SUPERDOTADOS : A epopéia da aceleração de série da minha filha mais velha…

pmadmin Publicado em 06/12/2011, às 00h00 - Atualizado em 07/06/2016, às 10h33

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6 de dezembro de 2011


Por Cláudia Hakim*

O procedimento de aceleração de série da minha filha mais velha foi extremamente complicado e angustiante. Acho que, se eu não fosse advogada, e dotada de conhecimentos jurídicos, talvez a gente (escola e nós, pais) não conseguiríamos colocá-la em prática. A escola dos meus filhos é relativamente nova. Tem 10 anos hoje. Na época em que se cogitou que a minha filha fosse acelerada, a escola tinha 7 anos de existência. Por ser uma das únicas escolas trilíngues de SP, as regras e regulamentos que regem este tipo de escola são muito mais complexas e rigorosas.

Assim que a coordenadoria do infantil detectou a necessidade da minha filha ser acelerada, encaminhou-a para uma avaliação específica, que durou cerca de dois meses e meio. Terminada a avaliação, veio o laudo que constatou a superdotação da minha filha e reconheceu a necessidade dela ser acelerada. O laudo foi então apresentado à escola pela psicopedagoga que a avaliou e, naquela altura, eu imaginava que era uma questão de aguardar a chegada do meio do semestre, para que ela iniciasse na série acima. Ledo engano…

A diretoria da parte fundamental da escola não sabia da situação que envolvia a minha filha e era totalmente contra a qualquer aceleração de série, mesmo sem conhecer a minha filha!

Disse isto porque a inspetora de ensino da diretoria de ensino, do Estado de São Paulo, da qual a escola dos meus filhos está vinculada, era contra a aceleração de série. Se ela era contra, a diretora não iria se opor à ela, ainda que isto estivesse previsto em lei!

Tentamos argumentar com a diretora, fazer com que ela, ao menos, conhecesse a minha filha, mas nada adiantou. Ela terminou a reunião nos prometendo que a escola faria um enriquecimento em sala de aula com a Debora.

Ficamos super chateados. E toda aquela expectativa criada em torno da necessidade dela ser acelerada.. como ficava??

Enfim, mais um ano letivo terminou e, sinceramente, apesar da muito boa vontade da escola, não vimos nenhum tipo de enriquecimento feito com a minha filha.

Debora contava com 5 anos quando iniciou o próximo ano letivo e estava no ano que equivaleria ao pré-primário, atual primeira série, já tendo lido livros de mais de 100 páginas (com letras grandes) em questão de horas! Naquela época, ela estava fascinada pela série da Judy Mood e qualquer livro da série que você desse para ela, ela terminava em questão de horas, às vezes, até menos do que uma hora!!

Me apresentei à nova professora da minha filha e comentei que ela tinha facilidade de aprender, que ela já estava completamente alfabetizada há mais de ano, para ela dar uma atenção especial. Ela me disse para eu ficar tranquila, pois ela estava acostumada a lidar com alunos “inteligentes” e que ela teve um caso de um aluno que falava três línguas (ele poderia, facilmente, ter aprendido as línguas com seus pais, mas isto não significa que ele fosse superdotado, só porque falava três línguas!). Fiquei sem graça. Ficou parecendo que eu era mais uma típica mãe judia, que quer mostrar para a professora de seu filho que ele é o máximo!

Imaginem o que é para uma criança que já está completamente alfabetizada frequentar aulas para crianças que estão começando a aprender a escrever, o quão frustrante e entediante não deveria ser… Pois é… minha filha estava nessas… Ela sempre foi muito boazinha, nunca reclamava de nada acerca do pedagógico, possível tédio, etc.. Suas reclamações limitavam-se somente à reação de seus coleguinhas frente aos seus avançados conhecimentos sobre todas as matérias. Ela era a que mais sabia, a que fazia de sempre responder as perguntas e sempre as acertava. Estas atitudes inocentes da minha filha soavam um pouco arrogante e irritantes aos olhos de seus coleguinhas. Então, os coleguinhas começavam a provocá-la, às vezes, a agredi-la verbal e até fisicamente.

Quando tivemos a primeira reunião de pais e mestres daquele ano, a professora comentou comigo, numa conversa informal, que estava muito preocupada com a minha filha. Na hora, achei estranho. Por que ela estaria preocupada com a Debora? Então, também informalmente, ela me disse que não sabia se era o caso da minha filha pular um ou dois anos, mas que, se a escola da minha filha não quisesse acelerá-la, então que a gente deveria procurar outra escola que aceitasse fazer a aceleração dela (que fosse, ao menos em um ano!)

