O uso de medicação no TEA

Roberta Manreza Publicado em 15/08/2016, às 00h00 - Atualizado às 23h08

-
15 de agosto de 2016


Pais e mães de crianças no espectro do autismo se deparam às vezes com questões para as quais se sentem totalmente despreparados. Iniciar um tratamento medicamentoso pode ser uma delas. A busca de informações costuma esbarrar em relatos confusos e contraditórios, preconceitos, opiniões absolutas mas sem embasamentos e muitos palpites, deixando os pais ainda mais angustiados. Afinal, o que precisamos saber a esse respeito? Aqui vão algumas das dúvidas mais comuns.

1. Existe algum medicamento para tratamento do autismo?

A resposta é bem simples: não. Até os dias de hoje, não há nenhum medicamento que reverta os sinais do autismo ou que seja capaz de fazer com que as dificuldades desapareçam. Mas isso não quer dizer que não há benefício algum em se usar medicamentos para alguns casos específicos. Embora não tratem o autismo em si, os medicamentos podem ajudar muito em diversas situações, melhorando a qualidade de vida do autista e da sua família, amenizando algum sofrimento ou mesmo favorecendo o desenvolvimento de habilidades e a aprendizagem.

2. Em que situações os medicamentos são indicados?

Medicamentos podem controlar condições que estão presentes em alguns casos, como convulsões, distúrbios de sono graves, transtorno de tiques, comorbidades psiquiátricas (ansiedade, depressão, irritabilidade extrema e outras). Também podem ser usados nos casos em que a agitação excessiva não permite que a criança mantenha o foco em qualquer atividade. Vamos lembrar que o modo com que as diversas áreas do cérebro comunicam-se entre si é bem diferente no autismo. Muitas vezes o processamento de informações do cérebro autista é um sistema sobrecarregado e caótico – como se inundado por uma enxurrada de referências provenientes do ambiente (sem um filtro que permita separar o que é importante do que não é) e por estímulos sensoriais que chegam numa amplitude muito maior (ou muito menor) do que deveriam. Essa bagunça toda, além de gerar comportamentos mal-adaptados, faz com que a assimilação de dados relevantes, a interação com outras pessoas e a elaboração de respostas ao ambiente fiquem prejudicadas. Ao atuar na regulação dos estímulos e “acalmar” o cérebro, o medicamento pode ajudar a tornar esse processamento mais organizado: a criança torna-se mais disponível para o aprendizado, resultando inclusive em melhor aproveitamento das terapias.

3. Então toda criança autista deve fazer uso de medicação?

Não, nem todas as crianças se beneficiam de tratamento medicamentoso. Muitas vezes as intervenções terapêuticas e as estratégias aplicadas conseguem estruturar o ambiente de tal forma que produzem a organização que a criança precisa para se desenvolver. O ideal é sempre tentar utilizar essas ferramentas em todos os ambientes que a criança frequenta (casa, creche, escola) antes de considerar a medicação.

Também é importante levar em conta que os desafios vão mudando ao longo das diversas fases da vida. Uma determinada criança pode precisar fazer uso de medicamento durante a Educação Infantil, por exemplo, e não ter mais necessidade dele após desenvolver algumas habilidades posteriormente. Ou, ao contrário, alguém que nunca precisou usar medicação na infância pode ter problemas mais sérios com ansiedade na adolescência, a ponto de precisar deste recurso. Então, não só cada criança é uma criança, mas a mesma criança pode passar por fases bem diferentes ao longo da vida.

4. E qual é o melhor medicamento para autismo?

Então… Todos sabem que não existe uma pessoa autista igual à outra. Cada uma tem suas particularidades, tanto orgânicas (metabolismo, alergias, condições clínicas pré-existentes, predisposições) como ambientais (estilo de vida, estrutura familiar e social, rede de suporte). Tudo isso interfere na escolha e na continuidade de um tratamento medicamentoso.

É natural que os pais troquem informações entre si, do que funcionou ou não funcionou para seus filhos. O problema é que, com frequência, influenciados por esses relatos, muitos pais chegam à consulta com ideias bem definidas do que querem ou não. Só que as coisas não funcionam bem assim… Não existe “o melhor medicamento”. Existem diversas opções e, quando houver necessidade, o médico vai tentar escolher junto à família a que melhor se encaixa para determinado paciente.

5 – Quais os efeitos colaterais dos medicamentos?

Da mesma forma que existem vários medicamentos que podem ser usados, os efeitos colaterais também variam – e não só de acordo com a substância utilizada, mas também devido às características de cada paciente. De modo geral, os efeitos colaterais ocorrem mais durante o início do tratamento e tendem a melhorar após os primeiros dias de uso. Os mais comuns são alterações no apetite e sono, mas também podem ocorrer aumento transitório da agitação, desconfortos como dor de cabeça ou de estômago.   Alguns fármacos têm efeitos específicos, que vão ser orientados e monitorados pelo médico.

