A vitória de Rayssa Leal, a Fadinha do Skate: o ator e escritor Vinicius Campos fala sobre esportes, gênero, crianças e medalhas
Vinicius Campos* Publicado em 30/07/2021, às 10h03
Acabando a semana de férias com os filhotes e o maridão. Cada vez mais gostoso estar com eles, ver como vão crescendo, moldando suas personalidades, procurando limites, pedindo colo quando ainda se sentem desprotegidos, gritando para mostrar que em muitos momentos sabem o que querem e têm idade o suficiente para escolher. (nem sempre estou de acordo, mas…)
Nesta semana, viajando pelas estradas argentinas, colocando máscaras, tirando a temperatura, respeitando protocolos, vendo paisagens, contemplando o tempo, trabalhando nas horinhas vagas, tive tempo de ler o jornal e ver a vitória da Fadinha do Skate. Ficou feliz? Vi muita gente feliz nas redes. Parece que a humanidade quando está enfrentando perrengue precisa de notícia boa e a menina meiga, com sorriso de garota, afinal é uma garota, sonhadora e batalhadora, festejando a medalha, era tudo o que o Brasil precisava para se esquecer, pelo menos por uns instantes, do genocídio e da barbárie que estamos vivendo.
Ver uma garota ganhando medalha nas olimpíadas em cima de um skate reforça o que venho dizendo aqui e nos meus trabalhos dedicados às infâncias. Brinquedos, cores e esportes não têm gênero. É o único caminho para que meninas e meninos sejam livres para encontrar suas paixões e as levem à sua máxima expressão. Quantas meninas nunca souberam ser boas skatistas porque nunca subiram numa tábua de madeira com rodas? Quantos garotos não ganharam uma medalha em ginástica olímpica porque foram estigmatizados e envergonhados?
Outra coisa que o prêmio de Rayssa mostra é que com oportunidades e apoio da família, o ser humano tem tudo para conquistar grandes objetivos. Para que histórias como a da Fadinha se repitam, nossas crianças precisam comer, receber boa educação, e não digo escola particular, digo educação ampla e diversa, com acesso a diferentes experiências, com possibilidade de conhecer, aprender e vivenciar. E não só para o meu ou o seu filho, é preciso garantir isso a todas as crianças, principalmente àquelas que são invisíveis ao nosso sistema.
Tudo isso para que o Brasil tenha mais medalhas, Vini? Óbvio que não. É para que sejamos uma sociedade melhor, mais justa e potente. Agora, se os homens de gravata precisam de medalhas para achar que vale à pena, que venham as medalhas. Serão muito bem-vindas. Ser humano adora uma medalha.
No dia da vitória, vi uma manchete na internet que me chamou a atenção. O site perguntava mais ou menos assim: Você estava fazendo o que aos treze anos?
Achei engraçado. E respondi na sequência.
Eu estava estudando, brincando com meus amigos, descobrindo meu corpo, entendendo quem eu era no mundo, fazendo planos, vendo tv, assistindo desenho, escrevendo, sonhando, brigando com meus irmãos, odiando meus pais. Estava fazendo o que toda criança deve fazer.
É incrível que uma garota tão nova seja reconhecida por seu talento, mas injusto seria colocar uma vara tão alta e pedir que nossas filhas e filhos tentem alcançá-la. Não permitamos que se naturalize meninas e meninos de treze anos em cima de pódios. Criança tem seu tempo, seu jeito, seu ritmo. E por isso mesmo o trabalho infantil está proibido. A pergunta então não deveria ser o que as outras crianças estavam ou estão fazendo aos treze anos, a pergunta deveria ser: é correto que meninas e meninos tão novos participem de torneios profissionais? Esporte é trabalho ou é lazer? Trabalho infantil está proibido, competições de alto rendimento, não. Deveria?
Nesta mesma semana, no mesmo site, vi a matéria sobre o youtuber Raulzito. Um cara que fala sobre games em seus vídeos, com mais de duzentos mil seguidores. Ele está sendo acusado de prometer trabalho a atores mirins com idades entre dez e catorze anos em troca de sexo. Uma das vítimas foi abusada entre fevereiro e maio em diversas oportunidades.
O garoto aguentou calado, mais de três meses de uma situação horrível, dura e triste, porque pensou que ganharia um trabalho importante na tv, porque acreditou que receberia um prêmio, que seria um sucesso.
Nossos pequenos precisam saber que não queremos, nem muito menos exigimos medalhas, nem fortunas, nem ser o melhor da classe, nem esse ou aquele diploma. Nossos filhos precisam entender que a única coisa que importa é que eles sejam livres e felizes. Que saibam que podem contar conosco, que estaremos sempre prontos para escutá-los e acolhê-los. Que não há medalha melhor que um sorriso e um bom abraço. Que não há cagada no mundo que eles possam fazer que seja capaz de acabar com o amor que sentimos.
Então, se você tem aí em casa uma grandona, ou um grandão, que está sempre meio rabugento, reclamando de tudo, que pede distância o tempo todo, respira fundo, coloca um tapa ouvido, vai até ela ou ele, e lhes dê um beijo, pergunte se estão bem, convida pra um sorvete, trabalha no vínculo, porque é esse vínculo que dá aos nossos filhos grande parte das ferramentas que vão precisar para serem campeões de verdade.
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