Aí, quem ficou preocupada fui eu. E quando contei ao meu marido a conversa informal que tive com a professora da minha filha, quem ficou mal, desta vez, foi ele. No dia seguinte àquela reunião, ele entrou em contato com a professora dela, que reiterou toda a conversa que teve comigo. Foi aí que percebemos que o buraco era mais embaixo…

Em contato com a diretoria e coordenadoria do infantil da escola da minha filha, partimos para um plano de ataque contra a diretoria do fundamental, para fazê-la entender que a aceleração de série era possível. A idéia era montar um dossiê com tudo aquilo que a minha filha já sabia, que estava além de seus pares e muito além do que a série que ela estava lhe permitia, provas com o conteúdo da série a ser acelerada, parecer dos professores sobre a facilidade de aprendizagem dela, o laudo que atestava a sua superdotação e um parecer jurídico (feito por mim), provando que a aceleração de série é direito dos superdotados previstos em lei. Este dossiê seria encaminhado a tal diretora do ensino fundamental para tentar convencê-la a fazer a aceleração da minha filha. Novamente, ela negou.

A diretoria do infantil, então, decidiu encaminhar o caso para a dona da escola, que diante do dossiê e ouvindo a opinião das professoras da minha filha a respeito dela, se comoveu e optou por arriscar fazer a aceleração dela, mesmo que a diretora de ensino do Estado fosse contra a aceleração de série.

Como advogada, fui informada pelo departamento de superdotação do MEC e pelo Conselho de Ensino do Estado de SP, que as escolas particulares não precisam de autorização de nenhum órgão estatal para fazerem a aceleração de série, porque elas têm autonomia para fazer a aceleração.

Só que a diretora do ensino fudamental da escola exigia que eu entrasse com um requerimento no Conselho de Ensino do Estado de SP, para pedir ao Estado a autorização para que a minha filha fosse acelerada de série.

A conselheira do Conselho de Ensino já me conhecia de tanto que eu havia ligado para indagar como funcionava a aceleração de série. Quando o requerimento que dei entrada no Conselho chegou à ela, eu liguei para saber como ele estava. Então, ela me perguntou, por que eu havia entrado com este requerimento ali. Eu disse a ela que a escola havia me solicitado isto. Então, ela ligou para a escola dos meus filhos e repetiu para a tal diretora que: “As escolas particulares têm autonomia para proceder à aceleração de série e não precisam de autorização de órgão nenhum para tanto”.

Dito isto, a escola se convenceu que a aceleração de série não era nenhum bicho de sete cabeças e com isto, no ano seguinte, minha filha iniciou o ano letivo na terceira série (já acelerada).

Minha filha somente fora informada de que seria acelerada de série no último dia de aula do pré-primário (antiga primeira série). Ela pulou o equivalente à nova segunda série.

Nos dois primeiros meses do ano seguinte (já na terceira série), ela estranhou um pouco. Não teve perda de conteúdo absolutamente nenhum e já no final do ano seu boletim só veio com notas 10!!! Socialmente, ela hoje está muito melhor do que se estivesse no ano anterior.

As minhas experiências de aceleração de série (considerando-se, agora, a do meu filho menor, também), descontadas todas estas dificuldades legais e burocráticas, são as melhores possíveis.

Na comunidade do Orkut da qual faço parte (Pais de superdotados), já ouvi histórias iguais, idênticas ou parecidas com as da minha filha, seja na questão das dificuldades das escolas fazerem a aceleração destas crianças; do despreparo na educação das crianças superdotadas; no despreparo em realizar um enriquecimento curricular, ou até mesmo de identificação de uma criança superdotada. Na verdade, o que mais vejo nesta comunidade é o despreparo das escolas (públicas ou estaduais) em lidar com a educação especial destas crianças superdotadas. Ficam perdidas, sem ação ou mostram-se contraditórias. Isto tudo só prejudica nossas crianças e gera uma angústia muito grande para nós, pais destas crianças especiais.

Sendo assim, eu peço para que os pais que estiverem passando pela mesma situação com os seus filhos superdotados, que não desanimem e lutem pelos direitos de seus filhos superdotados para que eles tenham direito a uma educação especial !

*Cláudia Hakim é advogada e mãe de duas crianças superdotadas. Participou do Papo de Mãe sobre Superdotados exibido em 04.12.2011. Acesse o blog da Cláudia e confira mais postagens sobre o tema: http://maedecriancassuperdotadas.blogspot.com/




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