Conversamos com o documentarista Leonardo Brant e com o arte educador Milton Lira sobre a importância do descarte correto do lixo, do consumo consciente e do envolvimento das crianças
Maria Cunha* Publicado em 02/06/2021, às 15h13
O lixo é um dos problemas mais graves da atualidade. De acordo com os dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), o brasileiro está produzindo cada vez mais lixo, 1,52 milhão de toneladas por semana. De 2010 para 2019, o descarte de lixo aumentou 18,6%. Além disso, de cada 72,7 milhões de toneladas de lixo coletadas, aproximadamente 29,5 milhões foram descartadas de forma incorreta, indo para aterros controlados ou lixões.
O documentarista Leonardo Brant,responsável pelo filme “Descarte”, focado na temática do lixo, explica que as soluções e os caminhos para a sustentabilidade estão relacionados com a revisão do nosso modo de vida. “A gente precisa rever aquilo que a gente consome, como que a gente lida com o nosso território em volta, como que a gente se alimenta. A partir disso, agente pode ampliar, como se fosse uma pedrinha no lago, que vai formando ondas, é possível ampliar pra uma participação mais comunitária, a gente pode interferir na política do bairro, do município, do distrito, do país, e até influenciar no destino do planeta. Mas, precisamos começar dentro de casa”.
Leonardo revela que cada habitante do Brasil produz 1 kg de lixo por dia, 1 kg de resíduos sólidos. Desse 1 kg, mais ou menos metade desse resíduo, a gente não precisa colocar pra fora, dá pra cuidar morando dentro de em um apartamento ou em uma casa.
Assim, o documentarista explica que a maneira correta de cuidar do lixo é compostando, “porque metade do nosso lixo é compostável. A gente pode dar um outro destino pra ele que não colocar em um saco de lixo e por pra fora de casa”.
Além disso, o lixo que é reciclável também pode ter uma destinação mais adequada. Segundo Leonardo, se a coleta reciclável passa em nossas casas, colocamos o lixo para fora e o caminhão passa, mas ainda não há uma garantia de que esse material vai ser reciclado. Se uma garrafa de vidro vai pra lata de lixo, ela é colocada nos trituradores do caminhão para que todo o lixo seja comportado e, com isso, a garrafa vai estourar, virar caco de vidro e não será possível reciclar.
“A gente coloca garrafa no saco e despeja pra fora, esse é não é um jeito adequado. O melhor jeito, por exemplo, é entregar as garrafas para uma cooperativa de catadores, porque eles, com certeza, vão fazer dinheiro com tudo que você entregar pra eles, isso significa que eles vão reciclar, porque eles estão comercializando, é porque alguém vai reutilizar”. Leonardo Brant ressalta que, tanto deixar o lixo para um caminhão de coleta, quanto entregar na mão de um catador, é mais fácil pra quem mora numa cidade grande como São Paulo e mais difícil pra quem mora em uma cidade do interior, assim como a dificuldade é maior na periferia".
Sobre o lixo que não pode ser reciclado, como papel higiênico usado, guardanapos e pacotes de comidas industrializadas com sobras grudadas, o documentarista conta que equivalem a 10% apenas e que, nesse caso, o descarte correto é amarrar em um saco e colocar no caminhão do lixo. Os rejeitos, nome dado a esse tipo de lixo, irão para um aterro sanitário.
"Se a gente fizer isso e todo mundo fizer isso, o aterro sanitário vai ter só 10% de rejeito. Com isso, o nosso sistema não vai estar entupido, não vai custar tão caro, não vai contaminar o solo e a gente vai ter uma economia circular acontecendo, porque aquela embalagem que eu utilizei, eu coloquei ela de volta no sistema produtivo. A gente não resolveria o problema do lixo, mas a gente reduziria muito. São atitudes simples, que todos nós podemos fazer. Eu já fazia isso dentro de casa antes de fazer o filme. É uma questão de mudar a chavinha", explica o documentarista.
O arte educador do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) Educativo, Milton Lira, comenta como as práticas sustentáveis podem impactar na diminuição do lixo e diminuir o consumo excessivo. De acordo com Milton, o CCBB está fazendo muitas atividades on-line agora, já que estão fechados por causa da pandemia. "A gente trabalha pensando no que as pessoas têm em casa, desde material de desenho, esse material que pouco foi utilizado nas aulas porque não está tendo auals presenciais. Já começa aí, não há necessidade de comprar um material novo, utiliza o que tem em casa".
Milton Lira também acredita é muito importante saber ressignificar as coisas e objetos, algo que é feito naturalmente pelas crianças. O arte educador conta que, no final de semana passado, em uma ação oferecida, foi feita uma atividade de criação de narrativas e histórias, a pessoa escolhia um objeto que tinha em casa e, a partir desse objeto, ela contava uma história, transformando esse objeto em personagem. "
"A criança tem essa capacidade, não há necessidade de comprar um brinquedo, ela pode ressignificar um objeto do cotidiano, teve uma criança que usou uma almofada, outra usou uma caneta. Isso já gera uma discussão sobre o descarte e o consumo, porque quando a gente fala de lixo é inevitável falar de consumo. Essas brincadeiras são uma espécie de introdução desses assuntos com as crianças, não há a necessidade de comprar pra gerar mais lixo e descartar, se utiliza o que tem", revela o arte educador Milton Lira.
Sobre a questão da separação do lixo, Milton afirma que é muito simples. A conversa que acontece com as crianças e é indicada pelas associações de pessoas que trabalham com reciclados deve ser simplificada, a orientação é: separar o orgânico do lixo seco e reciclável. "Separando isso em casa, já adianta demais. Se as pessoas veêm complicação na separação de lixo, separar material por material, desistem de fazer porque dá trabalho. A separação de lixo dá uma consciência ambiental e a reutilização dos objetos".
Nas ações presenciais do CCBB, Milton lembra da organização de um circuito de experimentação musical com instrumentos como flauta doce, feita com cano de PVC, e chocalhos, feitos com garrafinhas de refrigerante. "A gente vai reaproveitando esses materiais. A gente esticou um arame e reinventou um berimbau. A ideia era ser algo que a pessoa poderia reproduzir em casa, não precisava comprar para fazer. Uma embalagem de leite fermentado pode virar um chocalho, uma caixa de papelão um tambor", explica o arte educador Milton Lira.
Milton ainda comenta que aplica em sua casa medidas sustentáveis com a filha Maria, de 9 anos. Outro dia, pegaram juntos uma cama que foi achada numa caçamba, levaram para casa e fizeram um banco. "Tem algo muito simples no fazer, que dá pra reproveitar. O exemplo tem que ser dado, é na vivência mesmo. As crianças têm que ver como os adultos lidam com as situações e elas vão aprendendo. É uma forma da gente dialogar, fazer junto. Ela me ajudou a transformar algo que a ser descartado em algo útil para gente em casa. É isso que traz a consciência do meio ambiente".
Para o arte educador Milton Lira, "A grande forma de incentivar é brincar, a questão de separar o lixo como algo da rotina, da obrigação da casa, é uma forma, mas o processo de reutilização das coisas é brincando".