Estudo analisa crianças e adolescentes com TOC

Roberta Manreza Publicado em 27/05/2015, às 00h00 - Atualizado às 14h16

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27 de maio de 2015


Por Valéria Dias – valdias@usp.br – Agência Usp de Notícias

Pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) constatou que crianças e adolescentes portadoras de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) apresentam comprometimento de alguns circuitos cerebrais em decorrência da doença. Apesar de esse comprometimento ainda não ter se manifestado no comportamento, outros dados do estudo sugerem que existe a possibilidade de esses pacientes, ao atingirem a vida adulta, apresentarem dificuldades ou déficits ligados à memória e ao agrupamento semântico (evocar em sequência palavras de uma mesma categoria). “Estudos futuros deverão ser feitos para confirmar esta hipótese”, afirma o autor do estudo, o psicólogo Marcelo Camargo Batistuzzo.

Os resultados foram obtidos pelo pesquisador na tese de doutorado Ativação cerebral associada à memória episódica verbal no transtorno obsessivo-compulsivo por meio de ressonância magnética funcional defendida na FMUSP. O estudo foi desenvolvido no âmbito do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Infância e Adolescência (INPD), coordenado pelo professor Eurípedes Constantino Miguel, da FMUSP. O INPD é um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.

O TOC é um transtorno psiquiátrico caracterizado por pensamentos obsessivos, compulsões, rituais ligados a pensamentos repetitivos que interferem na rotina da pessoa e causam prejuízos em todas as áreas do relacionamento.

A pesquisa foi realizada com 50 crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos, de ambos os sexos e mesmo nível sócioeconômico, e preferência manual (canhoto/destro) sendo 25 portadoras de TOC e 25 saudáveis (grupo controle). Os pacientes com TOC foram selecionados a partir de um outro estudo realizado no INPD, o SMART, produzido pela pesquisadora Roseli Gedanke Shavitt.

Segundo a literatura, pacientes com TOC apresentam dificuldades de memória e de funções executivas, como planejar e executar um determinado comportamento. “Trabalhamos com a hipótese de que esses problemas de memória acontecem porque as pessoas com TOC não conseguem organizar o conteúdo daquilo que devem memorizar durante a codificação dos estímulos”, conta o psicólogo.

Para investigar essa hipótese, Batistuzzo utilizou a ressonância magnética funcional para verificar a ativação cerebral dos 50 participantes do estudo durante testes de memória. Durante o exame ambos os grupos foram expostos a 32 palavras divididas em duas listas. Na primeira, apareciam imagens de palavras relacionadas (mesma categoria semântica), como flores, roupas ou animais. Já na segunda, as palavras não apresentavam relação entre si. Cada lista continha 16 palavras com duas a cinco sílabas, e todas de substantivos concretos. Dentro da máquina de ressonância magnética, cada participante foi exposto a cada palavra três vezes, durante dois segundos. E no final, os participantes repetiam as palavras lembradas.

Resultados
No que se refere ao número de palavras lembradas, os resultados indicaram que os pacientes com TOC não apresentaram déficits em relação ao grupo controle. Batistuzzo analisou então o índice semântico, que reflete o quanto a criança consegue relacionar palavras em uma mesma categoria. “Quanto maior a categorização das palavras lembradas, maior será o índice semântico e a possibilidade de se evocar uma maior quantidade de palavras”, explica o pesquisador. Os resultados também foram semelhantes nos dois grupos.

As diferenças surgiram quando o pesquisador analisou a correlação entre o índice semântico e o número de palavras lembradas. “No grupo controle a utilização da estratégia foi capaz de prever a quantidade de palavras lembradas de modo que quanto mais categorizam palavra, mais se lembram delas. Isso não foi verificado do grupo de portadores de TOC”, aponta.

Outra diferença foi em relação à idade. Considerando o índice semântico encontrado em cada grupo, nos controles foi verificado que quanto mais velho o participante, maior o nível de categorização, o que não ocorreu no grupo de pacientes. “Essa dificuldade ao longo do desenvolvimento é algo esperado, ou seja, conforme o portador de TOC cresce, ele tem mais tempo de convivência com os sintomas e as dificuldades cognitivas aumentam.

O psicólogo conta que ao analisar as regiões cerebrais ativadas durante a memorização das palavras, foi constatado no grupo de pacientes uma ativação menor na região medial dorsal do lobo frontal. “Nós ficamos intrigados porque o número de palavras lembradas foi semelhante nos dois grupos. Entretanto, em relação à idade e ao índice semântico, os portadores de TOC não foram mais eficientes. Então nós interpretamos que essa hipoativação dos circuitos cerebrais estavam comprometidas em decorrência do TOC, apesar de ainda não se manifestarem no comportamento [índice semântico e na variável de palavras lembradas]“, finaliza. Diante desses resultados, ele sugere que, em um segundo momento, quando os participantes forem adultos, seja realizado um novo estudo sobre o tema.

A pesquisa foi defendida em fevereiro de 2014 na FMUSP sob a orientação da professora Eliane Correa Miotto e coorientaçao do professor Guilherme Vanoni Polanczyk.

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