Em dezembro, o Papo de Mãe revelou trechos de 3 audiências da Vara de Família Nossa Senhora do Ó, em São Paulo, em que o juiz Rodrigo de Azevedo Costa destratava mulheres. Numa delas ele disse que não estava “nem aí” para a Lei Maria da Penha. No último dia 28, o Tribunal de Justiça afastou o juiz e abriu processo
Mariana Kotscho* Publicado em 01/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 18h32
Mulheres que estiveram nas audiências presididas pelo juiz Rodrigo de Azevedo Costa, e que foram reveladas pelo Papo de Mãe, comentaram a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que na última quarta-feira decidiu pela abertura de processo administrativo disciplinar e pelo afastamento do juiz.
O Papo teve acesso a 3 audiências. Na primeira delas, Rodrigo de Azevedo Costa disse que não estava nem aí para a Lei Maria da Penha nem para medidas protetivas. Era uma audiência de pensão de alimentos, mas a mulher envolvida já tinha denunciado o marido por violência doméstica. Especialistas ouvidos pela nossa reportagem explicaram que a aplicabilidade da Lei Maria da Penha deve ser híbrida e ela não pode ser ignorada numa audiência da Vara de Família.
Os desembargadores do TJ-SP (24 ao todo) ficaram indignados com a conduta do juiz nas audiências, principalmente pela maneira como ele tratava as mulheres, inclusive as advogadas.
Gabriella Nicaretta, advogada que estava na primeira audiência, achou a decisão do TJ-SP firme, justa e proporcional aos atos do magistrado: “O que eu espero agora é que ele seja punido de maneira proporcional à sua conduta e que isso reprima que outras autoridades, outros agentes do Estado, cometam o mesmo excesso com outras mulheres, que isso evite com que outras mulheres passem por este constrangimento. Que isso possa dar mais segurança e mais dignidade para mulheres que recorrem ao sistema judiciário ou policial para denunciar agressões, que possam se sentir seguras tendo a certeza de que não vão ser revitimizadas.” Na audiência, a advogada era frequentemente interrompida pelo juiz.
“A repercussão deste caso mostra pra gente que a sociedade não está mais disposta a aceitar este tipo de conduta do Estado. As mulheres não estão mais dispostas a aceitar esse tipo de tratamento. E vão se sentir mais seguras até mesmo a denunciar excessos causados pelo Estado por meio de seus agentes.” (Gabriella Nicaretta, advogada)
A cliente de Gabriella, F.H, até chorou quando soube da decisão do Tribunal de Justiça: “Eu nunca vou me esquecer o que passei nessa audiência nem de como saí dela. A dor, o medo, o nojo. Que a justiça seja feita e que este juiz nunca mais faça com nenhuma mulher o que fez comigo. Eu lutei contra mim mesma para ter coragem de denunciar meu agressor e quando cheguei na justiça ouvi de um juiz julgamentos morais machistas na frente do meu ex. Fiquei feliz em saber que muitos desembargadores que tomaram esta decisão sentiram o nojo e indignação que senti”, desabafou F.H.
“É preciso confiar na justiça para fazer uma denúncia, se sentir acolhida para proteger nossos filhos, inclusive para não acontecer mais o que aconteceu com o menino Henry. É muito difícil chegar na justiça e ser maltratada. Quero que isso mude para que outras mulheres não passem pelo que passei, quero que se sintam seguras e tenham coragem. Acredito que o TJ será implacável em sua decisão final.”(F.H., mãe)
Para B.C., a mãe que estava na segunda audiência e que ouviu do juiz Rodrigo de Azevedo Costa que “por ser pobre ela deveria dar os filhos para adoção”, a decisão foi necessária para que outras mães não sejam punidas pela injustiça.
“A partir de agora eu espero que o senhor Rodrigo tome posições diferentes, que ele tome pra si a empatia com a mulher, com o próximo, com as mães e eu desejo que ele realmente se torne uma pessoa responsável, porque no cargo dele ele lida com vidas e é extremamente complicado quando se tira isso do profissional e leva pro pessoal.”(B.C., mãe)
O caso de B.C., de guarda e pensão, ainda está sendo julgado. Ela diz que o sistema está mais lento para concluir processos, “talvez por conta do coronavirus”, acredita. B.C. lembra que nas audiências o juiz chegou a dizer que já tirou guarda de mãe que pedia medida protetiva, e lamenta: “Imagine quantas mães ele já não fez sofrer por isso”.
Na terceira audiência revelada pelo Papo de Mãe, um caso de partilha de bens, o juiz Rodrigo de Azevedo Costa também destratou uma mãe e sua advogada. Ele chegou a gritar, sugerir que a mulher fizesse tratamento psicológico e ainda disse que ganhava um salário pífio como juiz.
Sobre a decisão do TJ-SP pelo afastamento do juiz durante o processo, ainda recebendo salário, Fabiana Campos Silva, a mãe da terceira audiência, comentou: “Deveriam ter suspendido o “salário pífio” que ele recebe.”
Fabiana conta que se sentiu muito humilhada na audiência: “Quando recorremos ao judiciário buscamos imparcialidade e respeito até pela fragilidade que o momento nos impõe. A humilhação e o desdém desse magistrado não somente em relação às causas relacionados à família, mas também com a própria “lei Maria da Penha”, causou danos à saúde física e mental de muitas vítimas que tiveram a infelicidade de terem seus processos analisados por ele.”
