Roberta Manreza Publicado em 12/05/2017, às 00h00
Por Mira Wajntal*, psicanalista
Arthur, 9 anos, e Paulo, 6 anos, estavam muito ansiosos pela chegada da nova TV. Eram 16 horas quando a loja entregou. Agora eles não se continham de agitação, esperando pela chegada do pai, pois mamãe declarou que “só em sua presença” a novidade seria aberta.
Naquele dia papai chegou tarde, extenuado, mas como adiar mais um dia a espera dos filhos?
Abriram a caixa, instalaram a TV, plugaram… e como fazer funcionar? Como usar os comandos do controle? Aquela hora do noite, com o dia carregado nas costas, as letrinhas minúsculas do manual em inglês ou espanhol, parecia um desafio impossível. Eis que Arthur sugeriu: “Deixa que eu consigo!!!”
O pai disse que não, melhor ele mesmo tentar. Podemos deixar para amanhã, sugeriu depois de um tempo cansado da sopa de letrinhas que via no manual. “Olha, pai, é só sintonizar aqui.”- tentou Arthur.
Opa! Conectou-se um menu. O pai, já mais flexível, entregou o controle na mão dos garotos, enquanto prosseguia a leitura das instruções.
Arthur e Paulo disputavam o controle, começaram a brigar. A mãe interveio, sugerindo que Arthur deixasse o menor olhar um pouquinho.
“Mas ele mal sabe ler”, retrucou Arthur. “Não vai conseguir”.
Neste meio tempo, Paulo já estava dentro do modo TV e escolhendo seus desenhos para assistir.
Neste novo universo digital, muitas vezes são os filhos que detêm o saber e a habilidade, fazendo com que os pais se sintam fora “do comando”.
Muito provavelmente vocês pais leitores lembram-se de seus pais serem as grandes fontes de transmissão de saber. Mas, com certeza, já se viram na estranha situação de dependerem dos filhos tanto para decifrar, como para escolher por vocês o modelo do celular ou som e TV que vão adquirir. São eles também que, com facilidade, conseguem informações e roteiros para os programas em família. Isto os coloca em uma posição de privilegio e inverte a ordem das gerações – os filhos passam a ser os instrutores dos pais.
É claro que nós pais ficamos orgulhosos com a inteligência e “esperteza” dos filhos, afinal são melhores que a gente!!! Com rapidez decifram o que para a outra geração era desafiador e enigmático.
Esta inversão que parece banal e corriqueira nos nossos tempos pode comportar uma mensagem um tanto complicada – são eles quem sabem! E como saber, muitas vezes significa poder… serão eles que podem! Eles decidem!
Sim! Nós criamos os filhos para o mundo e superar os pais, em geral, é esperado, mas na idade adulta. O controle digital desta geração, os leva a crer em uma autonomia que pouca maturidade têm para exercê-la. Acham que podem, agora, tudo sozinhos sem a tutela de pais e professores. Muitos dos conflitos e desafios vistos nas escolas e nas famílias parecem se pautar neste tipo de vivência.
Como sair desta? Afinal é verdade que no quesito digital eles realmente levam a supremacia.
Então Pais! Vamos pensar em que outros aspectos estaríamos agindo da mesma forma? Em quais situações nós poderíamos estar abrindo mão desnecessariamente de ser o tutor do filho? Devemos ter cuidado para não acreditarmos que o fato dos nossos filhos terem esta habilidade que a nossa geração nem sequer sonhou com a possibilidade, não nos coloque de escanteio na nossa função de pais ou educadores de dar parâmetros que são muito importantes para a formação e maturidade das crianças.
*Mira Wajntal é Psicanalista, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Integrou equipes de Hospital-Dia Infantil e CAPS Infantil por 14 anos. Livros: “Uma Clínica para a Construção do Corpo”, Via Lettera, SP, 2004 e “Clínica com Crianças: Enlaces e Desenlaces”, Ed. Casa do Psicólogo, SP, 2008. Coordenadora do Curso de Expansão Cultural (Sedes) “Autismo e Psicoses na Infância”. Atualmente trabalha em uma UBS e atende em consultório.