Mulheres relatam como é dividir a maternidade e o cuidado com as próprias mães. A psicóloga Dorli Kamkhagi e a diretora executiva da empresa Trevoo, Eliz Taddei, comentam essa inversão de papéis
Maria Cunha* Publicado em 11/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 11h13
“Foi complicado pra ela entender, nesse começo, e foi muito doloroso. Ela não conseguia levantar, comer sozinha, foi muito difícil pra ela aceitar que a autonomia dela estava completamente zerada e que pra tudo ela dependia”. Essa é parte do relato da professora Bibiana Fernandes, 35, que se divide entre a maternidade, o marido e, ainda, cuidar de sua mãe, Maria de Lourdes, 61.
A mãe de Bibiana sofreu um acidente doméstico em novembro de 2020, que ocasionou uma fratura na parte da lombar. Com isso, Maria de Lourdes ficou com uma limitação pra andar e sentar, o que foi agravado por um quadro de depressão e ansiedade já existente.
“Eu me dediquei totalmente à recuperação dela, nós começamos com o tratamento clínico e com o auxílio da fisioterapia, fora isso, ela tem o atendimento com a psicóloga e o psiquiatra. Eu tive que fazer todo esse processo, consegui uma cuidadora meio período e, no restante do dia e nos finais de semana, eu ficava cuidando dela. Praticamente o meu final de 2020 e o começo de 2021 foram pra isso”, explica Bibiana.
No início, a professora contou que teve grandes dificuldades e não tinha um horário para si mesma, mas ter se cuidado foi essencial. “Tinha dias que ficava tão pesada a situação, que eu comecei a sentir um peso nos ombros, um pouco de tensão no pescoço, são sinais que o corpo dá que a gente precisa de atenção. Se eu não conseguisse ter força e serenidade, eu não ia conseguir ajudá-la. Eu ficava pensando muito nisso. Mesmo sendo poucos os momentos, eu lia bastante, ouvia músicas, fazia um pouco de meditação pra me distrair”, enfatiza Bibiana.
Além disso, a professora explica que a rotina da mãe também mudou, já que Maria de Lourdes morava sozinha e sempre quis ter autônomia. “Ela ficava questionando se estava abusando do meu auxílio. Agora ela começou a entender que já tem mais de 60 anos e que precisa dessa ajuda das pessoas.”, relata Bibiana. A professora também teve apoio do irmão mais novo, da cunhada e do marido que, segundo Bibiana, foi essencial e entendeu que “naquele momento, eu não estava como esposa e como mulher, eu estava como filha naquele processo”, completa a professora.
A professora Bibiana Fernandes finaliza dizendo que, quando a filha viu a avó com dores, perguntou se isso iria acontecer com a mãe e afirmou: “olha mamãe, fica tranquila que eu vou cuidar de você”.
Edna Maria Sagias, 73, é aposentada e tem uma filha de 38 anos. Há oito anos, sua mãe, Enedina, 96, teve um AVC dormindo que ocasionou Parkinson do lado direito do corpo. Com isso, Edna passou a tomar conta dela. Ambas são muito apegadas. “Ela não me deixa de jeito nenhum”, afirma a aposentada. Edna tem uma irmã mais nova que até tenta dividir o cuidado da mãe com ela, mas “se eu não vou, ela não vai. Se vai viajar, se vai pra praia, qualquer lugar, ela só vai se eu for”, explica Edna Maria Sagias. Além disso, Edna explica que a mãe não fica sozinha. Caso ela precise sair, a funcionária da casa cuida de Enedina. A mãe de Edna chegou a ter uma cuidadora, mas reclamou da moça para a filha.“Eu não quero essa cuidadora mais, eu não sou inválida, ela fica olhando só pra minha cara e sentada do meu lado”, afirmou Enedina.
Edna explica que a mãe lembra todas as coisas do passado, mas se ela perguntar quem almoçou ontem na casa delas, a mãe não lembra. “Como diz a médica, o Parkinson tem isso, ele vai queimando os neurônios, ela vai lembrar muito do passado, mas do presente ela não vai lembrar”, conclui Edna.
A aposentada afirma se sentir bem cuidando da mãe. Viúva há 35 anos, não tem o hábito de sair e a situação da mãe também não permite. Apesar de, às vezes, sentir falta de “quando eu ia no shopping, tinha amigas, sentava e tomava um cafezinho, comia um pãozinho de queijo’’, Edna explica que se acostumou, está há anos nessa rotina, e isso não a entristece.
Sobre o cuidado com Enedina, a filha explica que ela depende totalmente de alguém para tomar banho, ir ao banheiro ou levantar da cadeira. Segundo a aposentada, a mãe é um pouco teimosa e, algumas vezes, faz malcriações e diz tomar remédios demais. Mas, quando Edna fala que vai colocar Enedina em uma clínica, a idosa de 96 anos é contra, afirma ter duas filhas para cuidar dela e que viverá até os 120 anos. Edna conclui ao dizer que espera que a filha faça por ela o que ela faz por Enedina.
A psicóloga Dorli Kamkhagi do IPQ (instituto de Psiquiatria ) da FMUSP, atua no grupo LIM-27, que tem como uma das vertentes de trabalho, grupos de cuidadores familiares de pacientes com Alzheimer. Ela conta que o grupo foi criado “porque percebemos que os familiares que se dispõem a cuidar acabavam desenvolvendo várias doenças”. Assim, com outros olhares, o cuidador familiar pode pedir ajuda e enxergar outras formas de cuidado. “A gente se coloca em uma posição de onipotência, mas a gente não pode tudo. É importante saber que você não está sozinho. A gente vai reinventando o cuidado, o tratamento, esse lugar de cuidador, que é único”, explica Dorli.