6 – Ouvi falar de muitos casos em que a criança fica “dopada” com os medicamentos.

Nenhum tratamento tem o objetivo de deixar a criança apática. Se uma criança estiver letárgica, incapaz de expressar suas reações normalmente, algo está errado e ela deve ser reavaliada assim que possível.

7 – Tenho muito medo de tomar a decisão errada e prejudicar meu filho. 

Esse talvez seja um sentimento que permeia nossa experiência de ser pai ou mãe: o medo de errar em nossas escolhas.

A decisão de medicar uma criança é uma decisão importante. E só será tomada se for detectado um prejuízo que a justifique. Sempre consideramos a relação risco-benefício no uso de qualquer fármaco, seja ele um simples antitérmico. Mas muitas vezes, só vamos saber a real dimensão do benefício quando o medicamento estiver em uso. Então, acho que o ponto principal desta questão é ter confiança no médico que estiver tratando seu filho. Ele vai monitorar os efeitos a cada passo do tratamento e fazer os ajustes e alterações que forem necessários, de forma segura. Além disso, a decisão de usar um medicamento é importante, mas não irreversível. Se a evolução não for satisfatória, o tratamento pode ser suspenso.

Mas, já que estamos no assunto, quero colocar um outro lado da questão. Para algumas crianças, o tratamento medicamentoso é um divisor de águas. A melhora do desenvolvimento e da qualidade de vida é muito significativa. Nesses casos, a decisão de não medicar – ou seja, de privar a criança da chance de experimentar essa melhora – é que pode ser prejudicial.

8 – Já tentei, não deu certo!

A frustração quando um primeiro – ou segundo – tratamento não funciona é tão grande, que muitos pais desanimam e não querem mais nem falar no assunto. Vários fatores podem estar por trás dessa falha:

a) o medicamento (por mais cuidadosa que tenha sido a escolha) não era adequado ao perfil da criança. Todo mundo gostaria de acertar na primeira vez. Às vezes isso não acontece, mas mesmo a constatação de que um medicamento não funcionou para determinada criança já é, em si, uma informação que pode ser útil entender o funcionamento daquela criança e planejar uma nova abordagem

b) a dose tentada não foi suficiente. As pessoas podem apresentar melhora com doses variáveis de um mesmo medicamento, algumas mais baixas, outras mais altas. Então, de modo geral, começamos com doses baixas e vamos subindo gradativamente. É um processo que demanda paciência e persistência da família. Por incrível que pareça, devido ao seu metabolismo, crianças podem precisar de doses mais altas que adultos com certas medicações. Não passar por esse processo pode fazer com que a gente desista de um fármaco sem saber se ele teria sido eficaz.

c) os efeitos colaterais foram significativos, mesmo após ajustes e tentativas de amenizá-los. Aí não tem discussão, tem que suspender mesmo e procurar outra alternativa.

d) a família não aderiu ao tratamento. O remédio não era dado com regularidade, não era dado na hora, na dose ou na maneira correta. Já tive famílias, por exemplo, em que os pais eram separados, não entravam em acordo a respeito de tratamento e o filho tomava a medicação apenas quando ficava na casa de um deles.

Mais uma vez, vemos como é importante a relação de confiança com o médico.

9 – Quem inicia um tratamento com remédios, vai ter que tomar para o resto da vida?

De modo geral, não. Como dissemos, alguns medicamentos são usados com objetivos específicos para determinadas fases da vida. Porém, em alguns casos, como o controle de convulsões, por exemplo, pode ser que haja necessidade de tomá-los a vida toda, sempre considerando essa relação fundamental de risco-benefício.

10 – Ouvi dizer que estão desenvolvendo novas medicações.

Sempre! A ciência não pára! Quanto mais descobrimos a respeito das bases moleculares e genéticas de qualquer condição clínica, mais podemos explorar meios de tratá-las. Esperamos que o futuro traga substâncias melhores e mais seguras.

Só fica um alerta: antes de serem liberadas para o uso, todas as substâncias precisam passar por fases de estudo importantes, para conhecermos bem suas características. Então, muito cuidado em usar precipitadamente uma medicação ainda não comprovada. Se decidirem tentar, que tenham um acompanhamento cuidadoso.

*Dra Raquel Guimarães Del Monde é pediatra e psiquiatra infantil com atuação em desenvolvimento, aprendizagem e autismo. É autora do livro “Na dose certa – o que mais o pediatra tem a dizer”. Participou como especialista convidada do Papo de Mãe nos programas “Síndrome de Asperger” e “Criando meninos e meninas”.  

Leia também:

Papo de Mãe recomenda: 




AutismoRaquel Guimarães Del MondecolunistasTEATranstorno do Espectro do Autismomedicação para autismo