Favorecer os encontros e os reencontros presenciais é a grande tarefa da escola

O que esperar da volta às aulas no segundo semestre? Pais, mães, educadores e estudantes se fazem muitas perguntas neste momento de reencontros

Terezinha Fogaça de Almeida* Publicado em 08/07/2021, às 08h00

Alunos da escola Ágora, em Cotia, São Paulo -

Como deve ser o ensino do seu filho agora que o futuro chegou? As aulas remotas vieram pra ficar? Aliás, qual papel emerge para as escolas da maior crise do nosso tempo? E o que todos nós, pais, alunos e professores, aprendemos com a distância forçada pela COVID-19? É tempo de os educadores começarem a oferecer algumas respostas...

Por muito, muito, muito tempo você e eu escutamos um refrão sobre o futuro do ensino, o futuro da escola. Ele martelava algo do tipo: quando chegar, tudo será diferente. Será tecnológico. Será veloz, dinâmico. Será melhor...

Melhor?

Ano passado, o futuro chegou. E foi à força. De uma hora pra outra, as salas esvaziaram, as lousas descansaram em verde ou em branco, as cantinas esfriaram, os portões das escolas fecharam e as ruas esvaziaram. Num pulo, tudo realmente mudou. Para quem teve o privilégio de uma boa conexão de internet, de um computador razoável, de comida farta à mesa, de pais que podiam ficar em casa e de contar com instituições com condição de reorganizar os planos rapidamente, o baque foi um tanto menos trágico.

As manhãs de aulas remotas surgiam. E elas viraram dias de convivência intensa dentro de casa. Esses dias se tornaram semanas em que o olho no olho com os amigos, colegas e professores eram mediados por uma tela. Semanas que se acumularam em trimestres mais vazios, em semestres de saudades e, numa velocidade interminavelmente veloz, um ano todo de cansaços, dúvidas e “presenças à distância” se passou, emendou em outro e...

Aqui estamos. Num tempo que parece agora meio perdido. Não parece? Era, de fato, um futuro chegando. Claro, nem tudo foi ruim. Mas feitas as contas, ele parecia terrível, atrapalhado, assustador, distópico.

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Uma grande lição na pandemia

Quando lidamos com a formação de jovens - seja do lado daí, dos pais, seja do lado de cá, da escola - não há tempo para tempo perdido. Há apenas tempo aprendido. Tempo recuperado. Assim, se existir algum tipo de lição que esta dura e duradoura temporada de isolamento social nos oferece é a de que não existe um substituto para o papel da escola. E esse papel, agora sabemos, mudou. Ou melhor: ganhou novos recortes. Uma nova importância. Um novo horizonte. Uma urgência.

A alfabetização social das crianças e dos jovens, que acontecia num passado remoto nas grandes reuniões familiares (em que se observava o comportamento de uma prima, o exemplo de um tio), ou nas brincadeiras de rua (onde se frequentava casas com regras e costumes diferentes das próprias), pertence, em nossos dias, à escola.

Essa aprendizagem se dá na convivência diária, mediada pelo tempo e pelo espaço. Aprender a brincar, a defender o próprio ponto de vista, a responsabilizar-se por seus atos, a respeitar regras e combinados, a relacionar-se com colegas, com os mais velhos e os mais novos, são conteúdos fundamentais à educação das crianças e dos jovens, para que se tornem cidadãos atuantes, íntegros, competentes, felizes e conscientes de si mesmos e da comunidade a que pertencem, bem como das demandas que o hoje e o amanhã vão lhes oferecer.

E se dizer tudo isso acima parece um tanto óbvio, muito desse óbvio se dá por conta do que a pandemia iluminou. Nunca a escola pareceu tão essencial, tão fundamental ao tecido do que chamamos de sociedade. E é a partir dessa oportunidade de jogar holofote no óbvio que devemos moldar a escola que vai reabrir, trancos e barrancos governistas à parte, conforme o planeta retomar uma rotação mais normal.

A escola do futuro, no tempo certo, é presencial

Mais do que nunca, a escola que nasce pós-pandemia deve se posicionar no sentido de uma reorientação da ciência, da tecnologia, da ideia de sociedade em direção ao orgânico, ao não violento, ao sensível, ao humano... A crise viral acelerou um processo de percepção das questões essenciais – as diferenças econômicas, de oportunidades, de privilégios; ou as preocupações incontornáveis com o meio ambiente, por exemplo.

A identidade, a autoridade da instituição escolar (autoridade que remete à autoria do projeto educacional) são fundamentais à construção dos homens e mulheres de um futuro que se tornou o nosso presente. Privilegiar a natureza, a arte, a ciência, o encontro, o reencontro e o trabalho coletivo são conteúdos a serem priorizados a partir de agora; a escola precisa oferecer à sociedade seres que façam diferente para poder fazer a diferença. Os pais devem atentar para que os caminhos das instituições de ensino se orientem o mais possível dentro dessa estrada.

Desse modo, é necessária uma defesa intransigente da frequência presencial dos alunos à escola. O ensino à distância é uma ferramenta, uma contingência, uma necessidade, um componente de inegável importância. Mas a essência da formação se dá na infinitude e na irrepetibilidade dos estímulos, das experiências, das conversas, das interações ao vivo.

Nós adultos, já estamos formados, já passamos pelas questões que a condição humana nos impôs: “Quem sou eu? Como sou? Como serei?” Já temos uma identidade social, profissional... Já sentimos a necessidade aguda de pertencer a um grupo, para descobrir quem éramos. É no outro que me reconheço: como sei que sou ansioso? Porque observo o tranquilo. Como sei que sou castanho? Porque identifico os louros e os morenos...

É para conhecer a si mesmo que a criança ou o adolescente depende tanto do grupo a que pertence. Juntos, várias crianças ou jovens formam algo maior que si próprios, ou seja, a classe de tal série. Como integrante desse grupo, cada um está exposto e protegido, ao mesmo tempo; revela-se e incorpora-se a algo maior que cada indivíduo, a um organismo que articula e recoloca as semelhanças e diferenças dessas pessoas que, no próximo ano, já não serão as mesmas, nem farão parte, necessariamente, do grupo que integraram.

Muitas vezes nos perguntamos nos últimos meses – e vamos seguir perguntando por algum tempo - a solução é repensar a escola como um espaço que vá além do espaço físico? É investir no ensino à distância? É aceitar o que a pandemia (esta e, esperamos que não, uma próxima) nos impôs num primeiro momento?

A resposta a isso é tudo isso e nada disso. A resposta, como em qualquer teste em que nos saímos bem, está muito mais na interpretação da realidade do que em decorar fórmulas fáceis. Em como levamos para vida aquilo que a vida ensina.

A construção de um futuro (antecipado por uma força maior) é dura, mas profundamente otimista. É acolher não apenas as dificuldades, mas as soluções. Sim, o ensino a distância entra de vez como uma ferramenta, mas jamais como essência ou como solução excludente.

Precisamos garantir para o mais breve possível a presença de cada criança e jovem, constante e ininterruptamente, no espaço escolar. Com a clareza quase universal de que é na rotina escolar que aprendemos muito além das cartilhas e das fórmulas. Com isso, dia a dia, semana a semana, mês a mês, trimestres, semestres e anos a fio, que sigamos construindo um futuro solar feito de escolhas sábias e assertivas. Mesmo as que nascem das duras lições aprendidas num tempo tão nublado, mas que vai passar.

A educadora Terezinha Fogaça de Almeida

*Terezinha Fogaça de Almeida é educadora, fundadora da Escola Ágora (Cotia, SP).

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