O eterno dilema das mulheres que trabalham e se tornam mães: como conciliar tudo isso?
Karla Konda* Publicado em 24/03/2022, às 06h00
“É um momento de não ter medo, de tentar conciliar e de se impor. Não deixar a empresa ditar o caminho, que a gente possa mostrar o que é importante para nós, quais são os nossos valores, nossas prioridades”, diz Renata Rivetti
Ter uma carreira bem-sucedida, cumprir o sonho de ser mãe, ser feliz e realizada. Escrito assim parece simples. Mas podemos dizer que pode ser. Basta “equilibrar os pratinhos”, assim como Juliana Coimbra Ricciardi, diretora de vendas da IBM Brasil, exemplifica. Não é sem abrir mão, não é sem ser difícil, mas pode valer a pena para quem tem esse propósito. Afinal, como carreira, maternidade e felicidade se unem e se fortalecem?
Juliana é um exemplo de mulher que optou em manter a carreira executiva e conciliar com a criação de suas duas filhas. Há 24 anos no mundo corporativo, ter filhos era opção antes mesmo de iniciar o lado profissional. “Sempre tive vontade de ser mãe. Estou no mundo corporativo desde que me formei em 1998. Casei em 2006 e sempre carreguei o sonho de ser mãe. Eu tinha isso como um plano muito claro. Se eu não pudesse engravidar, eu iria adotar. Em 2010, a pessoa que tocou no assunto foi o meu próprio chefe. Que me perguntou quando eu teria filhos e ainda me aconselhou: Não deixa de ter filhos por conta da carreira”, relata Juliana.
Para a diretora de vendas, o apoio da empresa que trabalha foi fundamental nesse processo em organizar a rotina pessoal e profissional. “Sou diretora há 3 anos e meio, mas estou na empresa há 23 anos. Não é fácil conciliar filhos e profissão. Mas temos sempre de usar o tempo de forma inteligente. E sempre estar presente nas coisas importantes. Aconteça o que acontecer eu vou estar lá. Tenho uma rotina bem organizada. Quando elas chegam da escola, eu estou lá. Fico com elas até irem dormir, depois volto a trabalhar. Foco no tempo com qualidade – seja quando estou no trabalho ou com as minhas filhas. A empresa entender os nossos propósitos também é importante. O respaldo que ela dá reflete nas pessoas. Já precisei sair de reunião importante porque uma das minhas filhas estava com febre. E já deixei de estar com elas porque tinha reuniões importantes. É o equilíbrio dos pratinhos, saber priorizar”, afirma.
Renata Rivetti, TEDx Speaker, Chief Happiness Officer e Diretora da Reconnect, reforça a posição de Juliana. Para ela, as empresas precisam rever a forma, o modelo de trabalho, as jornadas. “Vivemos um período em que profissionais deixam os empregos porque não têm flexibilidade, não têm autonomia, porque têm uma jornada que não concilia profissional com o pessoal. Realmente as empresas precisam fazer essa alteração. Precisam olhar para dentro e entenderem como podem trabalhar a flexibilidade, sem perderem produtividade”, afirma.
Para Janaina Moraes Oliveira mudar a forma de trabalho foi importante depois que teve uma filha. “Eu mantinha uma jornada de trabalho exaustiva. De entrar pela manhã na empresa e sair depois das 23 horas. Ao ponto de parecer uma desconhecida dentro da própria casa. Quando minha filha nasceu, um tempo depois da licença maternidade, decidi mudar completamente a rotina. Não deixei de trabalhar, pois não conseguia, tinha de ajudar financeiramente em casa, mas busquei uma melhor opção de trabalho. E fui admitida em uma empresa que eu posso trabalhar em home office. Era o que eu precisava. Poder trabalhar e ao mesmo tempo ter condições de estar perto da minha filha e, com certeza sou muito mais feliz que antes”, relata.
