O legado do divórcio

Roberta Manreza Publicado em 13/03/2017, às 00h00 - Atualizado às 09h11

-
13 de março de 2017


Por Fernando Valentin*, sociólogo

A  grande família unida e de sólidos princípios, no Brasil, nunca passou de um mito. Poucas foram as famílias que se mantiveram unidas por muitas gerações. Historicamente os arranjos familiares brasileiros foram constituídos por famílias pequenas, via de regra, com relações bastante conturbadas, fruto de casamentos arranjados onde muitas vezes prevalecia as alianças de poder e os interesses econômicos.
No imaginário popular pensa-se frequentemente a família brasileira como uma instituição patriarcal assentada na relação entre a mulher submissa e o marido dominador, onde o paradoxo virgindade – virilidade fora marcante e determinador dos estereótipos de mulher cuidadora e homem provedor.
Na família moderna típica do século XX o elemento central deixou de ser o grupo reunido, para se tornar os membros que a compõem. A família se transformou num espaço privado a serviço dos indivíduos. Isso foi ficando perceptível no tempo através de alguns indicadores do nível das relações conjugais, com a maior independência das mulheres, e com a possibilidade do divórcio instituído no Brasil em 1977. Até  aquele ano quem se casava mantinha o vínculo conjugal para o resto da vida, isso porque a elevação do matrimônio à divindade do sacramento, pelo Cristianismo, deu ao vínculo resultante de um contrato, a perenidade das coisas intemporais, fugindo às medidas humanas e retirando dessa união o poder de disposição dos contratantes para dissolvê-lo. É bem verdade que antes do divórcio já havia a possibilidade do desquite, porém, ele apenas separava os bens matérias do casal, e novos casamentos ficavam impedidos.
As diversas tentativas de implantação do divórcio no Brasil sempre esbarraram na oposição da Igreja Católica. O divórcio sempre existiu desde a mais remota antiguidade, entretanto, somente no Concílio de Trento (1545/1563) é que surgiram as primeiras posições antagônicas dentro da igreja sobre esse instituto. Em 1792, o ideário da Revolução Francesa já contemplava o divórcio, e o Código de Napoleão de 1804, o consagrou em seu artigos 229 e seguintes. Por aqui, a Constituição Federal de 1934 proibiu o divórcio. A consequência mais direta dessa posição foi o aumento do concubinato, uma solução encontrada por muitos para a busca da felicidade, mas que não poderia ser considerada juridicamente como família.
Em 26 de dezembro de 1977 surgia então a lei do divórcio (Lei 6515). De autoria do senador Nelson Carneiro a nova norma gerou bastante polêmica na época, especialmente, entre os que diziam ser o divórcio o “fim da família”. Para alguns teóricos o modelo de divórcio adotado no Brasil em 1977 foi o chamado “divórcio-remédio” em contraposição ao “divórcio-sanção”. Por esse modelo, de inspiração norueguesa, se adotaria uma solução mais branda para a separação dos casais, contemplando os diversos interesses dos ex-cônjuges. Apesar disso, o que na prática se viu por muitos anos foi o confronto entre homens e mulheres notadamente marcado pelas prescrições de seus papéis sociais, e materializado por meio das falas de advogados, promotores e juízes, que se utilizando da retórica jurídica souberam com maestria marcar diferenciações e distinções de uns e outros, conforme seus interesses, e visões sociais.
A interpretação do divórcio nas palavras de Sergio S. da Cunha* em sua obra “Direito de Família: mudanças” de 1985 nos oferece profundos elementos de reflexão sobre o possível legado da lei do divórcio no Brasil. Segundo o autor “as relações entre pais e filhos passam a sofrer disciplina mais estrita; o que pendia da prudência ou arbítrio do chefe, agora é muitas vezes direito subjetivo; onde havia anomia, ou poder irrestrito do chefe, penetra agora o direito estatal, com a correspondente diminuição do quantum despótico familiar; juridicizam-se relações cobertas anteriormente pela religião, pela moral, e pelos costumes. Há perda de inocência, ganho de maturidade”**.
Passadas quatro décadas, uma pergunta parece ainda sem resposta: houve de fato esse “ganho de maturidade” por parte da sociedade brasileira nos assuntos ligados ao divórcio e a família? E em caso afirmativo, qual foi o custo dessa maturidade? 
*FERNANDO VALENTIN é Sociólogo, Fundador e Coordenador Executivo
do OBSERVATÓRIO DA GUARDA COMPARTILHADA BRASIL / SHARED CUSTODY WATCH BRAZIL
Facebook: observatoriodaguardacompartilhada
Twitter: @obgbrasil
Youtube: obgcbrasil
Issu:obgcbrasil
** CUNHA, Sergio S..  Direito de Família: mudanças. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 94.

Papo de Mãe recomenda: 




divórcio