Tóquio 2021: o pediatra Moises Chencinski fala da "maratona" da amamentação, que exige das mães fôlego de atletas
Dr. Moises Chencinski* Publicado em 19/07/2021, às 14h25
De 23 de julho a 8 de agosto de 2021 será realizada, em Tóquio, a 32ª Olimpíada dos tempos modernos. São 46 modalidades esportivas incluídas nessa edição dos jogos e, algumas delas, com subdivisões, como o Atletismo, que inclui várias provas (velocidade, obstáculos, revezamentos, saltos, arremessos e mais).
Cada atleta se prepara para uma (ou às vezes duas) atividade e dedica horas, dias, meses, anos de treinamento com foco nessa competição. E a meta é a participação, mas sempre com foco na vitória. E só temos um vencedor em cada prova.
"O importante não é vencer, mas competir. E com dignidade."
Essa frase, que foi atribuída ao educador francês Pierre de Frédy, mais conhecido como Barão de Coubertin, o principal idealizador dos Jogos Olímpicos, diz a história, foi proferida em um ato religioso antes dos Jogos de 1908, pelo então bispo de Londres.
Uma das provas mais tradicionais e que faz parte dos primórdios dos jogos é a maratona, que é a corrida mais longa do atletismo, com 42,195 km de distância, percorridos com dificuldade e resistência.
Segundo a lenda, em 490 a.C., um soldado (Fidípides) mensageiro do exército de Atenas, teria corrido 40 quilômetros com o objetivo de dar a notícia da vitória dos gregos sobre os persas na Batalha de Maratona e, ao chegar, cumprindo sua missão, teria morrido de exaustão.
Outro fato da história também aponta que a maratona (que era de 40 km) teve seu percurso aumentado em 2.195 metros (para 42,195 km), por solicitação da rainha da Inglaterra, com largada em frente ao Castelo de Windsor e a linha de chegada em frente ao camarote real no Estádio Olímpico de White City e foi oficializada em 1921 pela Federação Internacional de Atletismo.
Muito respeito e admiração em relação às atletas que irão disputar as Olimpíadas que se aproximam. Sua dedicação, esforço, sua luta merecem, cada vez mais, a equidade tão buscada nos tempos atuais. Mas será que elas iriam até o “vintatlo” ao invés do heptatlo?
Uma mulher treina e participa de todas essas provas olímpicas, se ela pretende amamentar. Ela não tem como escolher uma ou duas delas para se dedicar e deixar as outras de lado. Velocidade, resistência, obstáculos, arremessos, provas de rua...
A vida de uma mãe que amamenta é prova atrás de prova, desafio atrás de desafio.
O “treinamento” começa quando ela engravida. Ou pelo menos deveria começar.
Desde a sua primeira participação nos jogos (primeira gravidez), a “mãetleta” deverá passar pelo pré-natal regular com avaliações, vacinas, orientação alimentar e suplementação de vitaminas adequadas, exames laboratoriais e de imagem, consultas com obstetra, dentista, anestesista, pediatra. Atividade física. Cursos. Palpites. Informações da internet. Grupos de mães, de gestantes, de mães de gêmeos. Isso tudo faz parte do treinamento. Mas pode ser que a “mãetleta” já tenha participado de outros jogos anteriormente (gestações anteriores). Isso pode requerer um treinamento mais específico e depender de sua equipe de apoio em casa, no trabalho, na vida.
Uma vez que tudo esteja preparado (às vezes antes disso, prematuramente), acontece a cerimônia de abertura das Olimpíadas maternas: o parto. A “mãetleta” se dirige ao local da prova (maternidade ou em casa), com sua equipe de trabalho (de parto) e espera o sinal da largada (normal, cesariana, fórceps).
Para que tudo corra dentro do planejado, algumas regras merecem ser observadas: clampeamento oportuno de cordão (sem pressa), contato pele a pele e a primeira mamada na sala de parto (o tiro de largada da maratona). Depois disso, se tudo correr conforme o esperado, o alojamento conjunto, com observação da mamada, a alta após 2 a 3 dias, com orientações para seguir nas provas (que nem sempre são dadas).
A maratona da amamentação está só começando. Apesar dos treinamentos, mesmo que eles tenham sido bem aproveitados, amamentar desde a sala de parto (largada), exclusivo até o 6º mês, estendido até 2 anos ou mais (marcha atlética de mais de 24 meses) pode ser uma experiência complicada.
É preciso conhecer, pensar e se adaptar às diversas posições das provas (tradicional, invertida, deitada, cavaleiro, recostada), mas sempre barriga com barriguinha. A competição é dura, é pegada. E se não acertar a pega (boca de peixinho, olha a aréola, afasta o nariz, gruda o queixo, bochecha enche, sem covinha, olha o freio) vai ter dor, mesmo com o treinamento.
Essa é uma corrida com obstáculos (fissuras, abscessos, mastite, sangramento) e que requer correção imediata para não perder a chance de seguir em frente na “competição”. E se os desafios fossem só esses...
Após essa corrida, novos obstáculos aparecem, por ação dos “patrocinadores” (chupeta, mamadeira, bico de silicone e conchas) que “parecem querer ajudar”, mas fica nítida a necessidade do cuidado com o COI (“Comitê Olímpico Internacional”? Não. “Conflito de Interesses”).
Tudo parece uma grande bagunça. As provas não têm hora marcada para acontecer. É livre demanda (intervalo, duração, um ou os dois seios por mamada) de acordo com a necessidade, sem programação. Mas isso é importante, até que se estabeleça o ritmo das provas e tudo vai fazer sentido. Dia e noite.
São muitas modalidades. A “mãetleta” recebe uma grande equipe de treinadores (pediatra, fonoaudióloga, odontopediatra, osteopata, enfermeira, consultora) que a prepara e tenta auxiliar em cada prova e em todas elas. Mas, ela é a protagonista dessa trajetória.
E, enquanto durarem os jogos, até a linha de chegada (desmame natural e oportuno), outros desafios e obstáculos aparecerão, serão enfrentados e superados. E, ao final, não existe uma vencedora. Ganha a “mãetleta”, ganha seu bebê, mas também ganham a economia mundial, a sociedade, ganha o planeta.
Se você se cansou só de ler (e isso é só um resumo de toda a realidade) ... Ninguém mais do que a “mãetleta”, que decide participar dos “Jogos Olímpicos da Amamentação”, merece a medalha do padrão-ouro da alimentação infantil.
E não importa se ouro, prata ou bronze, a medalha no peito de cada mãe é sempre da melhor atleta do mundo!
*Dr. Moises Chencinski , pediatra e homeopata.
Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (2016 / 2019 – 2019 / 2021).
Membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (2016 / 2019 – 2019 / 2021).
Autor dos livros HOMEOPATIA mais simples que parece, GERAR E NASCER um canto de amor e aconchego, É MAMÍFERO QUE FALA, NÉ? e Dicionário Amamentês-Português
Editor do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Criador do Movimento Eu Apoio leite Materno.
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