Nesta Dia do Orgasmo, por que não fala sobre o prazer para as gestantes?
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 31/07/2021, às 15h40
Vergonha e falta de informação. Esse combo ainda é muito presente quando o assunto é prazer sexual feminino. Uma pesquisa recente realizada pelo núcleo de sexualidade positiva, Prazerela, de 2018, revelou que apenas 36% das brasileiras atingem o orgasmo durante suas relações sexuais. Se naturalmente o tema já é um tabu para milhares de mulheres, quando o inserimos dentro do contexto da maternidade, ele se torna praticamente inexistente.
No entanto, há pouco mais de dez anos, estudos internacionais da medicina baseada em evidências (MBE) mostraram que é possível ter orgasmo (acredite ou não!) durante o trabalho de parto vaginal. Conhecido como "orgasmic birth", que em português pode ser chamado de "parto orgásmico", o debate ainda está longe de ser popular nas rodas de conversa entre as mulheres e da população em geral.
Ainda que para alguns seja difícil de acreditar, especialmente pelo forte movimento de medicalização do parto e a força que a indústria da cesárea adquiriu ao longos das últimas décadas, é possível sim que a mulher tenha orgasmo ao parir seu bebê, e não há absolutamente nada de errado ou estranho nisso.
O primeiro passo para entender o que de fato é o parto orgásmico e porque ele é completamente legítimo, é desconstruir a ideia de que o orgasmo é assunto íntimo e algo que deve ficar apenas entre "quatro paredes". O prazer faz parte da sexualidade, e o ser humano é por si só, uma espécie sexual.
Uma das principais referências no cuidado da saúde feminina, Dra. Albertina Duarte Takiut, médica ginecologista e obstetra, e Coordenadora do Programa Saúde do Adolescente da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, explica que a cultura do prazer e todos os esteriótipos que envolvem o sexo, atrapalham a compreensão do é a sexualidade.
"Existe uma fantasia machista em torno do prazer feminino, mas da mesma forma que o riso, o sorriso, o beijo, o orgasmo é diferente pra cada mulher. Eu diria que o orgasmo é um beijo bem profundo e que dá muito prazer. Pra chegar lá, é preciso estar fisicamente bem, psicologicamente bem e ter um vínculo afetivo. Este que não necessariamente precisa ser romântico", diz a especialista.
Como um processo normal da sexualidade, o orgasmo é um ato fisiológico, mas sobretudo comportamental. "Durante muitos anos a função materna e a função de mulher foram separadas. Houve-se uma ideia de que quando a mulher está grávida, por exemplo, não pode ter relações sexuais. Os homens também foram treinados com esse pensamento. É como se essa mulher "fechasse" a sua função feminina, porque agora está em forma reprodutiva", completa a médica.
Com essa ideia romantizada em torno da figura feminina, o espaço para falar sobre sexo e prazer foi exterminado, e com o passar dos séculos se tornou um senso comum: mulher grávida não transa, quem dirá goza.
De acordo com a médica, as pesquisas mostram que existe uma diminuição do desejo sexual na gravidez por parte das mulheres muito por conta de tal ideal. "Eu diria que diminui 70%, permanece 25% aumenta em 5% dos casos. Mas, o grande problema mesmo é a solicitação masculina que acaba diminuindo em quase 80%. É um tabu que os homens têm", explica.
Uma pergunta frequente que Dra. Albertina Duarte Takiut escuta bastante no consultório, assim como a maioria dos profissionais da área, é se o sexo durante a gestação pode machucar o bebê. Segundo ela, a relação sexual na gravidez não só é liberada, como é indicada em alguns casos para estimular o trabalho de parto.
"Não acontece nada com o colo uterino, mas o que ocorre é que o esperma pode precipitar o parto, principalmente no último mês da gestação. Só não é recomendado quando o colo do útero está curto, mas esses são apenas 10% dos casos", afirma.
O fato do sexo ser um tabu durante a gravidez está mais ligado às questões intrínsecas sociais do que às apresentadas pela medicina. "Existe todo um envolvimento da mulher com o bebê, é como se tivesse um estranho 'olhando' e por isso o homem tem muito pouco desejo".
O fato de não se discutir o prazer feminino e a descoberta de que se pode tê-lo em um momento tão especial como o parto, que quase sempre foi associado a dor, medo e insegurança, é uma surpresa libertadora.
É uma mistura de sensações. A mulher que faz parto normal está tão envolvida em tantas situações, que todas as formas de estímulos, carinhos e toques, auxiliam no relaxamento", comenta Albertina Duarte Takiut.
E a dúvida que pode existir é se então qualquer mulher pode ter um parto orgásmico. O que é preciso para conseguir esse feito? De acordo com a médica, primeiramente isso depende de como a gestante se prepara para o momento.
"Às vezes ela está tão focada em apenas parir que não consegue. Os exercícios pélvicos ajudam o trabalho de parto e, ao mesmo tempo 'trabalham' as mesmas áreas que o pompoarismo, por exemplo".
Não é por acaso que a ocitocina, hormônio produzido no cérebro e liberado durante o trabalho de parto e amamentação, é conhecida popularmente como "hormônio do amor". Além de estar presente nesses momentos relacionados à maternidade, o hormônio também é liberado no orgasmo durante as relações sexuais.
A especialista explica que a ocitocina durante o sexo, por exemplo, é liberada em uma escala menor que no parto, entretanto, se trata do mesmo hormônio só que em diferentes momentos. "A contração da vagina existe no parto e também no ato sexual, por exemplo. O que entra aí é todo um movimento psicológico da mulher. O orgasmo não pode se resumir em um hormônio, assim como mulher não se resume ao ponto G".
Ainda que a novidade seja estimulante e importante para o protagonismo feminino no parto, Albertina faz um alerta: ter orgasmo não é e nem deve se tornar uma regra.
Uma vez que se cria a ditadura do orgasmo, as mulheres que já têm tantas pressões, podem se sentir mais pressionadas. Não queremos que as mulheres continuem fingindo ou se sentindo culpada por não ter", finaliza.
A abertura do diálogo e o autoconhecimento devem percorrer a jornada materna. Até porque ser mãe não significa que a mulher não tenha mais o direito de sentir prazer, pelo contrário, deve ser algo ainda mais encorajador para a mulher assumir a autonomia do seu corpo e seus desejos. Gestar, parir e criar, são atos políticos!
Feliz Dia do Orgasmo!
*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe