mais estamos observando eventos de temperaturas extremas nunca vistas. A Grécia queimando, a Turquia e a Espanha também. Enchentes catastróficas na Alemanha, China e Índia”, exemplifica Raquel Bueno, coordenadora da “Academia de Ação Climática”, curso da ONG chilena “Plataforma 2811”, no Brasil e em Portugal.
Se ler sobre todas essas mudanças e sobre um futuro incerto te causa desespero, você pode estar sofrendo com a eco-ansiedade. Raquel conta que a Associação Americana de Psicologia definiu esse sentimento como "um medo crônico da desgraça ambiental".
É um sentimento forte que surge quando a pessoa lê notícias sobre desastres ambientais ou presencia uma consequência do aquecimento global na sua própria cidade e país. Surge então o pensamento: como será o futuro?” (Raquel Bueno)
O medo é justificável e pode, inclusive, atingir as gerações que viverão essas mudanças com mais intensidade: as crianças. Por isso, a coordenadora dá dicas para que os pais possam falar sobre o assunto com os filhos sem negacionismo e para que esse sentimento possa ser usado como um motor de mudança para o futuro.
Raquel Bueno afirma que a chave foi resumida por Sarah Jaquette Ray, líder do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade Estadual Humboldt da Califórnia e autora de “A Field Guide to Climate Anxiety” (Um Guia de Campo para a Eco-ansiedade, em português): o desespero pode ser vencido se o individualismo também for combatido.
Para Bueno, existem formas de conversar sobre esse assunto com as crianças conforme a faixa etária. Com as pequenas, o ideal é evitar a exposição aos desastres para evitar o medo. “O mais importante é mostrar para essa criança a importância da natureza, colocá-los em contato com o meio ambiente, com os animais, para que eles criem desde pequenos uma conexão com isso”, afirma.
No caso das crianças mais velhas, é importante conversar sobre a realidade e mostrar os diversos motivos que podem gerar desastres ambientais: a poluição, a degradação do meio ambiente, a elevada produção de lixo e o desmatamento das florestas.
Porém, também existe um sentimento muito comum no Ocidente que, em vez de gerar reflexão, pode paralisar a capacidade de lidar com os problemas: a culpa. É necessário evitar passar isso aos filhos e mostrar as diversas causas que levam às mudanças ambientais.
Temos relatos de alunos na Colômbia, por exemplo, que ficam extremamente preocupados porque jogaram uma garrafinha de plástico na lata de lixo orgânico e se sentem agressores do meio ambiente.” (Raquel Bueno)
O segredo, segundo a coordenadora da “Academia de Ação Climática”, são as redes de apoio e mostrar que as pessoas não estão sozinhas. “Como coordenadora do curso no Brasil, escutei muito dos participantes ‘eu sou a única da minha família que se preocupa com isso’ ou ‘eu não tenho com quem conversar sobre o aquecimento global’”, conta Raquel.
Para ela, entender que existe esse sentimento em comum e pensar em como transformar o medo e a ansiedade em ação é essencial. “Poder processar e reconhecer os sentimentos e expressar essas emoções em relação aos desastres climáticos é o primeiro passo para lidar com a ansiedade”, afirma.
É por esse motivo que pertencer ativamente de um grupo que se importa com essas questões pode gerar uma mudança positiva nos sentimentos e, até mesmo, melhorar a autoestima. “Mesmo que você não consiga resolver todos os problemas, você vai conseguir melhorar sua própria capacidade de resolver esses problemas”, finaliza Raquel.
*Sabrina Legramandi é repórter do Papo de Mãe
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