Pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Locomotiva mostra percepções da população brasileira sobre feminicídio
Mariana Kotscho* Publicado em 24/11/2021, às 10h08
Uma em cada 6 mulheres já sofreu tentativa de feminicídio no Brasil. É quando a mulher é ameaçada por sua condição de mulher. Isso normalmente acontece por parte de um marido, namorado ou ex e, em geral, dentro da própria casa.
A pesquisa feita pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Locomotiva, com apoio do Fundo Canadá, traz diversos levantamentos sobre o tema: 57% dos brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima de ameaça de morte pelo atual parceiro ou ex; 37% conhecem uma mulher que sofreu tentativa ou foi vítima de feminicídio íntimo.
Participaram do estudo online 1.503 pessoas (1.001 mulheres e 502 homens), com 18 anos de idade ou mais, entre 22 de setembro e 6 de outubro de 2021. A margem de erro é de 2,5 pontos percentuais.
93% dos entrevistados concordam que a ameaça de morte é uma forma de violência psicológica tão ou mais grave que a violência física. A própria Maria da Penha, que dá nome à lei, já disse em entrevista ao Papo de Mãe que "a violência psicológica pode ser pior do que um tapa na cara".
97% dos entrevistados concordam que mulheres que permanecem em relações violentas estão correndo risco de serem mortas e para 87%, terminar a relação é a melhor forma de acabar com o ciclo da violência doméstica e evitar o feminicídio. A promotora Valéria Scarance, do núcleo de violência de gênero do MPSP, sempre afirma que "denunciar o agressor é o primeiro passo e o mais importante para se proteger". As mulheres que continuam no relacionamento correm mais riscos.
O momento percebido como de maior risco de assassinato da mulher que sofre violência doméstica pelo parceiro é justamente o do rompimento da relação para 49%, embora para 28% seja a qualquer momento. Portanto, ao denunciar, a mulher deve receber a medida protetiva para que o agressor fique proibido de chegar perto dela.
7% das pessoas que participaram da pesquisa disseram que nunca ouviram falar sobre a lei do feminicídio, criada em 2015. Menos da metade sabe o significado do termo “feminicídio íntimo”, mas após serem apresentados ao significado, 98% dos entrevistados reconhecem a gravidade do assunto e para 96% a frequência dos casos de feminicídio íntimo tem aumentado nos últimos 5 anos.
Entre as mulheres, 93% consideram que esse crime tem aumentado muito nos últimos 5 anos, enquanto entre os homens são 77%. Para 86%, os feminicídios estão se tornando mais cruéis e violentos do que os cometidos no passado.
Para a maioria, diferentes grupos de mulheres são igualmente vulneráveis. (Isso é notado, inclusive, no Grupo de Apoio à vítimas de violência doméstica que coordeno com Marisa Marega no Facebook. Há mulheres de todas as classes sociais, de todas as regiões do país)
Embora as mulheres heterossexuais, as moradoras da cidade e das periferias e as mulheres pobres e negras sejam percebidas como mais vulneráveis, a maioria considera que todos os grupos de mulheres correm o mesmo risco de feminicídio.
As principais portas de saída são a polícia e os serviços de apoio às vítimas, mas há uma série de desafios a serem enfrentados, como a percepção de baixa eficiência do aparato policial para esse tipo de caso, o desconhecimento de equipamentos de apoio e a sensação de impunidade dos agressores.
Para 91%, a delegacia da mulher é o principal serviço que a mulher ameaçada de feminicídio deve buscar.
Espontaneamente, 67% citam o telefone da Polícia Militar (190) como referência para mulheres que estejam sendo agredidas ou ameaçadas por um (ex-) parceiro e corram o risco de serem assassinadas e 20% citam o 180 – a Central de Atendimento à Mulher. De fato, se a violência estiver acontecendo naquele momento, é importante ligar para a polícia. Para denunciar uma situação recorrente, é possível utilizar o 180.
95% concordam que se alguém vê ou ouve um homem ameaçando de morte uma mulher essa pessoa deve denunciar e 90% das mulheres (e 80% dos homens) consideram que arma de fogo em casa dificulta que a mulher denuncie e aumenta o risco de que ela seja assassinada. Recentemente em São Paulo foi aprovada a lei estadual que obriga condomínios a denunciarem casos de violência.
79% concordam que muitos policiais não acreditam na seriedade da denúncia de ameaça e no risco que a mulher corre. Essa percepção é maior entre as mulheres negras e atinge 84% das entrevistadas.
78% consideram que a justiça brasileira trata a violência contra as mulheres como um assunto pouco importante. Essa opinião é compartilhada por 83% das mulheres e 73% dos homens.
Para 90%, se as mulheres ameaçadas de feminicídio tivessem apoio do Estado elas se sentiriam mais seguras para denunciar e sair da relação violenta.
85% acreditam que os serviços de atendimento à mulher agredida sejam bons, mas estão presentes em poucas cidades e não dão conta de atender as mulheres em todo o país. Em agosto, na comemoração pelos 15 anos da Lei Maria da Penha, Penha disse ao Papo de Mãe que o que ela espera agora é justamente que a Lei seja de fato aplicada em todos os municípios brasileiros.
A maioria dos entrevistados é a favor da promoção de campanhas para sensibilizar a população sobre essas questões e estimular a denúncia e também apoia a capacitação dos profissionais dos serviços de assistência para avaliarem o risco das mulheres, até porque, para 93% da população, mais importante do que punir o assassino é evitar o assassinato da mulher. Por isso trabalhos de prevenção, inclusive em escolas, são tão importantes - como faz o Instituto Maria da Penha.
MK: O que representam os resultados da pesquisa?
JM: A pesquisa Percepções das população brasileira sobre feminicídio, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão com apoio do Fundo Canadá, revela que a maioria da população reconhece a gravidade do assassinato de mulheres pelos seus parceiros ou ex. Isto é, reconhece que a violência doméstica e o risco de feminicídio assombra o cotidiano das brasileiras: 30% das mulheres já foram ameaçadas de morte por um parceiro ou ex. E das mulheres que foram ameaçadas, 53% disseram também terem sido vítimas de tentativa de feminicídio, o que reforça a importância de que as ameaças sejam levadas a sério, tanto pela mulher como pelas autoridades de segurança pública quando ela faz uma denúncia.
MK: A sociedade ainda é muito conivente com a violência? Precisa denunciar mais, ajudar as vítimas?
Segundo dados da pesquisa a maioria da população reconhece a gravidade do feminicídio no país e tem a percepção de que esse crime tem aumentado nos últimos 5 anos, especialmente em função da impunidade: 92% dos entrevistados consideram que os homens que praticam violência doméstica contra as parceiras sabem que isso é crime, mas continuam a agredir porque acreditam que não serão punidos.
MK: Com os dados da pesquisa, o que se conclui sobre novas medidas que precisam ser tomadas no combate à violência contra a mulher?
JM: A pesquisa revela que as vítimas estão mais conscientes e fortalecidas para romper os relacionamentos. 90% apontam que se a vítima contasse com o apoio do Estado ela se sentiria mais segura para denunciar e sair da relação violenta. Então, o que se faz necessário são políticas públicas que garantam acolhimento para as mulheres e responsabilizem os agressores. Só assim pode-se proteger as mulheres e evitar o feminicídio.
Para ver a pesquisa completa clique aqui.
*Mariana Kotscho é jornalista, repórter do Papo de Mãe, comentarista do Bem Estar da TV Globo e parceira do Instituto Maria da Penha
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