Quando todos os desafios ou problemas da criança são imediatamente assumidos pelos adultos, sejam eles educadores ou familiares, caminhamos no sentido de um ser humano mais frágil e dependente do outro
Ana Paula Yazbek* Publicado em 20/01/2021, às 00h00 - Atualizado às 16h11
Hoje vou abordar sobre a autonomia na educação, um tema que é cada vez mais trabalhado nos contextos educativos, mas que também deve ser considerado na educação dos(as) filhos(as).
No meu percurso como educadora sempre valorizei a iniciativa e autonomia das crianças. Acredito que devemos compartilhar com elas os riscos, sem perder de vista a responsabilidade que temos, como adultos, por sua integridade física. Ao invés de artificializar os ambientes, considero preferível ambientes que ofereçam desafios motores semelhantes aos que podem ser encontrados “no mundo real”, isto é, nas casas, praias, parques ou ruas.
Ao longo de mais de trinta anos, vejo em meu trabalho cotidiano com os bebês e as crianças que quando elas têm a possibilidade de transitar por diferentes espaços e têm em seu entorno objetos diferenciados, elas ajustam seus movimentos e seu corpo para percorrer os obstáculos que encontram em seu caminho. Num deslocamento para o parque, por exemplo, têm sempre as crianças que correm, enquanto outras andam devagar, a fim de não perderem o equilíbrio.
Há oito anos, entrei em contato com os princípios da Abordagem Pikler, desenvolvido pela médica pediatra húngara, Emmi Pikler, que em 1946 assumiu a direção de um abrigo em Budapeste que acolhia crianças órfãs da segunda guerra. Neste abrigo, ela colocou em prática seu modo de cuidar e educar, que valorizava a liberdade de movimento das crianças, a fim de favorecer sua autonomia e a presença segura e gentil dos adultos nos momentos de cuidados com as crianças.
Emmi Pikler considerava que as crianças não deviam ser colocadas em posturas que não fossem capazes de se colocar sozinhas e nem deviam ser estimuladas a realizar movimentos que não conseguiam realizar. Para ela, todas as pessoas que se dedicam aos cuidados de bebês e crianças, deveriam olhar para a competência que cada uma apresenta, sem a necessidade de pressa para que as expectativas dos adultos fossem alcançadas. Nos momentos de troca de fralda, por exemplo, ao invés de distrai-las ou realizá-las com rapidez, propunha que os bebês fossem convocados a participar, sendo sempre informados quando seu corpo seria tocado por um adulto.
Para ela e sua equipe, nos momentos de brincadeira livre, os adultos não deveriam mostrar como brincar com um objeto ou como realizariam um movimento e também não precisavam fazer elogios a cada ação realizada.
Desde que entrei em contato com estes princípios, consegui visualizar com maior clareza situações que me causavam incômodo, mas que não pareciam tão graves, pois eram feitas para “o bem da criança e do bebê”. Com isso, gestos rápidos que eram feitos para que uma troca de fralda terminasse logo, ou porque ela estava manifestando desconforto, ou porque “algo mais importante iria acontecer depois”, passaram a ser substituídos por conversas, olhares, toques realizados da maneira mais agradável para a criança naquele momento. No decorrer do tempo, percebemos que a duração destas trocas eram semelhantes as realizadas com “maior rapidez”.
Desta forma, quando as educadoras passaram a se controlar para não interromper as ações das crianças e dos bebês com ajudas desnecessárias, observamos que os gestos infantis, tanto os mais sutis como segurar o copo ou mamadeira, nas situações de alimentação, como os mais amplos, como subir escadas ou escalar módulos de madeira, tornaram-se muito mais seguros e controlados.
Assim, olhar para a competência do bebê e da criança, respeitando-os, observando-os, valorizando-os e dando-lhes liberdade para o movimento livre com segurança afetiva, se tornou uma prática recorrente no trabalho com as educadoras que oriento para a busca de uma autonomia corporal. Afinal, quando todos os desafios ou problemas da criança são imediatamente assumidos pelos adultos, sejam eles educadores ou familiares, caminhamos no sentido de um ser humano mais frágil e dependente do outro.
No próximo texto irei continuar neste tema, partindo da reflexão sobre situações que podem favorecer e outras que podem impedir a iniciativa das crianças.
Até a próxima semana.
*Ana Paula Yazbek é pedagoga formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades; iniciou mestrado na FEUSP em 2018 e está pesquisando sobre o papel da educadora de bebês e crianças bem pequenas.
É sócia-diretora do espaço ekoa, escola que atende crianças de toda Educação Infantil (dos 0 aos 5 anos e onze meses). Além de acompanhar o trabalho das educadoras, atua em cursos de formação de professores desde 1995 e desde 2002 está voltada exclusivamente aos estudos desta faixa etária.
Meu filho com gripe, e agora?
Mães narcísicas: você é uma mãe narcisista?
Interpretação equivocada da Lei de Planejamento Familiar e DIU: entenda a relação entre os dois
"Eu levava na leveza, colocava uma música e só jogava", diz finalista de campeonato de games
Segurança: TikTok reforça controles e cria novas medidas de privacidade para jovens