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O cuidar pode ser muito mais simples do que você imagina

Cuidar, educar, criar: as missões e os desafios da maternidade

Mariana Wechsler* Publicado em 13/05/2022, às 10h00

Toda criança precisa ser cuidada
Toda criança precisa ser cuidada

Muitas vezes ao pensar em cuidados a nossa cabeça já abre uma lista mental enorme de tarefas, as vezes é tanta coisa que a gente coloca como “tem que fazer”, que no final a gente se sente exausta até de se cuidar.

Será que precisa ser sempre assim? Será que se cuidar e cuidar do outro envolve necessariamente várias e diferentes ações e processos? A gente fala tanto sobre se cuidar e cuidar do outro que fico pensando se não está faltando uma peça nessa equação: quando é que eu me permito ser cuidada?

Logo que minhas filhas gêmeas nasceram eu não conseguia me olhar no espelho, minhas olheiras eram profundas e o cansaço era proporcional. Quando elas acordavam eu estava em pé para dar de mamar, quando dormiam eu estava em pé para ver se estavam respirando mesmo. Talvez você se identifique com a tensão de mãe de primeira viagem.

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Sei que nessa de fazer a Anne e a Lara estarem sempre cuidadas e protegidas, eu dei uma surtada. Comprei baba eletrônica, esterilizadores, extensor de retrovisor, aquecedor de mamadeira eu tinha coisas pra mim também, almofada para amamentar, gel para aliviar a dor no seio. E ficava pensando… como minha mãe e minha avó fizeram, como elas davam conta dos filhos sem esse tanto de coisas que nos ajudam nessa tarefa?

No inicio era assim, comprava um tanto de coisas para as bebês, o que na verdade eu acabava gastando para agradar a mim mesma, era uma necessidade que eu tinha de ser a mãe que não vai errar, provendo para as meninas tudo que o dinheiro podia comprar, mesmo que a grana fosse curta.

Fora a quantidade de livros que eu li e grupos de mães com bebês que eu participava. A intenção era boa mas nada parecia ajudar, porque mesmo com tudo isso eu me sentia perdida e angustiada e achava que eu não estava sendo uma mãe muito boa.

Um dia qualquer aconteceu algo que me tirou desse estado, eu estava cansada, as bebês também. Naquele dia eu resolvi fazer diferente, mudar o ambiente. Juntei o nosso almoço, coloquei as águas na bolsa, peguei as meninas e fomos fazer um piquenique numa praça que tinha perto de casa. Parecia que seria mais trabalhoso, mas quando chegamos lá eu procurei uma sombra, estendi um tapetinho na grama e as meninas, que ainda não andavam, começaram a brincar com suas mãozinhas, a sorrir com a movimentação do vento nas nuvens e nas folhas, elas deitaram sob meu corpo e ali nós ficamos nos ouvindo e nos olhando.

Eu nem sei se ficamos muito ou pouco tempo, mas percebi que naquele momento a gente conseguiu cruzar nossos olhares sem as cobranças que naturalmente teríamos numa mesa durante a refeição.

Eu sei que ali naquele momento eu entendi que não teria coisa que eu pudesse comprar ou fazer no mundo que seriam mais importantes do que aquilo, a troca, o contato, o estar presente me perdendo ali naquelas mãozinha pequenas e corpinhos redondinhos. Acho que o amor nasce do cuidar e vem assim mesmo na presença, no amamentar, no dar banho, acredite até no trocar a fralda.

Eu penso que o maior desafio da maternidade seja equilibrar o olhar pra mim e o olhar para as crianças sem me perder completamente em um ou em outro. Porque quando a gente se perde nisso, é como deixar o leite ferver, a panela queimar, o amor transbordar. Tem gente que acha que a metáfora do transbordar o amor é boa, mas pra mim eu acho que tudo que sobra, vai embora e na maternidade eu penso que se sobra pra elas, falta pra mim e o contrário também.

Eu aprendi nessa jornada que a gente precisa ir se entendo, descobrindo os tempos de cada uma e os quereres da outra. Enquanto isso eu vou me perdendo e me encontrando nos olhares delas e elas no meu e acho que essa é a graça de ser mãe.O processo de lidar com a própria insegurança e deixar sentir o que tiver sentindo é muito difícil. Pois nos parece tão inadequado o sentir, que fazemos o possível para transformar qualquer situação. Então esse tanto de processos, de estudo, de preparo só serve para a gente pensar que estamos “garantindo” o sucesso do maternar. Mas a verdade, é que tudo isso não é garantia de nada.

