Roberta Manreza Publicado em 20/11/2016, às 00h00 - Atualizado em 27/11/2016, às 11h32
Por José Ruy Gandra*, jornalista e palestrante
Ver Pedro em companhia de seus gatos é sempre uma cena muito inspiradora. Agora são dois. Pretinha, dois anos, e… desculpem-me os xarás… Tony, um siamês com um jeitinho piedoso, olhos celestiais e quatro meses de vida. Resumindo: uma jovem senhora e um bebê, ambos de rabo, se enredaram em nossas vidas.
Custo a crer que jamais tivera um gato antes. Era um bicho que não me inspirava nenhuma confiança. De repente, por obra de Pedro, passei a amá-los. Curvo-me, hoje em dia, à altivez, graça e malandragem dos bichanos. Dei adeus aos cães, que haviam me cercado a vida inteira. Duvido que volte a tê-los. Virei felino total. Minha mulher me acompanhou nessa virada. Justo ela que, num endereço anterior, vivia batendo boca com a moradora do apartamento de cima, proprietária de uma boa dúzia de gatos.
Pois pagou a língua. Hoje, aos primeiros raios do sol, os gatos miam junto à nossa janela e lá vai ela, quase aos tropeções, alimentar os pilantras. Percebo agora porque os egípcios gostavam tanto de gatos — a ponto de embalsamá-los e sepultá-los em sarcófagos. Há algo de irresistivelmente charmoso e enigmático nesses animais. Não têm aquela fidelidade incondicional um tanto estúpida dos cães. Caminham pelos telhados com uma leveza quase ilusória. Fazem cocô num único lugar (e o escondem) e enroscam-se em sua perna com tamanha graça que você é capaz de dar o seu próprio prato de comida a eles, caso insistam um pouquinho mais.
Também no que se refere aos filhos, gatos proporcionam boas lições. Seu gênio independente, extrema paciência e alto poder de sedução parecem-me atributos bastante compatíveis com o espírito de nosso tempo. Minha sensação é a de que, com eles, Pedro adquiriu uma noção mais precisa de que coisas importantes, como afeto, confiança e lealdade, têm de ser batalhadas e defendidas a cada dia. Arrisco dizer até que, embora tivesse apenas dez anos, sua própria capacidade de negociação conheceu um upgrade. Gatos negociam o tempo inteiro: carinho, comida, brincadeiras…
No pacote figuram, é claro, algumas lições mais difíceis. Sua primeira gata, a Pretinha original, era um animal esquálido que encontramos na rua e decidimos adotar. Pedro ficou horrorizado ao vê-la, certo dia, entrar em casa com um pássaro a entupir-lhe a boca. E muito mais quando, em meio a uma soneca no jardim defronte à nossa casa, um labrador idiota a matou com uma dentada nas costas.
O supremo aprendizado proporcionado pelos felinos, porém, é bem mais sutil. Eles nos ensinam a dar mais e receber menos, sem com isso ficarmos tristes. Ou, pelo menos, a valorizar e cultivar com mais assiduidade os afetos. Além disso, seres imprevisíveis que são, os gatos melhoram nossa resposta ao inesperado. É como se, com eles, o vínculo afetivo estivesse permanentemente por um fio, podendo a cada instante se desfazer ou retroceder à estaca zero.
Egoístas, temperamentais. Às vezes, até mesmo traiçoeiros. Divertidos, sedutores, surpreendentes. E, o que mais importa: eles fazem meu filho feliz.
A “Trilogia dos Gatos” continua no próximo domingo…
*José Ruy Gandra, jornalista e palestrante, é autor do livro Coração de Pai – Histórias sobre a arte de criar filhos. Bem mais que isso, é pai de Paulo (in memoriam) e de Pedro e avô de Rodrigo (5 anos). Participou dos programas “Papo de Pai” e “Sogras”. Contato: jr.gandra@uol.com.br .
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