Adrenalina e instinto de mãe. Um misto desses dois sentimentos foi o que provavelmente fez com que Marcela Reis atravessasse quase sem pensar o andar de baixo de sua casa em chamas para pegar uma escada e salvar os filhos, que dormiam no pavimento superior. “Eu estava dormindo com Gaia e acordei quando ouvi o estrondo dos vidros se quebrando. Fui olhar e já vi o fogo lá embaixo. A primeira coisa em que pensei foi na escada que tinha do lado de fora. Desci e atravessei, porque ainda tinha espaço para passar. Provavelmente, foi na cozinha que respirei a maior quantidade de fumaça tóxica”, contou a mãe, que recebeu CRESCER no apartamento temporário em que se instalou com a família, até a reconstrução da casa incendiada.
Mãe de Gaia, 1 ano e 10 meses, Damião, 6 anos, e Samuel, 10, Marcela contou que o imóvel foi emprestado pela mãe de uma amiga. “Ela ia alugar, mas adiou e permitiu que ficássemos aqui até conseguirmos nos estabelecer de novo”, diz. A família deve continuar por lá até pelo menos o fim do ano.
A noite do incêndio
Depois de perceber o que estava acontecendo e de conseguir retirar as crianças de casa com segurança, usando a escada pelo lado de fora, Marcela foi com eles até a casa da cunhada, Tatiana, que mora na edícula, nos fundos. Uma outra vizinha, que é médica, avaliou a situação e disse que ela precisava de atendimento médico com urgência. “Só nesse momento, notei que estava com bastante dor. Antes, quando ainda estava na casa, eu sentia calor, ardência, mas não tinha noção da gravidade. Desde que entrei no carro, não lembro de mais nada. Só sei do que aconteceu pelo que me contam”, relata. O marido, Rodrigo Reis, estava trabalhando e foi avisado pela mãe. “Quando ficou sabendo, ele foi direto para o hospital.”
Os vizinhos e amigos foram os responsáveis por apagar o fogo. Eles já haviam chamado o Corpo de Bombeiros, mas os profissionais só chegaram quando o incêndio já estava controlado. Para conseguir conter as chamas, os moradores locais pegaram baldes e retiraram água da piscina de uma das casas.
No hospital
Ao chegar ao atendimento, os médicos informaram a Rodrigo que o estado de Marcela era gravíssimo. “Eles chegaram a dizer que o risco de eu não resistir era muito alto. Disseram que, se eu não reagisse em quatro dias, eu provavelmente não reagiria mais”, conta a funcionária pública. “Meu marido, então, decidiu que não aceitaria isso e viajou até a cidade de Abadiânia, no interior de Goiás. Ele foi atrás de um médium, que fez uma cirurgia espiritual em mim, usando o corpo do Rodrigo como meu representante. No dia seguinte, os médicos refizeram os exames no meu pulmão e não tinha mais nada!”, conta Marcela. “Eu estava com 30% do corpo queimado e com o pulmão extremamente comprometido”, afirma.
Marcela ficou um mês em coma induzido na UTI, em isolamento. Quando acordou, não entendia o que estava acontecendo. “Lembro que eu pensava estar em um avião, de achar que eu tinha sonhado… Eu não sabia o que era fantasia e o que era realidade. Era tudo muito confuso”, lembra. “A primeira coisa que eu queria saber era como estavam meus filhos. Eu queria saber se eles estavam bem”, fala. Rodrigo ia às visitas em todos os horários e assegurou a Marcela que os filhos estavam completamente seguros e saudáveis. Ela, no entanto, não podia ter nenhum tipo de contato com eles, já que celulares não são permitidos na UTI e nem a visita de menores de 12 anos. “Eu sentia saudade. Chorava muito. Não podia ver um bebê, uma criança na televisão, que desabava. Enquanto eu estava ali, Gaia aprendia a falar várias palavras novas, pediu para fazer cocô no penico, meu filho perdeu o primeiro dente… E eu não podia acompanhar nada”, recorda.
“No dia do meu aniversário, os médicos abriram uma exceção e me deixaram falar pelo telefone com os meninos, mas minha pressão despencou e a ligação foi cancelada. Fiquei dois meses sem ver, nem conversar com eles. Foi muito difícil.” No dia 6 de julho, com espanto dos médicos, que não acreditavam na rapidez com que Marcela se recuperou, ela foi transferida para o quarto. “Eles diziam que, em casos como o meu, as pessoas precisam, no mínimo, de 6 meses de UTI”. No dia 10 de julho, ela foi para casa.
O reencontro
Uma das principais preocupações de Marcela era com a caçula, Gaia, que ainda mamava no peito. “Ela olhou para mim e quis ir direto para os meus braços, só que eu não podia pegá-la porque a pele ainda estava muito sensível, eu sentia dor. Mas ela só queria a mãe, não estranhou o meu rosto, nem nada. Os meninos já estranharam, ficaram preocupados. Aos poucos, conversamos, explicamos tudo e eles se tranquilizaram”, lembra.
Enquanto a mãe esteve internada, Gaia comia bem e tomava leite vegetal. Depois da alta, ela ainda pega o peito de vez em quando.
Os próximos passos
A recuperação de uma queimadura do tamanho e da proporção de que Marcela sofreu costuma ser lenta. “Sei que vai demorar. Estou fazendo uma série de tratamentos dermatológicos, como fisioterapia dermato-funcional, e também acompanhamento psicológico. Um dia vou superar, mas, hoje, não consigo chegar nem perto do fogão”, afirma. A funcionária pública também voltou ao local onde tudo aconteceu e achou que o baque de ver a casa no estado detonado em que se encontra seria enorme. “Não foi fácil, mas até que superei bem”, diz.
A reconstrução da casa
Marcela é funcionária pública e está de licença-médica até o final do ano. Rodrigo também trabalha, mas a renda dos dois não é suficiente para arcar com as despesas da família e com a reforma pesada de que a casa precisa para voltar a ser habitável. Além de contarem com o auxílio dos pais dela para os custos dos tratamentos médicos intensivos, o casal conta com a ajuda dos amigos, que criaram uma campanha em um site de financiamento coletivo para arrecadar o valor necessário para reconstruir a moradia da família, na Granja Viana, em São Paulo. A meta é juntar R$ 200 mil até o dia 24 de setembro.
Junto de Rodrigo, alguns amigos do casal fizeram um mutirão na casa incendiada, para demolir as partes que deverão ser reconstruídas. “Contamos com a ajuda de muita gente. O apartamento em que estamos foi cedido por uma amiga, a escola dos meninos também ofereceu uma bolsa para eles até o final de ano, os pais de outras crianças, engenheiros, inclusive, nos ajudaram a avaliar o que deveria ser feito na reforma. Aprendi muito sobre o ser humano com tudo o que aconteceu”, diz Marcela.
Em um vídeo publicado no Facebook, Rodrigo fala sobre a campanha e detalha os gastos com a reforma e com a recuperação da esposa.
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