Quando a mãe está sempre olhando para fora buscando respostas, ela não está conectando com o bebê. Claro que informação é fundamental e temos muito que aprender, mas precisamos estar conscientes de duas coisas importantes: mais informações não significa mais conhecimento e é importante saber que uma coisa não funciona sem a outra. Se não formos capazes de olhar para a criança, o vínculo não será construído, precisamos confiar de que todo o conhecimento que a gente precisa virá com a observação, com a presença, com o estar ali.

É confiar que o que a gente fizer não será necessariamente perfeito ou o melhor mas simplesmente suficientemente bom.

Tendemos a valorizar muito as informações que vem de fora e pouco as que vem de dentro.

A gente precisa acreditar que temos muito conteúdo dentro de nós, tem coisas no cheiro, no tato, na troca de olhar, no paladar que são informações e quando estamos muito conectadas com o que tem fora a gente não consegue ouvir o que já está dentro de nós.

É natural na maternidade a gente sempre se comparar e competir. Mas precisamos entender que não precisamos ser a melhor, a maternidade não é uma corrida. A gente vive comparando com o que a gente acha que o outro tá fazendo, a gente vê a mãe que amamenta até X tempos e nós que não conseguimos, automaticamente somos uma mãe pior e então eu tenho que compensar em outra coisa. E a mãe que amamentou por mais tempo, olha pra gente e pensa: “ela brinca com a criança, e eu não consigo brincar porque eu trabalho, então eu sou uma mãe pior”. No fim, somos todas péssimas mães para nós e ótimas para os outros.

E isso sem falar a respeito da comparação com as crianças: “fulaninho dorme a noite toda, o meu ainda não”, “o filho da Ana desfraldou, o meu não”, “a filha da Tati já fala, a minha ainda não”, o filho da Flávia andou com 1 ano, e o meus ainda não”. A comparação não pára, só cresce exponencialmente conforme as crianças vão crescendo.

Vivemos uma sociedade de alta performance, as vagas são poucas para aquele curso ou para aquele trabalho, tudo é pouco. Tudo precisamos competir para nos destacarmos e ocuparmos um lugar de respeito. A escola é avaliada por nota, e dessa forma temos a oportunidade de nos compararmos: “eu tirei uma nota maior, portanto eu sou melhor do que você”. O tempo inteiro somos inspirados para a competição.

Estou escrevendo tudo isso, para dizer o quanto é difícil, na maternidade, sairmos desse lugar de comparação enquanto vivemos numa sociedade em que tudo é competição.

Imagino que a gente vá precisar passar uma vida inteira nadando contra a corrente, e ainda assim, consciente de que essa corrente existe e que é um esforço chegar do lado de lá. Então, se as vezes você se pegar competindo por coisas que você sabe que nem deveria se comparar, você tem um motivo, você está na correnteza.

Nós evoluímos a partir da comparação, e isso é bom para o ser humano, é evolutivo. Quando eu me comparo eu puxo a média para cima, mas agora nós temos infinitos pontos de comparação, inúmeras pessoas para se comparar, canais para acessar e o que era para ser bom, está nos intoxicando.

Nunca irá existir a não comparação, mesmo na maternidade quando a gente percebe que a criança está apresentando uma questão que é muito diferente da média, é a comparação que nos faz procurar um auxílio. É na comparação e na conversa com outras mães que conseguimos medir a nossa criança e o mundo. Acontece que, às vezes, erramos na dose e passamos a nos achar insuficiente e menor.

Não será apenas a troca de fralda, a alimentação, o banho ou contar uma história que fará o vínculo com a criança, o vínculo se dá quando estamos presente fazendo todas essas coisas.

Quando a gente está com a criança mas com a cabeça em outro lugar querendo estar em algum lugar que não ali, não conseguimos prover essa conexão e nos sentimos angustiadas tentando encontrar o amor da maternidade que as pessoas tanto falam, enquanto o máximo que conseguimos sentir é cansaço, impaciência e achando tudo muito chato.

Quero que você saiba que isso pode acontecer, no dia que você estiver muito cansada e quiser estar em outro lugar, não vai ter conexão mesmo, e tudo bem. Não são todos os dias que a gente quer estar ali, não são todos os dias que tem conexão, que é lindo e tem presença. Mas uma boa meta a se perseguir é tentar se livrar do resto do barulho externo e tentar ser só você mesma e encontrar essa capacidade que está dentro de você.

Pois saiba que o que está dentro de você é o suficiente, e é tudo que a sua criança mais precisa. Confie em você.

*Mariana Wechsler, Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Escreve sobre parentalidade consciente, sobre os desafios da vida com pitadas de ensinamentos budistas e suas experiências morando fora do Brasil, longe de sua rede de apoio. Acredita que as mães precisam aprender a se cuidar e se abraçar, além de receberem apoio e carinho. Sempre diz: “Seja Fantástica! Seja sempre a sua melhor amiga”.

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