Roberta Manreza Publicado em 18/09/2016, às 00h00 - Atualizado em 19/09/2016, às 09h42
Mariana Kotscho
Quando duas pessoas se casam, nunca pensam que um dia podem se separar. Primeiro, realizam sonhos e, na maioria das vezes, têm filhos. Se o casamento não dá certo, a parte mais difícil da separação fica sendo a guarda das crianças. Em geral, os filhos continuam morando com a mãe e o pai passa a vê-los em regime de visitas.
Desde 2014, passou a ser adotada alei da guarda compartilhada, que determina que todas as decisões sobre a rotina da criança passam a ser tomadas em conjunto pelos pais – mesmo que a criança viva a maior parte do tempo com apenas um deles.
Na guarda compartilhada, pai e mãe têm os mesmos deveres, as mesmas obrigações e também oportunidade igual de convivência com os filhos. Antes disso, a guarda mais adotada era a unilateral, aquela em que a criança mora com um dos pais (que detém a guarda e toma todas as decisões inerentes à criação), enquanto o outro genitor passa a ter o direito de visitas regulamentadas pelo juiz. A pensão alimentícia é fixada mediante acordo entre as partes (ou pelo poder judiciário) e passa a ser obrigação daquele que detém o direito de visitas.
Com a criação da nova lei, quando não há um acordo entre os pais, juízes passaram a priorizar a aplicação da guarda compartilhada (a não ser que o juiz avalie que um dos dois responsáveis não tenha condições de cuidar do filho).
Mas ainda há muitas dúvidas que surgem no momento da separação. Principalmente se o ex-casal não tem um bom diálogo. O resultado disso podem ser brigas na justiça, sofrimento das crianças e crime de alienação parental. O Papo de Mãe tem um programa inteiro só sobre alienação parental, que você pode assistir aqui no site. Na alienação parental, um dos pais fala mal do outro, faz denúncias infundadas e afasta a criança.
Separação é um tema bastante amplo e, na tentativa de ajudar pais que estão passando por isso, o Papo de Mãe pediu ao sociólogo Fernando Valentin que escrevesse um texto sobre guarda compartilhada. Fernando, que é organizador do Atlas da Guarda Compartilhada no Brasil e Coordenador Executivo do Observatório da Guarda Compartilhada (OBGC BRASIL), participou do programa que gravamos com homens separados. Ele é pai do Felipe, de 5 anos.
No texto a seguir, Fernando Valentin explica detalhadamente como é a guarda compartilhada no Brasil e quais são os desafios. Vocês podem deixar aqui seus comentários e também fazer perguntas que o Fernando vai responder.
GUARDA COMPARTILHADA: UTOPIA OU REALIDADE?
Por Fernando Valentin – Sociólogo (USP). Mestre em Ciências Humanas e Sociais (UFABC). Organizador do ATLAS DA GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL e Coordenador Executivo do OBSERVATÓRIO DA GUARDA COMPARTILHADA (OBGC BRASIL). Ativista em prol da Igualdade Parental e pai do Felipe (5 anos).
Desde Dezembro de 2014 está em vigor no Brasil a nova lei sobre a guarda compartilhada de filhos menores de idade, que possuem pais separados, divorciados ou não residem juntos. A Lei 13.058/2014 também conhecida como “lei da igualdade parental” é fruto de uma intensa luta em prol do bem estar físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes, protagonizada por movimentos sociais de pais, mães e familiares que vivem ou viveram as agruras da separação ou do divórcio. Ela veio corrigir antigas distorções existentes na lei anterior (Lei 11698/2008) que durante seus seis anos de vigência conseguiu elevar as concessões de guardas compartilhadas no Brasil em apenas 3,9%.
Apesar de nos dia de hoje as separações e divórcios serem cada vez mais comuns, e de não haver mais um forte estigma sobre os ex-cônjuges por não viverem mais juntos, para crianças e adolescentes, a separação ou divórcio de seus pais ainda deixa profundas sequelas. A tabela 1 abaixo extraída do artigo de Noronha & Valentin (2015)[1] apresenta alguns dos principias problemas de saúde apresentados por crianças e adolescentes filhos de casais separados ou divorciados.
Tabela 1 – Principais conclusões sobre o impacto da separação dos pais na saúde física dos filhos, adaptado |
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Segundo dados do Atlas da Guarda Compartilhada no Brasil edição 2015 entre 2003 e 2013 mais de 1.600.000 menores de idade estiveram envolvidos em conflitos de divórcio em todo o país. Esses números são típicos de epidemias e demonstram claramente que o aumento exponencial no número de divórcios que vem ocorrendo no Brasil desde 1984, somado ao grande contingente de menores que vivem em lares monoparentais, está acarretando sérios problemas ao desenvolvimento das novas gerações.
Entretanto, para o público leigo, as questões que vem à mente quando se fala em guarda compartilhada são outras: o que é de fato a guarda compartilhada? Guarda compartilhada e guarda alternada são a mesma coisa? Sob quais condições a guarda compartilhada é indicada? Quais benefícios ou malefícios a guarda compartilhada pode acarretar? Por que, no Brasil a guarda compartilhada é ainda tão pouco concedida em divórcios e separações judiciais?
