As pessoas costumam evitar falar sobre a morte, mas o assunto muitas vezes é necessário e inevitável, inclusive quando pensamos em planejamento. E se for para planejar a herança, uma opção é o codicilo
Douglas Ribas Jr.* Publicado em 11/09/2021, às 16h29
Quando o assunto é a manifestação de última vontade de uma pessoa, logo vem à mente o termo “testamento”, afinal de contas, é o documento à disposição para quem tem o desejo de planejar sua sucessão dispondo dos seus bens e interesses após seu falecimento, da maneira que melhor lhe aprouver, desde que respeitada a ordem sucessória prevista em lei.
Se quiser maiores informações sobre o assunto, vale a leitura de artigo publicado no blog do escritório em outubro de 2017.
Já nesse artigo o foco é outro instrumento – muito mais simples e informal – que permite deixar aos familiares e amigos instruções sobre o destino de determinados bens, certos desejos e providências específicas a serem observadas após o falecimento: trata-se do codicilo.
O codicilo é previsto no artigo 1.881 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal.
Tal ferramenta de expressão dos últimos desejos mostra-se muito mais rápida e descomplicada do que o testamento, na medida em que dispensa a presença/assinatura de testemunhas, sendo necessário não perder de vista que que se destina a previsões mais simples e bens de pouca monta, de forma geral.
Além disso, por admitir a forma de escrito particular, dispensa o formalismo envolvido na elaboração de documento que depende de fé pública, como o testamento público, o mais seguro das modalidades previstas em lei, que em regra tem sua elaboração em cartório, perante um tabelião.
O codicilo, por definição, se presta a regulamentar as últimas vontades, destino de bens móveis e de menor valor. Como o conceito legal de “pouco valor” contido na lei é subjetivo, a melhor doutrina, com base na jurisprudência sobre o assunto recomenda que não se pretenda envolver através desse instrumento bens móveis cujo valor ultrapassem 10% do patrimônio do autor do codicilo. Logo, a estimativa de bens de pequena monta deve levar em conta o patrimônio de cada pessoa.
Que fique claro que o codicilo pode ser alterado ou revogado a qualquer momento, porém, somente através de outro ato de igual natureza, ou seja, mediante outro codicilo, ou, através de um testamento. No entanto, o inverso não é permitido, ou seja, por força do artigo 1.884 do Código Civil, um codicilo não pode revogar um testamento.
Recentemente fui consultado sobre a possibilidade de que pessoa acamada faça uso de codicilo através da captação de sua voz e imagem em vídeo.
Entendo que a solução remete a artigo que escrevi em julho do ano passado, igualmente a partir de consulta que me foi apresentada, relatando que pessoa doente e isolada socialmente em razão da Covid-19 desejava se valer da gravação em vídeo para a elaboração de testamento.
Ora, importante mencionar o artigo 3º do Provimento nº 100 do Conselho Nacional de Justiça, que admite a prática de ato notarial eletrônico, inclusive por gravação da videoconferência notarial, desde que observadas as formalidades aptas a garantir segurança ao ato jurídico.
Então, concluo que é possível providenciar codicilo mediante gravação de áudio e vídeo, respeitados os requisitos de segurança que afastem qualquer possibilidade de fraude ou de vício de consentimento.
A propósito, oportuna a elaboração de uma ata notarial confirmando a autenticidade do procedimento de gravação do codicilo para mitigar a possibilidade de sucesso de eventual alegação de nulidade frente ao ato de última vontade que fora gravado em vídeo. Além da ata notarial há outras ferramentas menos onerosas que também podem ratificar a autenticidade dos dados virtuais, como expliquei nesse outro texto.
Encerro com a certeza de que vacinas salvam vidas e a esperança de que, a despeito de tantas perdas, eu continue podendo afirmar que sobrevivi à maior pandemia que se teve notícia no mundo. Ainda assim, já fiz alguns planos para o futuro dos meus quando eu não estiver mais aqui. Meu testamento e meu codicilo estão prontos, eis que a morte pode vir sem marcar dia e hora.
No começo desse mês o Presidente da República sancionou lei assegurando videochamadas entre familiares e pacientes internados em serviços de saúde que estejam impossibilitados de receber visitas. A Lei nº 14.0198/2021 prevê que “as videochamadas serão realizadas mesmo no caso de pacientes inconscientes, desde que previamente autorizadas pelo próprio paciente enquanto gozava de capacidade de se expressar de forma autônoma, ainda que oralmente, ou por familiar”.
A meu ver, tal lei garante não só que ocorra videochamada em delicado momento, como também que eventualmente se faça o registro em áudio e vídeo de um codicilo, desde que o doente se mostre absolutamente lúcido quanto aos seus desejos e estado.
Não, se tivermos em mente que a morte é a única certeza da vida. Na medida do possível, devemos nos preparar para ela, poupando de sofrimento, proporcionando conforto e segurança para amigos e familiares.
*Douglas Ribas Jr. é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1993 e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Cursou Program of Instruction for Lawyers na University of California - Davis. Reconhecido entre os mais admirados advogados de 2015 e 2019 pelo anuário Análise Advocacia, atua em contencioso e consultoria, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário, Trabalho e Societário.
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