O acúmulo de energia nas crianças devido ao isolamento e o excesso de estímulos nas tecnologias e games podem deflagrar a ansiedade infantil
Kênia Braga Gondo* Publicado em 22/04/2021, às 00h00
A ansiedade faz parte do desenvolvimento do ser humano desde a vida intrauterina. O estresse de uma mãe durante a gravidez se reflete em propriedades cognitivas do cérebro de seu filho com anterioridade ao nascimento, ou seja, as condições de gestação da mãe ansiosa, podem danificar o cérebro das crianças prematuras, tornando-as mais suscetíveis a quadros de ansiedade.
Neste contexto, estudos importantes, feitas por pesquisadores alemães mostraram que bebês de mães que sofrem de ansiedade, apresentam sinais de estresse mais fortes. Já os pesquisadores americanos, utilizaram técnicas de ressonância magnética funcional (FMRI) e demonstraram que o estado da gestante pode resultar em alterações neurais nos fetos.
Foi descoberto que as gestantes que apresentavam maior nível de estresse, possuíam fetos com eficiência reduzida nos sistemas neurais funcionais, testes foram feitos na estrutura do conjunto de células responsável por nutrir os neurônios de gânglios cerebrais e os pesquisadores observaram que os bebês que possuíam mães mais ansiosas apresentaram alterações nestas estruturas.
Uma explicação de forma geral, é a de que o hormônio do estresse, o cortisol, é capaz de atingir o bebê por meio da placenta e afetar seu desenvolvimento. Mas os hormônios do estresse, são também positivos, pois são liberados quando acontece o crescimento do bebê a ponto de distender o útero, quando a gravidez está chegando ao final e ajudam no progresso do trabalho de parto e aumenta a liberação de prostaglandinas.
Também promove contrações, aumentando os efeitos centrais da ocitocina na adaptação materna e na criação do vínculo entre mãe e bebê. Após o nascimento, acontece a adaptação à vida e várias fases de evolução da criança são dramáticas, causando ansiedade, o que é absolutamente normal. Uma expressão evidente disso é o choro dos filhos ao serem deixados na escola ou com a babá, mas quando a criança não consegue ficar sozinha, ou sente dificuldade de se distrair com outras crianças na escola, podemos estar diante a um quadro importante de ansiedade que pode se tornar um transtorno quando não tratado.
Neste cenário da COVID-19, em que estamos diante de muitos desafios, não só a saúde mental dos adultos que sofreram prejuízos, as crianças também apresentaram maior vulnerabilidade a desenvolverem transtornos emocionais.
O acúmulo de energia nas crianças devido ao isolamento e o excesso de estímulos nas tecnologias e games podem deflagrar a ansiedade nas crianças, pois elas não possuem capacidade cognitiva para gerenciar as emoções, ampliando potencialmente a capacidade de apresentarem crises e comprometimento da saúde mental.
Neste momento de pandemia, está mais evidente as crianças apresentarem comportamentos um pouco diferentes do habitual, deflagrando algum grau de ansiedade, resultante de medos e preocupações acerca de fenômenos naturais, desastres, tempestades, escuro, de perder os pais ou irmãos, monstros, animais e insetos; em crianças em idade escolar, 6 a 12 anos, elas podem apresentar medos que envolvem contextos sociais, como por exemplo: tirar uma nota ruim, ver notícias sobre a COVID-19, ser criticado por um colega ou se machucar durante alguma atividade de exercício físico.
Quando o medo assume uma certa recorrência ou é mais excessivo, comprometendo a qualidade de vida da criança, é preciso verificar a possibilidade de um transtorno ansioso estar atuante. A insegurança deflagrada por experiências negativas em ambientes ansiogênicos, que envolvem conflitos e brigas dos pais ou em dificuldades com a escola podem transformar a ansiedade de adaptação a este momento pandêmico em um transtorno de ansiedade importante.
