Roberta Manreza Publicado em 03/09/2016, às 00h00 - Atualizado em 05/09/2016, às 12h15
Por Anna Mehoudar e Elisabeth Antonelli, psicanalistas*
A violência contra a mulher é definida pelo Observatório Brasil da Igualdade de Gênero como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”. A violência contra a mulher começa a ser denunciada como violação dos Direitos Humanos por canais públicos de comunicação ainda subutilizados pela maioria da população atingida. Os dados nacionais apontam para um problema de proporções epidêmicas, diluindo a falsa oposição entre dilemas pessoais e conflitos culturais.
As questões envolvidas na violência contra a mulher são de várias ordens e provém de diferentes camadas do tecido social. Nesse texto abordaremos as mensagens subliminares presentes nas falas cotidianas, tanto de homens quanto de mulheres, que incitam à desvalorização e à violência subsequente às mulheres.
Em nossa pesquisa encontramos um importante órgão internacional criado em 2010: a ONU Mulheres, Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres.
Em 2013 a ONU Mulheres já tinha se feito esta mesma pergunta envolvendo a violência verbal contra a mulher, e a foto acima é fruto da pesquisa realizada pela empresa Memac Ogilvy & Mather Dubai.
Fonte: http://www.unwomen.org/en/news/stories/2013/10/women-should-ads
https://g88.com.br/2013/11/04/mulheres-e-discriminacao-nossa-geracao-ainda-permite-isso
Na foto observamos a boca de quatro mulheres sendo caladas na marra, com frases, que para grande surpresa, se revelaram universais!
As mulheres não podem:
Dirigir;
Ser bispos;
Ser confiadas;
Falar na igreja
As mulheres não deveriam:
Ter direitos;
Votar;
Trabalhar;
Praticar boxe
As mulheres deveriam:
Ficar em casa;
Ser escravas;
Ficar na cozinha;
Não falar na igreja
As mulheres precisam:
Ser colocadas em seus lugares;
Saber o lugar delas;
Ser controladas;
Ser disciplinadas
A pesquisa confirma o exercício de uma violência que se manifesta de forma quase imperceptível no dia a dia, uma vez que naturalizada pela cultura. Frases ditas em diferentes tons se multiplicam de boca em boca: as mulheres são descontroladas, precisam ser disciplinadas, não podem ter direitos, não podem votar, e todas as demais que a própria campanha denunciou. Essas frases incitam e autorizam a violência, assim como certo desprezo pela mulher. É uma violência que faz a mulher duvidar da sua própria percepção: será que o outro é que tem razão?
A pesquisa citada foi realizada nos EUA, a suposta maior potência do mundo, e mesmo assim parece que estamos vivendo na Idade Média! E, enquanto não nos conscientizarmos dos efeitos desse imaginário inconsciente, tão presente no nosso cotidiano, seguiremos supondo que conseguimos avanços que não passam de miragens! Escutamos e repetimos frases usadas para calar a boca e a voz das mulheres.
Muitas acreditam que avançamos no próprio empoderamento e nas bandeiras do feminismo, mas trata-se muitas vezes de uma mera crença. A violência contra a mulher nos deixa ainda mais estupefatos quando acompanhamos o seu crescimento entre casais universitários! O jovem companheiro não suporta a potência da mulher e ao se sentir “provocado” acha-se no direito à agressão. Lamentável. Autorizado pelo imaginário popular.
Nas classes mais baixas este fenômeno, que estamos chamando de imaginário inconsciente tem maior visibilidade, certamente maior violência e menor possibilidade de mudança. Vamos então acompanhar a jornada de uma das muitas marias. Maria sai de casa cedo e volta tarde do seu trabalho como empregada doméstica. Quando chega em casa cansada do trabalho e do tempo de locomoção, se desespera com o jantar por fazer, a louça por lavar, a roupa para cuidar e a casa para arrumar. Ela tenta de todas as formas deixar a sua casa tão arrumada quanto a casa de seus patrões. Mas não adianta pedir a colaboração dos filhos e muito menos do marido, pois está implícito que cabe à mulher zelar pela ordem da casa. Aliás, Maria também acredita que “lugar de mulher é na cozinha” e que só ela sabe cuidar “direito” da casa. E quando ela começava a gritar, era a louca, a desequilibrada, a implicante. Certo dia começou a largar a casa. Ela chegou e sentou no sofá exausta. Ao desistir de lutar contra seu próprio cansaço, inverteu a lógica machista. Não restavam mais pratos, copos e muito menos talheres limpos. Maria se pergunta se é nervosinha mesmo, se está ficando louca, se está exagerando. E enquanto ela fica nessa confusão a bagunça fica lá!
Como é isso de achar que é a mãe que precisa cuidar da casa? Ou a irmã? Só as mulheres? Casa é coisa de mulher? Lugar de mulher é a casa?
Trata-se de uma violência menos explicita que aquela dita por inominável figura pública: “Não te estupro porque você não merece”. Ou “mulher deve ganhar salário menor porque engravida”
Considerando fundamental situar a violência contra as mulheres como epidêmica, cabe a cada um de nós, cidadãs e cidadãos, perguntar quando e de que forma colaboramos cotidianamente para a perpetuação das desigualdades.
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*Contato: anna_mehoudar@gamp21.com.br e bethantonelli@uol.com.br