'Espelho, espelho meu, existe alguém mais inteligente do que eu?' é a nova pergunta na obra do escritor Vinicius Campos, que conta com participações de Alinne Moraes, Tiago Abravanel e Paola Carosella, entre outros artistas
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 24/05/2021, às 16h23
Alguma vez você já imaginou a Branca de Neve andando de skate? Ou melhor, sendo salva pelos amigos ao invés de um beijo do príncipe encantando? O escritor, ator e roteirista Vinicius Campos, também colunista do Papo de Mãe, não só imaginou, como também resolveu contar essa versão repaginada e moderna da história da eterna princesa da Disney. O projeto faz parte da campanha #DiversidadeComeçanaInfância.
Agora, o conto de fadas originário da tradição oral alemã, publicado entre os anos de 1817 e 1822 pelos Irmãos Grimm, volta ao projeto de Vinicius, que pretende lançar um audiolivro gratuito a partir de financiamento coletivo através do Catarse, plataforma de arrecadação. O intuito, segundo ele, é resgatar o clássico e, ao mesmo tempo, contribuir para uma infância mais feliz e menos tóxica.
"Existem outros finais possíveis. A felicidade não está em encontrar um príncipe, mas sim ser dona da sua vida e conseguir levar seus sonhos adiante", afirma o criador do projeto, que também indaga: "Por que continuamos contando para as crianças a história que contaram quando eu era criança? Quando a minha avó era criança? Temos um atraso. É o retrato de uma época, mas não podemos escravizar as crianças com esse formato."
Ao todo, o audiolivro lançado no Catarse nesta segunda-feira, 24 de maio, conta com a participação de 9 ilustradores, 14 atores e atrizes, e trilha sonora exclusiva. Em entrevista, Vinicius revela que a iniciativa já estava guardada na gaveta há algum tempo, mas resolveu tirá-la do papel – literalmente –, no ano passado por conta da pandemia.
"Meu vizinho de porta tem um estúdio de áudio. Eu comecei a escutar audiolivro e gostei da ferramenta, é como uma radionovela, tem muita qualidade de som. Foi quando eu gravei a primeira história, 'Vini conta uma Leoa Valente'." Para ter alcance e visibilidade, o escritor também teve a ideia de chamar amigos do meio artístico para interpretar a história. De forma orgânica, acabou reunindo um elenco de novela das 21h.
"Pensei em chamar os amigos mais próximos, e eles foram topando, entrando comigo nessa. A ideia sempre foi ser algo acessível, mas pensei: 'Como vou pagar esse pessoal talentoso?'. Meu presente é fazer gratuitamente para as crianças", conta sobre o financiamento coletivo.
Com as atrizes Daphne Bozaski (Branca de Neve) e Alinne Moraes (Rainha/Bruxa), e atores Tiago Abravanel (Espelho) e Drayson Menezzes (Príncipe), entre outros nomes de peso como Robson Nunes, Fabiano Augusto, Natália Rodrigues, o projeto foi ganhando forma e agora está pronto para ser iniciado, conforme as doações.
Ao Papo de Mãe, Alinne Moraes, atriz e mãe do Pedro, explica que topou participar da campanha #DiversidadeComeçanaInfância por sua relevância. "Acho que a diversidade deve ser ensinada para nossas crianças desde sempre, para que sejam educadas sem preconceitos, com amor e respeito", ressalta.
Já o ator e apresentador Tiago Abravanel, destaca a importância de transformar a história da princesa, e como isso contribuí para a formação das novas gerações. "O futuro está na criança, e quanto mais conversar sobre tudo com esse público, mais evoluído o mundo será. Então, um projeto sensível como esse, que parece muito simples, é de uma grandiosidade gigantesca. Eu não tinha como dispensar, faço questão de fazer parte."
Quando falamos em Branca de Neve, é impossível não lembrar da antiga frase dita pela Rainha (Bruxa Má): "Espelho espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?". Essa pergunta, já comum e despretensiosa no imaginário popular, é uma das questões debatidas pela obra de Vinicius Campos.
"Dessa vez não existe a 'mais bonita de todas', não reforçamos essa coisa do padrão de beleza, mas sim quem é a mais inteligente. Também colocamos o príncipe em uma posição de amigo. Não tem beijo que desperta", explica. Segundo o escritor, o cuidado de reformular veio desses detalhes que parecem bobos, mas capazes de reforçar mensagens controvérsias. "Um príncipe ao ver uma menina desmaiada pode dar um beijo? Na verdade, ele tem que chamar a ambulância [risos]".
Como pai de 3, Vinicius conta que a decisão de olhar com mais atenção e ternura para os conteúdos infantis veio a muito custo. Representante do movimento LGBTQi+, sua trajetória pessoal contribuiu para um novo olhar profissional.
"Quando eu virei pai, sabia que não podia mais esconder quem eu era. Precisava falar, e meus projetos, meus livros, também mudaram. Comecei a estudar, perceber e ver que o conteúdo para infância, no Brasil e no mundo, ainda é muito retrógrado. Foi quando eu parei e pensei: 'A gente precisa se mexer'. É uma luta que não é minha, é de todos os produtores de conteúdos infantis", afirma.
Ainda segundo ele, a Branca de Neve foi uma história bastante presente em sua infância, e também traz simbolismos fortes sobre uma sociedade do passado que ainda acreditava que uma mulher sozinha na floresta era algo ruim. "É uma princesa corajosa e independente. Na época, era uma mulher perdida. Não era um orgulho para a família. Hoje, mostrar isso é um passo enorme que nós demos".
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Além de todo o debate acerca do protagonismo feminino da Branca de Neve repaginada, Vinicius Campos também alerta: é preciso olhar com cuidado para o príncipe, afinal de contas, sua figura sempre ligada à violência e bravura, acaba reforçando uma masculinidade tóxica.
"O mundo já começou a entender que as meninas podem pisar na ciência, podem dirigir, jogar bola, mas ainda não entendeu que os meninos podem cuidar, proteger, cozinhar. É uma combinação explosiva. São meninas frágeis que acham que vão beijar um sapo e ele vai virar um príncipe, e meninos que crescem sob a perspectiva que não podem chorar e sentir", ressalta.
Conforme o escritor, a presença do príncipe, agora batizado de Jorge, é importante para a nova obra. Entretanto, ele está como um amigo para a Branca de Neve, e não mais um parceiro romântico. "Temos que renovar essas histórias, a gente faz o mundo avançar, se tornar melhor. Eu sou otimista. acho que estamos em uma constante evolução", destaca. "Bem-vindas sejam as mudanças".
A campanha para a realização do projeto tem duração de 45 dias no Catarse. A ideia é que o audiolivro seja lançado gratuitamente no Dia das Crianças, comemorado anualmente em 12 de outubro.
*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe
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