O transtorno de ansiedade é uma das psicopatologias mais comuns nas crianças, outros transtornos mais frequentes são Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), depressão e de conduta. Aproximadamente 10% das crianças sofrem de algum transtorno ansioso. É necessário estar atento, também, à ansiedade que não se traduz em um diagnóstico de transtorno, mas que traz sofrimentos e prejuízos cotidianos, como diminuição da autoestima e a insegurança.
Entre os fatores que estão mais associados aos quadros mentais, estão: os fatores biológicos, genéticos e ambientais. O conhecimento destes transtornos e seus preditores trazem a possibilidade de desenvolvimento de programas de intervenção focados em prevenir ou atenuar os efeitos destes.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), revisou os quadros psiquiátricos em geral, em particular os de ansiedade, atualizando todos os catalogados sem divisão de faixa etária, nesse sentido os transtornos presentes em crianças e adolescentes não são mais vistos como menos graves que os ocorridos em adultos.
Entre os mais frequentes estão o transtorno de ansiedade de separação, o transtorno de ansiedade generalizada e as fobias específicas (medo de avião, de elevador, de altura, de animais e etc), seguidos pela fobia social e o transtorno de pânico. Apesar da existência de um quadro clínico que chamamos de psicopatologia de base para cada um, a maioria das crianças apresenta uma comorbidade, ou seja, mais de um transtorno ansioso.
Os pais necessitam ficar atentos aos comportamentos atípicos ou situações que traduzem na perda da saúde mental da criança. A ansiedade pode se manifestar de forma inesperada, dias ou meses após o ocorrido, dependendo da demora que a criança leva para processar um acontecimento e ela pode ser patológica quando elas apresentam comportamentos muito diferentes dos habituais: birras constantes, choros recorrentes, isolamento, distração, mudança nos hábitos alimentares, pesadelos recorrentes, fobias, pedir para dormir com os pais frequentemente, desinteresse pelas brincadeiras ou atividades das quais gostava, distúrbios do sono, problemas digestivos, preocupações com temas além da sua compreensão, destruição de brinquedos ou objetos, e a presenças sintomas fisiológicos como a hiperventilação, dores inexplicáveis, tremores,palpitações, sudorese, entre outros.
Os pais costumam reagir de forma a julgar ou serem coercitivos, diante aos comportamentos disfuncionais que os filhos apresentam quando estão com problemas de ansiedade, portanto é necessário procurar um psicólogo para aprender formas de orientá-los e compreendê-los, e também indicar o atendimento da criança para que se possa diagnosticar a ansiedade e utilizar a psicoterapia para prevenir que traumas de infância se formem.
Mensagens inadequadas para a faixa etária da criança com conteúdos conflitivos ou de difícil elaboração, como por exemplo a separação dos pais, ou costumam ser transmitidas sem considerar os recursos emocionais dos filhos e inconscientemente, muitas crenças e medos se formam. Afinal, muitos adultos não compreendem o impacto de palavras e ações no psicológico das crianças.
Quando as crianças apresentam uma crise, elas necessitam encontrar uma estabilidade e apoio nos pais, mas o mais comum é que estes pais cometem erros que agravaram o estado emocional, mesmo tendo a melhor intenção. Muitas vezes um adulto não é autoconsciente suficientemente para compreender o que está acontecendo com ele no momento em que deflagra uma crise emocional, imagine uma criança.
A criança não possui recursos para superar e elaborar a crise de ansiedade, e a repetição dos episódios geram ainda mais medos e ansiedade. É impossível processar o transtorno de ansiedade sem uma ajuda especializada, pois o nível de sofrimento é ampliado cada vez que acontece uma nova crise e quando não tratado, existem grandes chances de evoluir para um quadro de depressão.
