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Mulheres vítimas de violência terão acompanhamento psicológico garantido em SP

Especialista em saúde mental comenta importância do tratamento para vítimas de violência verbal, física e psicológica

Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 04/06/2021, às 07h00

As mulheres estão suscetíveis a sofrerem violência
As mulheres estão suscetíveis a sofrerem violência
No último dia 31 de maio, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (PSDB), aprovou o projeto de lei que garante acompanhamento psicológico para vítimas de violência verbal, física e psicológica. A PL 685/2017 foi proposta pela Câmara Municipal.

A Prefeitura afirma que, agora, deve correr um prazo de 60 dias até que a PL seja regulamentada e elaborada com mais detalhes, sendo eles: procedimentos, normas, planejamentos e controles. "O objetivo é assegurar às mulheres do município atendimento especializado, com o acompanhamento psicológico prestado por profissionais habilitados nas unidades das secretarias responsáveis pelo atendimento de vítimas de violência na cidade de São Paulo", afirma o site da Ouvidoria.

Não é novidade que o número de denúncias de violência doméstica cresceu com a chegada da pandemia. De 2019 para 2021, o Ministério Público de São Paulo registrou um aumento de 60% no número de casos envolvendo mulheres que buscaram por ajuda, solicitando medidas protetivas, só na capital. Tal informação revela que as ações dos abusadores estão sendo expostas. No entanto, denunciar também não é o bastante.

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Ao Papo de Mãe, o psicólogo Rafael do Vale, de 37 anos, comenta sobre a importância de um tratamento voltado para a saúde mental, especialmente para as vítimas de violência. Ele define como "imprescindível" tal acompanhamento. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse, são consequências recorrentes de quem é exposto ao crime.

Sabe-se também que a pandemia atingiu negativamente a população feminina quando se trata de distúrbios emocionais. Dados do IBGE – PNAD revelaram recentemente que 16.8% das mulheres estão sem ocupação, enquanto essa taxa entre homens fica em 12,8%. Outro dado interessante a ser destacado é que a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2020, mostrou um aumento significativo de 44% na procura pela Polícia Militar em casos de violência contra a mulher.

As dificuldades impostas pela pandemia levantaram diversas questões do tapete. Em recente publicação ao portal, a promotora de Justiça coordenadora do Comitê de Violência Doméstica do Grupo de Trabalho Covid-19 do MPSP, Valéria Scarance, levantou um fator de risco importante no quesito violência, seja ela física, verbal ou psicológica – como já citado anteriormente.

Por isso, para entender como o acompanhamento psicológico é necessário, conversamos com Rafael do Vale, especialista em saúde mental.

Confira logo abaixo a entrevista na íntegra:

AB: Na sua opinião, por que é preciso ter um olhar especial para a saúde mental das mulheres, no geral?

R: Eu acredito que a gente precisa ter um olhar especial na saúde de todos nesse momento em que estamos vivendo, mas as mulheres especialmente sofrem uma sobrecarga maior, por muitas vezes estarem em situações que devem agregar responsabilidades domésticas, do trabalho, com os filhos... Elas agregam mais responsabilidades do que os homens nesse sentido, e acabam sofrendo no sentido psicológico. Elas são mais cobradas no ambiente de trabalho em termos da postura que devem exercer, além dos esteriótipos que elas carregam de mais "frágeis". Tudo isso exige demais das questões psicológicas.

AB: Foi sancionada uma PL que garante a implantação de acompanhamento psicológico para as vítimas de violência no geral. Como o tratamento pode ajudar em relação aos traumas? 

R: O tratamento psicológico é imprescindível para as vítimas de violência doméstica. Em quase todos os casos, a vítima de violência doméstica tem uma fragilidade emocional  muito grande. Ela desenvolve uma estratégia de fuga dos eventos que podem remeter a violência. É muito comum que ela pare de interagir com o mundo para evitar a possibilidade de sofrer novas violências. Caso ela não tenha um acompanhamento, ela pode se retrair, deixar de fazer as suas atividades, e isso pode ter uma relação direta com o humor levando a casos de depressão e, ou ansiedade. Esse apoio faz com que ela tenha um local para escuta, acolhimento, onde os sentimentos vão ser validados e também um novo ambiente pode ser criado.

AB: Quais são as principais sequelas de quem sofre com violência física e verbal?

R: Além das evidentes sequelas físicas causadas pela violência física, a verbal pode trazer consequências mais dolorosas de serem mensuradas no sentido de que uma pessoa é desmoralizada, ela acaba tendo um prejuízo na sua própria concepção de imagem. Alguém que é agredido com xingamentos pode, em determinada proporção, incorporar esses xingamentos contínuos se sentido realmente aquilo que é dito. 

A violência verbal é camuflada e machuca na autoimagem da pessoa.

AB: Como podemos identificar uma pessoa que é vítima de violência doméstica para ajudá-la?

R: A questão da identificação é muito complexa. O que conseguimos perceber, de primeiro momento, são os hematomas e uma má explicação sobre eles. Agora, o que conseguimos perceber da violência psicológica é uma mudança brusca de comportamento. Uma pessoa que deixa de sorrir, deixa de fazer coisas que gostava de fazer, que tem reações diferentes na presença do parceiro ou parceira, acaba indicando uma possível presença de violência psicológica.

AB: Atualmente é "menos tabu" falar sobre tratamentos psicológicos e psiquiátricos, mas ainda é algo visto com olhos tortos por parte da sociedade, principalmente por adultos e idosos. Como quebrar essa corrente de julgamento?

R: Na minha experiência hospitalar e clínica, é evidente que as pessoas ainda faltam com conhecimento e possuem um certo preconceito com os tratamentos psicológicos. Acredito até que o preconceito contra acompanhamentos psicológicos seja maior que os psiquiátricos, este último porque pode parecer uma saída um pouco mais "fácil". No caso do psicológico, a pessoa precisa ir, falar, se identificar. Também existe a questão da empatia paciente e profissional, que é primordial para a continuidade do tratamento. Se de repente ela vai ao sistema de saúde e é direcionada a um profissional da qual ela não se identificou e não tiver a opção de mudar, o tratamento fica muito comprometido. A única forma é trabalhar com mais informação. 

AB: Não é raro saber de casos de a pessoas que passam por traumas ou são vítimas de violência doméstica, pensarem que não necessitam de acompanhamento psicológico, ou que estão "bem" e conseguem superar sozinhas. Como proceder nessas situações? 

R: Cada pessoa sente de uma forma, é muito difícil padronizar formas de tratamento. Mas acredito que uma saída é fazer com que o paciente tenha uma pequena experiência com psicólogo, ou talvez mais de um, para ela ter contato com diferentes abordagens. Se ela não se sentir a vontade, existe uma segunda, terceira, opção. Assim ela consegue entender as linhas de abordagem, como ela pode falar e quais são os ganhos que ela pode ter para superar e entender os traumas.  Mas isso só acontece  a partir do primeiro contato. Esse até pode ser obrigatório, mas depois ela tem a opção de dar continuidade... Talvez ela precise de um tempo para falar no assunto. Cada pessoa tem uma reação e processa as informações em seu tempo.


*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe

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