Mães com transtorno de personalidade narcisista focam apenas em si mesmas e podem negligenciar ou destratar os filhos. O que fazer?
Kênia Braga* Publicado em 14/08/2021, às 07h00
O tema de hoje é delicado porque envolve a figura materna que, usualmente, é retratada por uma visão idealizada e romantizada, o que, muitas vezes, não corresponde à realidade. Compreender o assunto é importante para identificar as características do perfil da mãe narcisista e, assim, buscar formas de ajudar ou auxiliar quem lida com o problema.
O termo narcisismo surgiu com o mito grego e significa “amor pela própria imagem”. Ele é usado para definir uma personalidade egocêntrica e indica um transtorno, que torna a vida de quem convive com essas pessoas muito sofrida.
Na mitologia grega, Narciso era um rapaz belo e jovem que, ao deparar-se com o seu reflexo na água de um rio durante uma caminhada, se apaixonou pela própria beleza. Ele se admirou tanto, que se recusou a deixar o local, morrendo às margens do rio.
Assim como Narciso, uma mãe narcisista pode se apresentar bem focada em si mesma e negligenciar ou destratar os seus filhos, provocando traumas severos.
Por mais que o narcisista dê a impressão de que é um ser que se ama muito, na verdade, o quadro retrata alguém frágil, com baixa autoestima e uma forte carência afetiva, que apresenta sentimento de desamparo em grande parte do tempo. Quando a pessoa diagnosticada é uma mãe, a consequência é comprometedora para a vida dos filhos.
O Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) está catalogado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) e é caracterizado por sentimentos exagerados de autoimportância, necessidade excessiva de admiração, e falta de compreensão dos sentimentos dos outros.
A personalidade narcisista foi descrita, pela primeira vez, em 1925, por Robert Waelder, enquanto o nome atual da condição entrou em uso em 1968. O comportamento disfuncional, normalmente, começa na idade adulta, e as pessoas afetadas dedicam muito tempo pensando sobre investimentos em sua aparência ou em alcançar poder ou sucesso.
Os indivíduos com o transtorno, muitas vezes, são beneficiários e exploradores, se aproveitam das pessoas ao seu redor sem remorso, empatia ou consciência do outro. Um fator importante que repercute na dificuldade dos diagnósticos é que a psicopatologia, frequentemente, é percebida de forma concomitante com outros transtornos de personalidade do tipo dramático (Grupo B).
O transtorno é marcado por um comportamento dramático e emotivo, bem como um comportamento extremamente egocêntrico, o que o coloca na mesma categoria dos transtornos borderline e antissocial.
De acordo com o DSM-5, muitos indivíduos altamente bem sucedidos apresentam traços de personalidade que podem ser considerados narcisistas. Somente quando esses traços são inflexíveis, mal adaptados, persistentes e causam comprometimento funcional significativo ou distúrbio subjetivo, é que, então, constituem transtorno de personalidade narcisista.
Outro ponto importante é que, mesmo que o excesso de confiança tenda a tornar os indivíduos com TPN ambiciosos, este aspecto isolado não os conduz, necessariamente, ao sucesso e ao grande destaque profissional.
Muitos indivíduos narcísicos talvez não estejam dispostos a competir, ou podem se recusar a assumir quaisquer riscos para evitar parecer como uma falha. Eles apresentam também uma incapacidade de tolerar contratempos, desentendimentos ou críticas.
A falta de empatia faz com que seja desafiador, para esses indivíduos, trabalharem em cooperação com outros ou manter relacionamentos profissionais de longo prazo com superiores e colegas.
A causa do Transtorno da Personalidade Narcisista é desconhecida, e o diagnóstico é feito por um profissional de saúde. A condição precisa ser diferenciada da mania e de transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa.
Geralmente, as crianças e adolescentes exibem alguns traços semelhantes ao TPN, mas estes são tipicamente transitórios, sem atender aos critérios necessários para o diagnóstico.
Os sintomas de TPN são inflexíveis e rígidos, permanecendo consistentes ao longo do tempo e devem ser substancialmente severos para prejudicar a capacidade de um indivíduo atuar no trabalho, na escola, nos relacionamentos ou em outras áreas importantes.
A mãe narcisista apresenta narcisismo materno patológico. Muito antes de ser mãe, a mulher é um indivíduo que possui uma história com anterioridade à maternidade e que pode ter problemas e limitações psicológicas e emocionais.
Essa condição vulnerável será, sim, transmitida na sua forma de se relacionar consigo mesma e com os seus filhos, trazendo consequências, muitas vezes, graves, para todos os envolvidos.
O perfil se caracteriza por ter um autoconceito inflado sobre si, exigir admiração constante e crer que outras pessoas são inferiores e menos importantes. Desta forma, geram comportamentos abusivos que prejudicam a saúde mental dos filhos.