Durante uma crise de ansiedade é importante os pais ajudarem os filhos a elaborarem os sentimentos e validarem os pensamentos ansiogênicos, conscientizá-los de que estão vivenciando um momento ansioso e que os pensamentos e sensações desconfortáveis irão passar. É muito importante que crianças ansiosas façam psicoterapia, pois distraí-las por meio de conversas ou permanecer com elas durante a crise não é o suficiente para ressignificarem as emoções e sentimentos que estão desencadeando a ansiedade.
A forma como a família lida com a ansiedade que se manifesta diariamente na criança pode amenizar os sintomas das crises, bem como reduzir a frequência com que ocorrem. Os pais ou tutores são os principais exemplos na vida dos pequenos e suas condutas são ainda mais importantes para eles, que os enxergam como heróis. Embora não precisem mascarar as emoções e se apresentarem como inabaláveis, é necessário aprenderem a elaborarem suas emoções e ensinarem exemplos positivos.
• Estar próximo e oferecer apoios em momentos difíceis, é importante que a criança compreenda que ela pode sempre contar com os pais.
• Evitar respostas explosivas e falas impositivas ou autoritárias do tipo: “Vai fazer o que eu mando”, “não é mais do que sua obrigação”, “sou eu quem manda nesta casa”, “somente quando você tiver seu dinheiro irá escolher suas roupas”. O ideal é compreender, dialogar com sinceridade e empatia, fazer acordos saudáveis e nunca manipular ou ordenar algo para a criança. Também é importante para a saúde mental dos filhos, manter uma rotina com prazeres consistentes para fornecer uma sensação de conforto, segurança e bem estar.
• Dar bons exemplos de resiliência, gerenciamento do estresse, autocuidado e de escolhas saudáveis é fundamental para a formação da criança, pois eles aprendem por modelação, observando o comportamento dos pais, e interpretam como corretos por representarem figuras de autoridade na vida de seus filhos.
• Não mascarar os medos e emoções negativas na criança, evitando falar sobre pensamentos negativos, referindo que se trata de algo imaginativo, pois ensinar maneiras de superar o medo é algo muito importante. Conversar sobre as preocupações, mesmo quando aparentam ser irracionais é necessário, pois a ansiedade se manifesta na maioria das vezes, por medos que não fazem sentido para a maioria e que provavelmente nunca irão ocorrer.
• É sempre muito importante perguntar como a criança se sente antes de aconselhá-la, e dizer que está tudo bem se sentir triste, com raiva ou frustrado, explicando como estes sentimentos fazem parte da natureza humana, mas que são passageiros e podem ser enfrentados,
• Encontrar um tempo livre de interação familiar, momentos de conexão e afetividade.
• Desenvolver atividades esportivas que liberem a energia acumulada e controlarem o estresse;
• Conversarem de forma assertiva sobre as emoções e pensamentos mais predominantes no dia;
• É muito importante procurar um psicólogo para fazer uma avaliação diagnóstica da condição da criança e até mesmo dos pais para avaliar a necessidade de um acompanhamento psicológico profissional.
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é a abordagem que possui eficácia comprovada no tratamento de distúrbios ansiosos, ela é focada na mudança de crenças e pensamentos disfuncionais que disparam a ansiedade, e também atua de forma a ajustar os comportamentos de forma que se tornem mais adaptativos.
A criança com ansiedade percebe o mundo como um lugar perigoso, uma hipervigilância, é como se ela usasse uma lente de medo e antecipasse as experiências em algo ruim, são hipersensíveis a estímulos que sugerem reprovação, e apresentam autocrítica exagerada.
Quando não tratada no início a ansiedade pode atrapalhar o desenvolvimento, alterando a qualidade de vida da criança, em alguns casos se torna incapacitante e a criança não consegue ir para a escola, possui medos irreais, e desenvolve uma visão do mundo, de si mesma e das outras pessoas de forma negativa e alterada, em muitos casos ela apresenta problemas de convivência.
*Kênia Braga Gondo é diretora e fundadora da VIVAPLENO – Saúde Mental Clínica e Corporativa.
@vivapleno