As crianças precisam da proteção dos adultos e toda vez que estão em situação de vulnerabilidade devem ser acolhidas e protegidas
Ana Paula Yazbek* Publicado em 14/04/2021, às 00h00 - Atualizado às 09h50
“Família. Deveras? É, e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é… Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é bom marido, bom filho, bom pai e bom amigo-de-seus-amigos! […] era o homem de maiores ruindades calmas que já se viu” (Guimarães Rosa. p. 8/9. 2006).
Fui buscar na literatura algo que pudesse acalmar a profunda tristeza que a morte do menino Henry Borel provocou em mim e me lembrei do trecho do maravilhoso Grande Sertão Veredas, quando o narrador busca entender as maldades cometidas por “gente de bem”.
A indigesta cena do casal, mãe e padrasto, impecavelmente vestidos, sem qualquer expressão de tristeza, saindo do hospital, após a confirmação da morte da criança, poderiam compor este trecho do livro.
Depois, ao ouvir às conversas de WhatsApp entre a babá e a mãe do menino, lembrei da História da Fiqueira[1], uma narrativa igualmente triste, mas com um desfecho diferente, pois além de constatar que algo não ia bem, o pai de uma menina, desaparecida, ouviu seu funcionário e conseguiu salvá-la das maldades da madrasta.
Fico me perguntando: por que a mãe não protegeu seu filho? Por que a babá não falou com o pai do menino? Por que todas as pessoas que ouviram a criança falar que “o tio machuca”, não fizeram nada?
Para o Henry nenhuma resposta faz sentido agora, mas para tantas outras crianças que como ele têm sido vítimas de abusos, violências e maus tratos, talvez consigamos mudar o final de suas histórias.
As crianças precisam da proteção dos adultos e toda vez que estão em situação de vulnerabilidade devem ser acolhidas e protegidas. Quando a família nuclear não oferece esta segurança, é papel dos familiares e conhecidos próximos, da escola e/ou do Estado intervir. O problema é que nem sempre os maus-tratos são explícitos. A violência e abuso contra as crianças são mascaradas por falsa gentileza, por agrados e presentes, ou são ocultas por ameaças ainda mais sérias. Mas se nos atentarmos, notamos alguns sinais que podem indicar que algo não vai bem.
Crianças que sofrem abuso costumam apresentar mudança de comportamento, ficam mais introvertidas, demonstram medo, mostram-se mais ansiosas, agitadas, irritadiças e arredias às manifestações de afeto.
É sempre delicado lidar com situações suspeitas, por isso, quando uma criança falar explicitamente como o Henry dizia, cabe perguntar-lhe porquê ela diz que “o tio machuca” e pedir para ela contar o que “o tio” faz. A partir daí, é necessário conversar com os adultos responsáveis e, em alguns casos, denunciar ao Conselho Tutelar para que medidas protetivas sejam tomadas.
É necessário, também, mostrar para a criança que ela está sendo ouvida e ensiná-la que nem todo mundo pode tocar em seu corpo e, mesmo quando podem tocar, há formas adequadas para que o toque aconteça.
As escolas cumprem um papel importante na proteção à infância, por isso é preciso atenção à PL 3179/12 que busca regulamentar o ensino domiciliar, ou para ficar mais “chique”, o homeschooling, e aqui destaco um trecho do Manifesto da Rede Nacional Primeira Infância[2]sobre o ensino domiciliar “a escola […] é também um lugar de proteção de crianças e jovens, especialmente no que tange à violência doméstica, à negligência e aos abusos sexuais. Muitas vezes, são os professores e as professoras que percebem violências sofridas pelos e pelas estudantes, realizando, assim, denúncias às instituições pertinentes e evitando que essas crianças e jovens sigam sofrendo tais violências. Portanto, a educação domiciliar pode acabar favorecendo o ocultamento dessas questões.”.
Vamos nos unir para proteger nossas crianças!
[1]https://www.youtube.com/watch?v=NgpFGmsinWc
*Ana Paula Yazbek é pedagoga formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades; iniciou mestrado na FEUSP em 2018 e está pesquisando sobre o papel da educadora de bebês e crianças bem pequenas.
É sócia-diretora do espaço ekoa, escola que atende crianças de toda Educação Infantil (dos 0 aos 5 anos e onze meses). Além de acompanhar o trabalho das educadoras, atua em cursos de formação de professores desde 1995 e desde 2002 está voltada exclusivamente aos estudos desta faixa etária.
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