Aproveitar os intervalos da vida, sejam eles curtos ou longos, é um aprendizado
Anna Mehoudar* Publicado em 26/10/2021, às 07h00
Entre as décadas de 1980 e 1990 trabalhei intensamente com um grupo de obstetras e pediatras. Enquanto psicanalista, alternava duplas com diferentes obstetras para acolher gestantes e parceiros nos cursos de Preparação para o Parto e Cuidados com o Bebê.
Dia desses a Dra Rosa foi a uma festa de aniversário com seus filhos e esqueceu de levar o material didático para a nossa aula. Quando precisou explicar o que era um trabalho de parto, ela não teve dúvida, retirou uma bexiga do bolso do casaco para ilustrar o formato do útero, onde ficava o colo uterino e ainda, como as contrações de trabalho de parto funcionavam para promover a dilatação e dar passagem para o bebê.
A expressão que dá título a esse pequeno texto é da Dra Rosa Clauset que nos deixou no início da década de 1990. A arte de saborear os intervalos se referia à sua compreensão de como ocorria o trabalho de parto. Diferente de uma cólica renal – referida por alguns – no trabalho de parto a sensação dolorosa não é contínua. Existem intervalos. E nos intervalos entre uma contração e outra é possível respirar! A gestante e seu parceiro tendiam a ficar menos angustiados com o nascimento de seu bebê. Desde então convidávamos a mulher, e também seu parceiro, a mergulharem juntos na experiência de sala de parto. Convidávamos a gestante a ser ativa na sala de parto (respiração, posição e pedido de toques e massagem), e ao mesmo tempo se entregar à uma experiência que também é conduzida pela criança.
Quando começamos a trabalhar com o pós-parto, a expressão “a arte de saborear os intervalos” deslocou-se para o momento em que o recém-nascido consegue adormecer. Ou seja, como as noites e os dias tendem a uma continuidade exaustiva no pós-parto, a mulher pode descansar e mesmo dormir enquanto seu bebê dorme. Mesmo que sejam alguns minutos, os intervalos são preciosos. Algumas mães conseguem descansar durante o dia, colocando seus bebês perto delas, na cama.
Alguns pais conseguem até dormir com seus bebês deitados de bruços, sobre seu peito. Passados os primeiros 40 dias, ou antes, cabe dar uma volta levando o bebê no carrinho ou no sling, cabe chamar a avó, o avô ou uma tia para descansar, nem que seja por meia hora. Alguns pais e mães saem para se exercitar empurrando o carrinho enquanto andam ou correm. Outros gostam de respirar, ouvir uma música, tomar um bom banho, ver o capítulo de uma série ou mesmo ligar para algum amigo.
O fato de nós adultos termos uma maior autonomia ou uma dependência adulta em relação às outras pessoas, não impede que muitas vezes nos atrapalhemos com a inevitável tensão entre autonomia e dependência. Que o diga o pós-parto.
Na continuidade da vida, as crianças e nós conseguimos ficar cada vez a sós com a nossa imaginação, em intervalos cada vez maiores. Pequenos exercícios “saboreando os intervalos” podem criar a confiança necessária para dormir na casa dos avós ou de amiguinho, e até “tirar férias de filhos”. Nem sempre por um período maior, quando ainda são pequenos.
*Anna Mehoudar é psicanalista, www.gamp21.com.br
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