A cada cinco horas uma mulher morre devido a complicações gestacionais. Nesta sexta-feira (28), é lembrado o dia Nacional da Luta pela Redução da Mortalidade Materna
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 27/05/2021, às 20h55
Desde o momento em que a mulher descobre que está grávida, a preocupação começa a ser parcelada entre mãe e bebê. Afinal de contas, existe uma nova vida a ser cuidada. No entanto, as preocupações em torno da criança podem ofuscar a verdadeira protagonista desse momento: a gestante.
Segundo dados levantados pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a cada cinco horas uma mulher morre por conta de complicações relacionadas à gestação, sendo durante a gravidez ou no puerpério, período de 42 dias após o parto. Os dados mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde, de 2015 a 2019, mostram que a mortalidade materna registrou cerca de 1650 perdas de mulheres. As causas mais recorrentes apontadas na pesquisa foram, respectivamente; eclampsia (14%), hipertensão gestacional com proteinúria significativa (10,6%), hemorragia pós parto (10%) e infecção puerperal (5,8%).
Apesar de a data não ser muito divulgada – quem é da área da saúde certamente deve conhecer – hoje, 28 de maio, é um dia em que esta questão é levantada, é o Dia Nacional da Luta pela Redução da Mortalidade Materna.
Atualmente, o Brasil registra o dobro do número aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Para se ter uma ideia, o país tem uma média de 59,1 mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos, segundo o médico ginecologista Luiz Fernando Petrucce. Ele explica que existem várias causas para a mortalidade materna, e destaca hipertensão, infecções e hemorragias, como as principais delas. No entanto, Petruce ressalta: "A ordem dessas doenças é variável, de acordo com o local mundo". Segundo ele, em países mais vulneráveis, predomina a hemorragia. Já em locais mais desenvolvidos, a pressão alta ganha das demais.
Uma pesquisa do DataFolha de 2019 mostrou que 13% das brasileiras não realizam consultas ginecológicas. Já as que buscam, a idade da primeira consulta era em média de 20 anos, geralmente por suspeita ou quadro de gravidez. Entretanto, 12,8% das mortes maternas registradas pelo Ministério da Saúde são de meninas e mulheres de 10 a 19 anos, ou seja, que não procuraram ou não puderam, ter um tratamento adequado. E segundo o ginecologista Luiz Fernando Petrucce, do Hospital Anchieta de Brasília, o óbito de mulheres grávidas e puérperas pode ser facilmente evitado com "uma atenção de saúde precoce ou acesso aos serviços de saúde". "Em geral, essas doenças podem levar à mortalidade, mas 90% dos óbitos seriam evitáveis com um sistema de saúde bem estruturado", argumenta.
Na opinião do obstetra Dr. Marcos Nakamura Pereira, presidente da Comissão Nacional Especializada em Mortalidade Materna da Febrasgo, o planejamento da gestação e o pré-natal têm papel primordial para a prevenção da mortalidade materna. Fornecido pelo SUS (Sistema Básico de Saúde), o pré-natal se trata do acompanhamento médico que deve ser iniciado imediatamente após a descoberta de uma gestação. Ao contrário do imaginário popular, o pré-natal é abrangente, e não se resume às questões fisiológicas, mas considera o corpo integral da mulher, ou seja, o seu desenvolvimento, saúde mental e rede de apoio dentro e fora de casa.
"O Dia Nacional da Luta pela Redução da Mortalidade, eu acho que, não só o dia em si, mas o tema todo, é muito pouco explorado e muito pouco falado. Muito pouco se fala em mortalidade materna porque a qualidade da assistência que se presta a essas mulheres expõe as fragilidades do nosso sistema", diz Petrucce.
Segundo o ginecologista, no Brasil, a principal causa de mortalidade é pressão alta desde meados dos anos 1980. No entanto, nada melhorou até agora. "Há mais de 40 anos estamos registrando em torno de 60 mortes maternas para cada 100 mil nascimentos, esse número já tem muito tempo que não tem queda", aponta. Com isso, a importância de conscientizar a sociedade em torno do assunto se torna cada vez mais urgente e alarmante.
"Explorar esse tema expõe a fragilidade do nosso sistema, o quanto ele está mal estruturado, o quanto nós precisamos avançar, não só enquanto sistema de saúde, mas enquanto sociedade também de cultura. Eu acredito muito que a razão é uma questão estrutural." (Luiz Fernando Petrucce)
Ainda na opinião de Petrucce, uma das maneiras para reduzir os riscos de morte às mulheres gestantes e puérperas, é fortalecendo este tema. "A gente precisa debater, esgotar esse assunto, fazer com que as pessoas saibam que existe, e a partir daí, criar uma conscientização. Duas das três principais causas podem ter sinais muito simples e de fácil reconhecimento, que são; sangue, febre e pus. Todo mundo sabe reconhecer sangramento e febre", alerta.
Não dá para não citar o momento de crise sanitária que o Brasil vive por conta da pandemia do novo coronavírus. Com isso, as grávidas e puérperas acabam correndo mais um risco de vida, além dos já citados nesta reportagem.
A Febrasgo ressalta que a Covid-19 tornou-se a principal razão de óbitos de gestantes em 2020 e caminha para repetir o cenário neste ano. De acordo com dados do Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19 (OOBr Covid-19), ao longo dos 14 meses de pandemia, 1149 gestantes e puérperas faleceram em decorrência do vírus. Mas não é apenas a contaminação da doença que agrava a situação, lembra a obstetra Dra. Rosiane Mattar.
"Paralelamente ao receio de se contaminarem, os adiamentos de consultas, menor acesso a opções contraceptivas e eventual redução de atendimentos ambulatoriais para acompanhamento de comorbidades contribuem para vulnerabilidade das mulheres gestantes ou que acabaram de parir".
*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe