Justiça federal nega tratamento a bebê com condição rara nos EUA

Roberta Manreza Publicado em 23/01/2015, às 00h00 - Atualizado em 26/01/2015, às 00h03

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23 de janeiro de 2015


Eduardo Schiavoni – Uol

Dinea Silva Gama, 41, e seu filho David Miguel, que nasceu com problema raro no intestino

O TRF (Tribunal Regional Federal) suspendeu a liminar concedida pela Justiça Federal de Franca que obrigava o SUS (Sistema Único de Saúde) a providenciar e custear o tratamento do bebê Davi Miguel Gama, 11 meses, nos Estados Unidos. O menino sofre da doença de inclusão das microvilosidades intestinais, ou diarreia intratável, e somente um transplante pode resolver o problema. A família informou que irá recorrer da decisão.

A doença de Davi Miguel é uma condição rara, que impede que qualquer alimento ingerido seja processado pelo organismo. Ele só se alimenta pela veia e não consegue ganhar peso nem absorver os nutrientes dos quais necessita para viver. Hoje, com dez meses, o menino tem perto de seis quilos –menos da metade do que seria normal para sua idade.

De acordo com a decisão do TRF, proferida em 8 de janeiro e publicada nessa quinta-feira (15), a justificativa para cassar a liminar é o peso do bebê. O desembargador Fábio Prieto, presidente do TRF, afirmou, na sentença, que seria inviável obrigar a União a custear o tratamento por conta do baixo peso de Miguel, o que aumenta os riscos. O recomendado é que a cirurgia seja feita apenas em crianças com peso acima de sete quilos.

Dinea, mãe de Davi, participou do Papo de Mãe “Campanha por um Filho” em setembro de 2014.

“O próprio cirurgião do Hospital de Miami recomenda a permanência da criança no Brasil, até o ganho de peso mínimo. (…) Parece claro que o encaminhamento da solução adequada dependerá da análise de equipe médica qualificada, com base em todo o histórico da criança, no momento em que ela estiver em situação compatível com as exigências de transplante de grande porte”, diz Prieto.

A família, no entanto, contesta a decisão e afirmou que irá recorrer. O argumento é que, embora o procedimento seja arriscado, é a única opção capaz de garantir a sobrevivência do bebê. “Quanto mais demorar, mais arriscado fica. A gente sofre, se desespera, mas agora não tem outra alternativa. O transplante é a única salvação”, diz Dinéia Silva Gama, 41, mãe de Davi Miguel.

Ela esclarece ainda que, embora a cirurgia só possa ser feita em crianças com mais de sete quilos, a ida de Davi Miguel aos Estados Unidos garantiria um tratamento mais eficaz. “Ele não será removido e fará o transplante no mesmo dia. Ele vai entrar na fila, o que demora. Nesse tempo, ele já terá o peso necessário e irá ganhar tempo. O Brasil não faz essa cirurgia, infelizmente”, explica.

Argumentos

Como argumento para contestar a decisão, a advogada Angélica Pires Martori anexará laudos médicos que indicam o risco de morte caso o procedimento não seja feito. “A Unicamp informou que a taxa de sobrevivência após o transplante chega a 73%. Não é por conta do peso que a Justiça deve suspender o tratamento. O fato de ele não conseguir digerir nenhum alimento e depender totalmente da alimentação parenteral [intravenosa] prova que ele precisa desse tratamento, mesmo que o transplante não possa ser feito imediatamente”, afirma.

Já Jesimar Aparecido Gama, 45, pai de Miguel, afirmou que a família está desesperada. “A gente não tem mais o que fazer, só recorrer e esperar. Mas ficamos frustrados, decepcionados mesmo. Esperávamos outra decisão, Miguel pode morrer e não estão fazendo nada”, afirma. Segundo ele, a família não tem recursos para bancar a cirurgia e as campanhas realizadas até o momento arrecadaram cerca de 10% do valor do transplante, avaliado em R$ 2,5 milhões.

Opinião médica

Segundo a médica Gisela Paludeto Cruz, chefe do setor de UTI da maternidade do Hospital Regional de Franca, onde Miguel está internado, o bebê já sobreviveu quase o dobro da média para crianças portadoras de seu problema, que é de seis meses sem o transplante. “Ou pelos problemas de nutrição ou por falhas no sistema imunológico, crianças que ultrapassam os seis meses são minoria”, afirma. “A alimentação é o que o mantém vivo, mas o fígado não aguenta muito tempo”. Ela também informou que a remoção do bebê para os Estados Unidos pode ser feita sem acarretar perigo ao menor.

O UOL procurou o médico brasileiro Rodrigo Vianna, que chefia o setor de transplantes do hospital Jackson Memorial, em Miami, mas ele não foi encontrado para comentar o assunto. Em entrevista anterior, no entanto, o médico havido dito ao UOL que tem conhecimento do caso e que é possível e recomendável fazer o transplante, embora reconheça os riscos inerentes ao procedimento.

O Ministério da Saúde foi procurado, no início da tarde, por telefone e por e-mail, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação da matéria.

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