Não é novidade para ninguém que o mundo está se reinventando. Passamos por um tempo de mudanças rápidas e profundas na sociedade que impactam diretamente a relação entre homens e mulheres.
Roberta Manreza Publicado em 08/02/2018, às 00h00 - Atualizado às 12h11
Por Claudio Henrique dos Santos*, jornalista, escritor e palestrante
Não é novidade para ninguém que o mundo está se reinventando. Passamos por um tempo de mudanças rápidas e profundas na sociedade que impactam diretamente a relação entre homens e mulheres nos mais variados ambientes, seja dentro de casa, no trabalho, nas escolas e universidades, nos locais de consumo, nas políticas públicas. Conceitos que pareciam consolidados, como o papel dos homens como provedores, donos da força bruta e do poder, não fazem mais tanto sentido.
As mulheres pouco a pouco ganharam seu espaço no mercado de trabalho. O advento de máquinas modernas e da tecnologia exigem competências, seja nas fábricas ou nos escritórios, que não dependem mais de músculos. Não é raro encontrá-las em posições de liderança que antes eram reservadas exclusivamente aos homens. O mundo mudou. Mas engana-se que pensa que a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres já é um conceito assimilado.
Pesquisas sobre disparidades nos salários, apenas para citar um exemplo, são divulgadas todos os dias. O próprio acesso ao mercado de trabalho é mais complicado para uma mulher, dependendo da sua condição social, principalmente para as mais jovens. São raras as empresas que possuem equilíbrio entre homens e mulheres em posições de liderança. Fica a pergunta: se falamos tanto em igualdade e esse é um tema que já entrou na agenda de uma boa parte das corporações e da sociedade, porque ainda estamos longe dela?
Não há dúvida de que a igualdade está em curso e deve ser construída sobre novas bases. E talvez a maior barreira a ser superada é cultural. O combate ao machismo é uma luta que à primeira vista é exclusivamente feminina, mas é uma bandeira que deveria ser abraçada por todos os homens — por mais controverso que isso possa parecer, pois são eles os grandes privilegiados dessa ideologia.
Ao mesmo tempo em que beneficia os homens, principalmente no que se refere às estruturas de poder e comando, o machismo também é nocivo. Por conta dele, abrimos mão de um maior convívio com nossos filhos. Temos de ser durões, nunca ficamos doentes, não precisamos cuidar da saúde. Não aceitamos dividir as contas da casa ou do restaurante. Nos sentimos humilhados quando ganhamos menos ou não temos tanto sucesso quanto nossas companheiras. Não podemos fazer a escolha de viver novas experiências, pois ficamos preocupados com o que os outros vão pensar da gente. Para o homem, desconstruir o machismo é uma quebra de paradigma colossal, tanto do ponto de vista individual como coletivo.
Novos papéis
Se por um lado, as mulheres rumaram para as empresas, o compartilhamento das tarefas domésticas e a criação dos filhos, por exemplo, ainda são territórios pouco habitados pelos homens. O resultado disso é uma sobrecarga de trabalho para a mulher, que se torna um entrave para que ela galgue posições de maior responsabilidade, por exemplo. Ou que aceite uma mudança geográfica, pois o marido não pode abrir mão das suas “responsabilidades de provedor”.
O pior é que muitas vezes alguns conceitos estão tão consolidados, fizeram tão parte de nossa criação patriarcal, que não percebemos (aqui falo como homem) coisas que estão na frente do nosso nariz. Eu somente me dei conta da injustiça da chamada “jornada dupla” da mulher quando virei dono de casa e senti na própria pele o trabalho que dá cuidar da casa e das crianças. Também pudera, eu nunca tinha lavado um prato ou cozinhado um ovo até então.
Quer saber mais? Quando era executivo, eu achava que era um chefe bacana, tratava todo mundo sem distinção. Precisei virar palestrante, fazer um balanço da minha vida de executivo e descobrir que eu nunca promovi uma mulher. No fundo, eu achava que as mulheres eram menos comprometidas. Eu ficava no escritório com os outros homens até mais tarde, não enxergava que elas saíam mais cedo porque ainda havia um “restinho” de trabalho esperando em casa.
Eu gosto de brincar que é fácil ser um “macho do século XX”. A gente chega em casa cansado, mas a mesa do jantar está milagrosamente posta, as crianças prontas para dormir. Depois de comer e brincar um pouquinho com elas, pegamos uma cerveja, nos esticamos no sofá e assistimos ao futebol na televisão. E a louça, também misteriosamente, desaparece da mesa e da pia. Por outro lado, é mais legal ser “macho do século XXI”, porque curtimos mais nossos filhos. Ficamos mais cansados, é verdade, porque compartilhamos as tarefas da casa. Mas ganhamos o prazer de ver alguém mais feliz do nosso lado, porque também sobra mais tempo para que elas invistam nas suas carreiras, nos seus projetos pessoais.
A conversa dos homens sobre o machismo precisa chegar na mesa do bar, no vestiário da pelada no final de semana, nas nossas casas. Precisamos deixar de lado essa vigilância para manter velhos estereótipos sobre “coisas de homens”. E se quisermos que nossos meninos respeitem uma mulher no futuro, precisamos ensiná-los sobre igualdade agora. Da mesma forma que devemos incentivar nossas filhas a fazerem o que quiserem, serem quem elas quiserem. Que sejam livres para exercer suas escolhas, sem pressão de ninguém ou da sociedade.
Guardo sempre comigo a definição sobre igualdade do professor e consultor de empresas, Reinaldo Bulgarelli, que pode ser aplicada para qualquer ambiente: “é levar em conta as diferenças e singularidades de homens e mulheres, sem que as características que possam ser atribuídas a eles ou a elas se transformem em motivo para desigualdades injustas, vulnerabilidades, exclusões ou violências”.
Mudar comportamentos é o caminho. E a participação do homem no enfrentamento ao machismo é fundamental – isso naturalmente estende-se a outros aspectos, como assédio e violência contra as mulheres que não são o foco aqui – ainda que signifique abrir mão de alguns privilégios (e ganhar muito como ser humano). Sem dúvida, estamos escrevendo um novo capítulo na história social e familiar do início deste século. E isso requer empatia, entendimento, compreensão e respeito.
Assista ao vídeo a seguir para conferir esta outra reflexão minha sobre o machismo: https://youtu.be/LTPZcBLT0W0
*Claudio Henrique dos Santos é ornalista, escritor e palestrante, é autor do livros “Macho do Século 21” e “Mulheres modernas, dilemas modernos” e colunista do Huffpost Brasil e do Papo de Mãe.