Vamos às respostas. Guarda compartilhada é um instituto jurídico previsto na nova Lei 13.058/2014 que tem por objetivo garantir o bem estar de crianças e adolescentes menores de idade que possuam pais separados, divorciados ou que não residam sob o mesmo teto. Diferentemente do que muitos afirmam, a guarda compartilhada é a regra a ser aplicada nos casos de dissolução conjugal. Ela só não será aplicada caso algum do ex-cônjuges manifeste vontade contrária, ou possua histórico real e comprovado de prática de violência, seja dependente de álcool e/ou drogas ou apresente comprovação da presença de fortes distúrbios de natureza psicológica ou psiquiátrica. Em todas as demais situações a guarda compartilhada deve ser aplicada.
A confusão entre guarda compartilhada e guarda alternada é outro ponto ainda bastante nebuloso. A guarda alternada, apesar de nunca ter tido previsão legal no Brasil, foi e ainda é praticada em muitas decisões judiciais no Brasil. Nessa modalidade de guarda o menor de idade divide seu tempo de residência entre as casas de seus genitores, ficando períodos alternados de 7, 15 ou mais dias, na casa de um e de outro. Vale lembrar, que em essência, a guarda alternada é uma espécie de guarda unilateral. Já na guarda compartilhada, as decisões que envolvam os mais diferentes aspectos da vida dos filhos (escola, religião, viagens, etc) devem ser tomadas em conjunto por pai e mãe. Esse modelo de guarda privilegia o diálogo e a interação entre os genitores em prol dos filhos. A residência dos filhos é fixada com um dos genitores, e o tempo de convivência deles com seus pais deve ser ampliado gradativamente até se poder atingir a frequência de 50/50. Isto é, conforme a criança for crescendo e se desenvolvendo ela deverá ter cada vez mais tempo de convivência, isto é, contato físico, com o genitor com o qual ela não resida. Cumpre frisar que segundo os Consensos Internacionais estabelecidos pela International Conference on Shared Parenting (ICSP), ocorrida na Alemanha em 2014, só é considerada guarda compartilhada arranjos parentais que garantam ao genitor que não resida com a criança, tempo de convivência, de no mínimo 35%.
Os seis consensos internacionais publicados em 2014 em Bonn na Alemanha não deixam dúvidas de que a guarda compartilhada é o melhor arranjo parental pós separação ou divórcio com vistas a garantir o pleno desenvolvimento e o amplo bem-estar de crianças e adolescentes. A guarda compartilhada se aplica a toda e qualquer sociedade mundial, e inclusive, a pais que apresentem pouca capacidade para o diálogo e até certos graus de conflito. A guarda compartilhada equilibra a balança de poder entre os ex-cônjuges. Coloca ambos os genitores em pé de igualdade, e principalmente, não permite que apenas um genitor se torne modelo de referência para a criança, e o outro, se transforme num mero expectador da vida dos filhos. Saiba mais sobre os consensos internacionais em: www.twohomes.org
Dados de 2014 oriundos da Pesquisa Registro Civil realizada anualmente pelo IBGE mostraram que naquele ano a guarda compartilhada fora praticada em apenas 7,5% de todas as decisões judiciais referentes a processos que tramitaram nas Varas de Família em todo o Brasil, enquanto a guarda unilateral materna foi concedida em 85,0% de todas os processos finalizados em primeira instância, e a guarda unilateral paterna em apenas 5,4% deles. O que se percebe é que ainda há uma forte resistência por parte do poder judiciário brasileiro, e por um grande número de operadores do Direito, na aplicação da guarda compartilhada. As causas disso são as mais diversas e heterogêneas. A guarda compartilhada continua ainda envolta numa plêiade de mitos, estereótipos, ethos, conflitos e interesses tão distintos, que cegam o verdadeiro olhar sobre esse instituto, que é o de garantir o melhor interesse da criança. O século XX legou a sociedade e às ciências um ideário normativo e positivista, onde toda e qualquer diferença deveria ser aplacada, e onde só o que era regular, típico ou comum tinha valor.
Felizmente, o século XXI surge para mostrar que as diferenças são o grande elemento distintivo de cada um dos seres, que elas devem ser respeitadas, e que cada criança é um ser único, com suas possibilidades e limitações, cabendo a nós, pais, mães, familiares e sociedade zelar e garantir o futuro das novas gerações. Sob esse prisma a guarda compartilhada torna-se mais que uma realidade, torna-se uma necessidade, não para atender os desejos de pais e mães, mas para efetivamente garantir os direitos das crianças e adolescentes no Brasil e no mundo.
Para conhecer um pouco mais sobre o trabalho do Observatório da Guarda Compartilhada (OBGC BRASIL) visite: obgcbrasil.wix.com/guardacompartilhada e www.atlasdaguardacompartilhada.com
FERNANDO VALENTIN
Coordenador Executivo
OBSERVATÓRIO DA GUARDA COMPARTILHADA BRASIL
SHARED CUSTODY WATCH BRAZIL
OBSERVATORIO DE LA CUSTODIA COMPARTIDA BRASIL
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[1] NORONHA, Rogério & VALENTIN, Fernando. Ciência e parentalidade: uma interpretação da Lei 13058/2014 à luz das atuais evidências científicas e em defesa do melhor interesse da criança. In: Revista Digital Luso Brasileira Alienação P, n. 6, mar.-mai. 2015, Lisboa, p.85-98.
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