A diretora da Reconnect afirma que a pandemia foi um gatilho para alavancar essa mudança no comportamento profissional. “A pandemia mudou muito a forma da gente relacionar com o trabalho, então, as pessoas ficaram mais tempo em casa com seus filhos. Perceberam que não precisavam pegar horas de trânsito, depois horas trabalhando sem pausa, sem enxergarem os filhos. Essa demanda vem muito forte e as empresas que não tiverem trabalhando isso, vão perder talentos. As companhias que não criarem uma nova jornada, um novo modelo de trabalho, que não seja o mesmo que a gente atua desde 1935, cinco vezes por semana, presencial, mais de oito horas por dia no escritório e, que não trabalhem a flexibilidade pensando mais em começar a medir a produtividade pelas entregas e resultados e não pelas horas trabalhadas, terão dificuldades”.
A junção de trabalho/carreira/ maternidade não pode ser vista como um fardo ou sacrifício. “ Quando a gente estuda a psicologia positiva, quando enxerga quais são os pilares que trazem felicidade para as pessoas, esses pilares de alguma forma estão muito relacionados a trabalho. Um dos pilares muito importante é significado. Ter uma vida que tenha um propósito, um porquê. Outro pilar é o de realizações. Precisamos de metas, de objetivos, de desafios. E o trabalho pode ser essa fonte de realização também, assim como a maternidade. Terceiro pilar que fala de felicidade é nosso estado de flow, de engajamento. Quando estamos fazendo o que gostamos, entramos em flow e isso traz felicidade. Emoções positivas, engajamento, relações positivas, significado e realizações e isso ajuda a ter uma vida mais feliz. Conciliar a vida pessoal também com esses pilares no trabalho, aumenta a nossa felicidade”, afirma a especialista.
“O mundo mudou. Está mais flexível. As pessoas não querem robôs. Cada vez mais as empresas estão buscando seres íntegros que consigam conciliar a vida pessoal e profissional e que obviamente tenham outros valores além do trabalho. É um momento de não ter medo, de tentar conciliar e de se impor. Não deixar a empresa ditar o caminho, que a gente possa mostrar o que é importante para nós, quais são os nossos valores, nossas prioridades e construir nossa carreira em cima disso”, complementa Renata.
“Você precisa gostar. Tem de querer. Eu quero continuar assim. É uma escolha. Goste e ficará feliz e cada escolha que fazemos é mais um pratinho para equilibrar e girar. Mas é possível mantê-los sem cair. Se tem sonho de ser mãe, seja mãe. Isso não significa abrir mão de você. Tenha seu tempo também. Se tem vontade de seguir carreira executiva. Dá para ter. É corrido, mas se tem paixão e propósito é possível”, diz Juliana.
Percorrendo o caminho oposto, Adriane Chelala Silveira optou em deixar a carreira e cuidar dos filhos. “Em 2002, muito distante do que hoje temos em home office, fui trabalhar de casa para cuidar dos dois filhos. Tive muito sucesso e conseguia conciliar o profissional da área de turismo e as crianças. Quando meus filhos tinham 15 e 12 anos, engravidei. Segui trabalhando até ter a bebê; e o trabalho com turismo não tem horários estabelecidos. Pode ser em fusos horários diferentes, aos finais de semana e feriados, principalmente. E então, com o nascimento da minha filha, decidi parar. Uma decisão que não me arrependo. Tinha pensado em parar e retomar quando ela crescesse um pouco, mas hoje ela já está com 10 anos e eu não voltei mais. Claro que a minha realidade não é igual a de muitas mulheres que não tem essa opção de parar. Hoje o mais velho está formado, a do meio faz faculdade e a pequena está na escola. Mas minha maior felicidade é essa. Poder estar com eles o tempo todo. Receber os amigos, conhecer, preparar aquela comidinha gostosa para eles, aproveitar as horas que tenho perto deles. Mãe é pilar da vida. Trabalhando fora ou em casa com os filhos, somos nós que os moldamos, ensinamos, fortalecemos as relações, criamos seres humanos melhores para as gerações”, afirma.
*Karla Konda é jornalista