Mães narcísicas podem ter atitudes arrogantes e buscar pelo poder de várias formas (reputação, status, prestígio etc.) Os sintomas do Transtorno de Personalidade Narcisista são similares aos traços de personalidade de pessoas com boa autoestima e confiança.
A distinção ocorre quando as estruturas psicológicas subjacentes a esses traços são consideradas patológicas. Mães narcisistas se dão um elevado valor e, comumente, se vêem como essencialmente melhores que os outros, quando, na realidade, têm uma autoestima frágil e lidam mal com críticas.
Frequentemente, elas tentam compensar essa fragilidade interior por meio de ataques aos outros, a maledicência tem o objetivo de autopromoção, que funciona como elogio a si mesmas. Elas podem ser altamente controladoras, culpar os filhos, ser autoabsorvidas, intolerantes às opiniões e desconsiderar as necessidades dos outros.
Fazem uso de estratégias para proteger o eu à custa dos outros e tendem a desvalorizar, negligenciar, insultar, culpar os outros e, muitas vezes, respondem a comentários ameaçadores com raiva e hostilidade.
Uma vez que o ego frágil das mães com TPN é hipersensível à crítica ou à derrota percebida, elas são propensas a sentimentos de humilhação, vergonha e inutilidade. Elas, geralmente, mascaram esses sentimentos com humildade fingida, isolamento social ou, ainda, podem reagir com explosões de raiva para desafiar seus filhos por vingança.
A fusão do "autoconceito inflado" e do "eu real" é vista na grandiosidade inerente do Transtorno de Personalidade Narcisista. Usualmente, apresentam mecanismos de defesa de negação, desvalorização e idealização.
O DSM-5 considera o Transtorno da Personalidade Narcisista como uma síndrome homogênea, mas há evidências de variações em sua expressão. Em um artigo de 2015, são sugeridas duas principais apresentações de narcisismo.
Essas apresentações são um subtipo aberto ou grandioso, caracterizado por grandiosidade, arrogância e audácia; e um subtipo secreto ou vulnerável, caracterizado pela defensividade e hipersensibilidade.
Aqueles com "grandiosidade narcisista" expressam comportamentos através de atos de exploração interpessoal, falta de empatia, inveja intensa, agressão e exibicionismo.
Os fatores ambientais e sociais têm influência significativa no início do TPN. Em algumas pessoas, o narcisismo patológico pode se desenvolver a partir de um apego deficiente para com seus cuidadores primários.
Geralmente, é pelas atitudes dos pais que a criança se percebe como sem importância e sem conexão com os outros. A criança, geralmente, acredita que eles têm algum defeito de personalidade que a torna desvalorizada e indesejada.
São considerados fatores preditores os pais excessivamente indulgentes e permissivos, assim como os insensíveis e excessivamente controladores. Geralmente, são pessoas cujo desenvolvimento emocional foi pouco fomentado pelos seus cuidadores e apresentam pouca empatia.
A prevalência ao longo da vida de TPN é estimada em 1% na população geral e de 2% a 16% em populações clínicas. Uma revisão sistemática, de 2010, encontrou que a prevalência de TPN está entre 0% a 6% em amostras comunitárias.
Há uma pequena diferença de gênero, o TPN tem incidência ligeiramente maior entre homens do que em mulheres.
De acordo com uma metanálise de 2015, que avaliou as diferenças de gênero no TPN, recentemente, houve um debate sobre um aumento percebido na prevalência da TPN entre as gerações mais jovens e entre as mulheres. No entanto, os autores descobriram que isso não se reflete nos dados e que a prevalência permaneceu relativamente estável para ambos os sexos nos últimos 30 anos.
O TPN tem uma alta taxa de comorbidade com outros transtornos mentais. Os indivíduos com TPN são propensos a episódios de depressão e estão associados a distúrbios bipolares, anorexia e distúrbios por uso de substâncias, especialmente cocaína. No que diz respeito a outros distúrbios de personalidade, o TPN pode estar associado a transtornos histriônicos,borderline, antissocial e paranoicos.
Apesar de haver tratamento, muitas dessas pessoas não têm consciência deste estado e não conseguem ver a necessidade de atendimento, pois não reconhecem que são acometidas por um transtorno. Frequentemente, desconsideram ter um problema devido a sua visão distorcida de grandiosidade e perfeição.
É bem improvável que a mãe narcisista vá buscar ajuda, pois elas não possuem capacidade cognitiva de ter empatia ou de criar um vínculo de amor, não conseguem avaliar e reconhecer os próprios erros e não se relacionam com seu verdadeiro self.
Para esconder a sua real identidade, criam um self fictício, projetando a fantasia grandiosa de que são maravilhosas, sem falhas ou defeitos. Não passe por isso sozinho, procure ajuda.
Muitas vezes, os tratamentos apresentam resultados satisfatórios, mas costumam ser mais demorados por se tratar de um transtorno de personalidade que possui um curso longo e uma certa rigidez. Ou seja, são traços estruturados e rígidos, que levaram anos para se solidificarem na personalidade.