De acordo com Dorli, é uma situação muito difícil, pois “uma coisa é um cuidador profissional, que tem uma carga de trabalho, que ganha e recebe, e não tem nenhuma ligação afetiva ou emocional. O cuidador que é filho teve uma relação prévia com o pai ou a mãe”. Assim, ver a mãe, por exemplo, acamada ou perdendo quem é e fazendo muitas confusões, é difícil pra essa filha. “Estar no lugar de cuidador é difícil, a gente aprendeu que iríamos ser cuidados pelos nossos pais”, relata a psicóloga.
Além disso, é possível que a relação com o familiar não tenha sido boa, mas, em um momento de enfermidade, cabe ao filho o papel de cuidar, mesmo que por culpa.”A gente já atendeu vários casos em que a paciente se vê com uma mãe que nunca cuidou dela e ela se vê tendo que dar banho, trocar fralda de uma mãe que foi muito abusiva”, conta Dorli.
A psicóloga completa ao expor o lado dos idosos que, “no começo de algumas doenças, principalmente quando eles vão tendo perdas cognitivas, de mobilidade, vão começando a ter estados de confusão, se sentem muito mal. Quando veem os filhos, eles entendem que isso é muito abusivo, que esses filhos estão se intrometendo ou vão tirar o dinheiro dos pais”. Dorli também explica que os idosos têm medo de serem colocados em um lar ou com alguma cuidadora. “Eles se sentem perdendo a própria vida, as suas decisões”, diz a psicóloga.
Outra informação trazida por Dorli é que “muitas vezes, os filhos têm um excesso de cuidado que ainda não é preciso. A pessoa precisa ser tratada como ela sempre foi”, pontua Dorli. Segundo a psicóloga, não devemos adoecer a pessoa, mas “falar no mesmo tom e não fazer dela uma pessoa que perca tudo o que ela tem de importante”.
Sobre o cuidador familiar, a psicóloga Dorli Kamkhagi conclui dizendo que “quem é cuidador, primeiro precisa colocar a própria máscara para depois cuidar, primeiro se alimentar, para depois alimentar o outro. Ele não pode adoecer junto”. O filho também precisa de cuidados, “senão ele também adoece e vai ficando entre raivas, medos, culpa e deixando a vida dele”, revela Dorli.
Assim, o cuidador não pode perder o que é importante para si, “tem esse lugar que você é mãe, tem os seus filhos e você os deixa um pouco ou deixa o seu casamento, porque está cuidando de uma mãe, e você também se vê nessa sua mãe, você também tem os seus fantasmas: Será que eu vou ficar igual a ela? Será que vão cuidar de mim? Por aí tem coisas muito difíceis”, conclui Dorli.
Por isso, o acompanhamento com um especialista é importante, é necessário ter bom senso e, desde o começo, estabelecer limites, dividir as cargas e, se preciso, optar por uma casa de repouso. Esse é o trabalho de Eliz Taddei, diretora executiva da Trevoo, empresa com a função de “ouvir as famílias e orientar para a melhor decisão na escolha de um residencial para idosos”, explica Eliz.
A diretora executiva afirma entender a situação conflitante, “eu passei por isso, a gente sempre tem os nossos pais como os heróis e os protetores, quando essa relação se inverte, é um misto de muitos sentimentos, você sente que você tem um peso adicional bastante importante porque você não tem mais o apoio”, ela relata.
A Trevoo, então, apoia as famílias, que, muitas vezes, já estão convencidas de que é a melhor decisão a ser tomada e que querem uma assessoria pra fazer a melhor escolha sob o ponto de vista de região, preços e de serviços a serem oferecidos para o residente, o idoso que vai se hospedar na casa de repouso. “A gente faz uma curadoria bastante rigorosa para poder escolher um residencial, para entrar na plataforma, e isso que dá segurança pra família em consultar a Trevoo. Por exemplo, checamos e avaliamos toda a documentação, as licenças e o contrato social”, conta Eliz Taddei.
A Trevoo também envia um questionário e marca uma reavaliação presencial. Além disso, quando o residencial fala dos protocolos que ele tem, a empresa vai lá checar e conhecer esses cuidados. “A gente conhece todos os eventos sociais que são promovidos pelo residencial, justamente, pra entreter e tornar os dias mais alegres pra todos os idosos. E conhecemos também o programa assistencial, com fisioterapeuta, terapia ocupacional, fonoaudiologia, e quais são os cuidados que são fornecidos, se esses atendimentos de saúde já estão no pacote ou se são cobrados à parte, e se são sessões coletivas ou individuais”, relata a diretora executiva.
Eliz Taddei completa ao dizer que o trabalho é aprofundado, o que possibilita uma indicação segura. Outra questão que é importante destacar é que a Trevoo não indica um ou outro residencial, mas um leque com 4 ou 5, o mais próximo que atenda às necessidades do idoso e as expectativas da família. Sobre valores, a Trevoo não cobra a família, é uma assessoria totalmente gratuita. “Quem nos paga é a casa de repouso, nós cobramos uma taxa de adesão, no momento em que a gente faz essa validação, ela nos paga uma taxa de manutenção, porque está exposto na plataforma, e nos paga uma taxa de sucesso, na medida em que a ocorre a hospedagem de residentes”.
*Maria Cunha é repórter do Papo de Mãe.
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