Mãe também chora!

Na tentativa de sempre acertar e na frustração de nem sempre conseguir, rolam as lágrimas e a mãe chora

Fernanda De Luca* Publicado em 20/05/2022, às 06h00

Geralmente as mães são muito duras consigo mesmas -

Mãe, aos olhos dos filhos pequenos, é uma heroína vestida de certeza com capa de coragem. Quando eles crescem começam a perceber nossas fraquezas, questionam nossas decisões, criticam nossas atitudes e, algumas vezes, até nos tornam vilã. A verdade é que somos apenas humanas. Difícil admitir as falhas, principalmente na criação dos filhos onde nos convencionamos a acertar sempre, não é mesmo? Criar filho até que é fácil, educar é que tem de cortar um dobrado!

A vida é conduzida por erros e acertos, mas errar como mãe parece mais inadmissível. Por quê? Talvez porque somos juízas de nós mesmas. Por que o nascimento de um filho vem acompanhado de uma carga absurda de culpa? Temos a tendência de nos declarar culpadas pela dúvida da absolvição merecida. Somos, geralmente, muito duras conosco.

Diante das incertezas, mãe se autocondena! E, exemplos não faltam. Qual a culpa que você já carregou? Foi culpada por não conseguir amamentar ou amamentar em  livre demanda, culpada por deixar o filho comer doce ou proibir até em festinhas de aniversário, culpada por dizer não, por dizer sim, por perder a paciência ou ser complacente demais, culpada por gritar com o filho, por deixar o filho gritar, culpada por repetir mil vezes a mesma coisa ou por apenas deixar rolar, culpada pela insegurança nas escolhas e dúvida das decisões. Por tudo isso ou por tantas coisas mais, uma mãe chora!

Choro escondido, com plateia, no chuveiro, no travesseiro, no pensamento. Choro contido ou externado, mãe pode chorar. Aliás, todos podem e devem chorar, cada um à sua maneira, ao seu tempo e espaço. Desatar o nó na garganta desafoga o coração!

Já chorei algumas vezes, em diferentes situações e, quase sempre, ninguém soube. Sabe aquele sopro de dúvida ou arrependimento após alguma postura ou decisão materna? A vida costuma nos dar algumas opções e quando escolhemos uma, nem sempre podemos apagar o (x) e colocar na alternativa A, B ou nenhuma das anteriores acima. Quando a decisão é veredito, temos de excluir o “SE” da nossa consciência. Se não é possível voltar e fazer diferente, então esqueça-se do “SE”. Difícil, mas possível!

Quando meu filho Igor tinha 10 anos e as irmãs 5, estavam na iminência de uma mudança na vida estudantil. Elas iriam para o Fundamental I, dando início oficial à alfabetização e ele para o Fundamental II, etapa importante em que o “tio” ou “tia” da classe, dá lugar a um professor pra cada matéria. Rupturas importantes para os três, em momentos diferentes de vida.

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O problema é que ele estava numa escola e elas em outra e eu decidi que todos deveriam ir para um mesmo colégio. Poderia ser elas para a dele (a possibilidade menos viável na época, já que a mensalidade era acima da alta média de preço estabelecida por nós), ele para a delas, ou os três para uma outra. Questão de logística, de nivelamento de ensino, de justiça e, principalmente, de uma decisão minha. Meu marido nem achava tão necessário modificar o que estava posto, mas acompanhou meu raciocínio. Vimos novas escolas, pensamos, pesamos, conversamos, fomos e voltamos algumas vezes no balanceamento de prós e contras. O tempo passava e a decisão precisava ser tomada. Decidi!

Eu estava no banho quando meu filho, com lágrimas querendo descer pelo rosto, entrou e disse: “Mãe, se eu te pedir pra não me mudar de escola, adianta?”. Respondi com a certeza exigida e o coração culpado diante de tal cena: “Filho, não vou mudar minha decisão, você vai para a escola das suas irmãs.”. O Igor me disse um tudo bem introspectivo e saiu do banheiro. Minhas lágrimas se misturaram à água do chuveiro e eu apenas pedi pra Deus e pra mim mesma que estivesse certa. Não voltei atrás!

E, assim, finalizou o ano letivo, festas, férias, até que chega o início do novo ciclo, num novo tudo! Dei um jeito de sair mais cedo do trabalho e fui pegar meu filho na saída do primeiro dia de aula. Lembro que ele chegou correndo, bochechas vermelhas, cabelos grudados de suor e aflito. Eu, sem piscar e nem respirar, apenas balbuciei: “E aí, filho?”, “Muito legal, mãe!”. Acho que meu coração só voltou a bater direito quando eu ouvi aquelas palavras. Que alívio, fui absolvida por mim mesma!

Analisando, mais de 10 anos depois, acho que tomei a decisão certa. Digo acho porque nunca vou saber como teria sido se tivesse tido outra escolha e, sinceramente, não quero saber. Sabe por quê? Porque não adianta, não vai mudar, não vou me culpar, nem mais e, pelo menos, por essa vez! O que eu sei é que essa decisão levou a um caminho e essa caminhada tem sido boa! O percurso escolhido resultou em diferentes  trajetos, atalhos, rotatórias e bifurcações. Vem sendo percorrido por mim e, claro, pelo Igor, diante da minha tal decisão. A viagem está sendo incrível, a paisagem é agradável e não vou me perguntar “SE” deveria ter mudado a rota. É que, felizmente ou infelizmente, ser mãe é tomar decisões, mesmo que acompanhadas de algumas lágrimas. Afinal, mãe também chora, e chora também de felicidade!

Fernanda de Luca

*Fernanda de Luca tem 54 anos, é  jornalista praticante há 32 anos e contando, mãe do Igor (21), Georgia e Isadora (gêmeas diferentes, 16) e casada com o Grego. Foi repórter do Papo de Mãe na TV Brasil.

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