Helena Taliberti, presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti, que perdeu os dois filhos em Brumadinho, fala sobre os 3 anos da tragédia
Helena Taliberti* Publicado em 24/01/2022, às 19h21
A notícia do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, veio na forma de notificação pela tela do celular. Enviei mensagem para meus filhos que estavam por lá. O tempo passou, mas filho demora mesmo para responder mensagem de mãe. O silêncio com o entardecer transformou-se em inquietação verdadeira.
Há três anos perdi minha filha Camila, meu filho Luiz e minha nora Fernanda, grávida do meu primeiro neto, Lorenzo, arrastados pelo mar de lama como tudo o mais o foi. Era 25 de janeiro. Estavam em Brumadinho para visitar o Museu de Inhotim, animados por estarem juntos e pela chegada do bebê.
As imagens da televisão mostraram que o rompimento se configurou tragédia logo nos primeiros flashs. As mensagens e ligações de amigos e familiares perguntando por eles me deram a certeza de que não houve resposta para ninguém.
O medo e a angústia de que algo muito grave poderia ter acontecido chegaram como taquicardia ao coração, agora inquieto. Mas esperança de mãe é eterna. Deveriam estar sem sinal e ilhados esperando resgate. Eram espertos o suficiente para se protegerem.
De novo, o silêncio. Noite adentro e sem pregar o olho durante toda a noite procurando informações sobre o que estava acontecendo, veio a certeza de que o melhor seria ir até Brumadinho.
E lá, diante de um cenário apocalíptico, percebi que não havia a menor chance de sobrevivência. Só me restava rezar e esperar.
Faltam palavras para descrever os sentimentos e o significado de tamanha perda. A lama arrastou tudo o que eu tinha. Tudo perdeu o sentido diante do vazio. A saudade sem fim me faz encontrá-los em pensamentos, sonhos, coisas que eles deixaram.
Não é um luto normal. A tragédia só começou no dia 25 de janeiro. Investigações posteriores indicaram que o rompimento era iminente e sabido. Uma tragédia anunciada. A indignação se converteu na mola propulsora da busca por justiça.
Mesmo sabendo que caminhos são tortuosos, eu preciso manter a esperança de que os responsáveis serão punidos exemplarmente para que outros saibam que há consequências sérias para atos inconsequentes. Eu preciso acreditar que a empresa será obrigada a reparar os danos pessoais e ambientais até o último centavo para que o quadro de diretores e os investidores aprendam que dá prejuízo colocar o lucro acima da vida humana. Eu quero chegar à conclusão de que a morte deles não foi em vão para que tragédias como esta não aconteçam de novo. É preciso mudar. Não é possível a sociedade aceitar calada a impunidade.
A criação do Instituto Camila e Luiz Taliberti é fruto da responsabilidade que temos em não ficar calados. Voluntários juntaram-se não somente para continuar a jornada da Camila e do Luiz na defesa do meio ambiente e das pessoas mais vulneráveis, mas também para ser e dar voz a quem precisa falar, para que tragédias como a de Brumadinho não se repitam no Brasil e no mundo. Afinal, os mortos dependem de nós para serem imortais.
Não se pode esquecer que vidas foram ceifadas por não terem valor diante da busca incessante por produtividade e lucro. É preciso que a humanidade resgate o sentido da vida em toda sua plenitude. Não temos planeta B.
“Tentaram nos enterrar, não sabiam que éramos sementes.” Somos sementes, todos nós!
A força e o poder de transformação da semente dão frutos e sombra, protegem nascentes de água e germinam árvores frondosas e perenes, que preservam o meio ambiente. Somos sementes de amor e justiça porque temos força para continuar honrando a memória e o legado que Camila, Luiz, Fernanda e Lorenzo nos deixaram.
O Instituto é uma iniciativa coletiva de amigos e familiares de Camila e Luiz Taliberti, vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho em 25 de janeiro de 2019. O Instituto tem como missão atuar com temas socioambientais como a defesa dos direitos humanos, o empoderamento de grupos vulneráveis, especialmente mulheres, e a proteção do meio ambiente contra ações danosas.
Site: www.somossementes.org.br
@institutocamilaeluiztaliberti
*Helena Taliberti é presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti, Economista,
Mestre em Economia da Saúde. Mãe de Camila e Luiz.
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