“Com o direcionamento dado pelo TJ, acredito que muitas mulheres foram poupadas de muita dor. No meu caso, fui forçada a fazer um acordo sob forte ameaça que me trouxe prejuízos financeiros e de saúde, sendo necessário buscar ajuda médica especializada para suportar tamanha humilhação enquanto a outra parte no processo juntamente com seu advogado achavam graça da humilhação feita durante a audiência.”(Fabiana Campos Silva, mãe)
A advogada de Fabiana, Twane Hopner, escreveu a seguinte mensagem: “Achei correta a decisão, tendo em vista que a postura deste magistrado causou diversos prejuízos a todas as mulheres envolvidas. Primeiro prejuízo emocional, pois ao menos 2 dessas 3 mulheres, estão fazendo uso de medicamentos controlados para depressão e ansiedade, devido ao abalo emocional que sofreram, sendo humilhadas na frente de seus ex cônjuges. Segundo, prejuízo financeiro, pois uma delas abriu mão de parte do que lhe cabia na partilha de bens, devido a pressão psicológica que o magistrado exerceu sobre ela durante a audiência. Minha cliente disse que aceitava qualquer coisa para se livrar daquela tortura”
“A decisão do TJ foi muito importante para, quem sabe, evitar que mais casos assim ocorram. Nós, mulheres, partes e advogadas, fomos oprimidas durante essas audiências, e não podemos mais aceitar que tentem nos calar.”(Twane Hopner, advogada)
A desembargadora aposentada do TJ-SP, Kenarik Boujikian, também comentou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Ainda bem que tudo isso foi publicado. Se não fosse, ele estaria na mesma Vara de Família cometendo estas atrocidades contra outras mulheres. A vida exige coragem. A advogada teve coragem. O Papo de Mãe teve coragem. É assim que a humanidade pode melhorar. Assim que as futuras gerações de meninas poderão ter uma vida mais digna. Tijolo por tijolo. Parabéns! Isso serve de lição aos demais magistrados de todo o Brasil.”
*Mariana Kotscho é jornalista
Órgão Especial do Tribunal de Justiça decidiu pela abertura de processo administrativo disciplinar e pelo afastamento do juiz das funções enquanto durar o processo.
Por Rodrigo Simon*
Em sessão realizada na última quarta-feira (28), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu pelo afastamento cautelar e pela abertura de Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz Rodrigo de Azevedo Costa.
Como mostrou reportagem do Papo de Mãe em dezembro do ano passado, em pelo menos 3 audiências da Vara de Família em São Paulo o juiz destratou mulheres e desdenhou da Lei Maria da Penha. “Se tem Lei Maria da Penha contra a mãe (sic), eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”, declarou.
Na votação desta quarta-feira, os membros do colegiado acompanharam o voto do corregedor geral de Justiça de São Paulo, desembargador Ricardo Mair Anafe, que rejeitou a defesa do juiz, apresentada pelo advogado Julio Cesar de Macedo, decidindo pela abertura da investigação. Por maioria, determinaram também o afastamento do magistrado, nos termos do voto do presidente, Desembargador Geraldo Pinheiro Franco.
Em janeiro deste ano, por decisão do próprio Tribunal de Justiça, o juiz deixou a Vara de Família na Freguesia do Ó, na zona noroeste da capital paulista, e foi redesignado para auxiliar as varas de fazenda pública do Foro Central de São Paulo. Com a decisão do Órgão Especial, ele ficará afastado de suas funções até que o Processo Administrativo Disciplinar seja concluído. Neste período, ele continuará recebendo salário.
No decorrer da leitura de seu voto, que somou 55 páginas, o corregedor chegou a classificar de “surreal” algumas das declarações do juiz. No entanto, explicou que, por se tratar de um afastamento cautelar durante a apuração dos fatos, que estão gravados, sem possibilidade de Azevedo Costa influenciar testemunhas, não entendeu ser necessário o afastamento.
O presidente do TJ-SP e do Órgão Especial, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, acompanhou o voto do Corregedor pela abertura do processo, mas acrescentou a necessidade de afastamento do magistrado. “Confesso que em mais de 40 anos de magistratura, eu nunca tinha presenciado um fato dessa gravidade”, declarou.
Os magistrados que se manifestaram a favor do afastamento também criticaram duramente as atitudes do juiz Rodrigo de Azevedo Costa.
Para o desembargador Francisco Antônio Casconi, o afastamento é necessário pelo fato do juiz “não reunir a menor possibilidade de continuar judicando”. O desembargador Luis Soares de Mello disse que a leitura do processo causou desconforto tal, a ponto de “causar incômodo estomacal”. Por fim, o desembargador Antonio Celso Aguilar Cortez disse ter chegado a se questionar se, durante as audiências, o juiz Rodrigo de Azevedo Costa “gozava de plenas capacidades de suas condições mentais”.
O Orgão Especial do TJ-SP terá agora 140 dias para concluir o Processo Administrativo Disciplinar. O prazo pode ser prorrogado.
As penas disciplinares previstas pelo Conselho Nacional de Justiça são: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade e aposentadoria compulsória.
*Rodrigo Simon é jornalista
Em dezembro, o Papo de Mãe publicou reportagem revelando a conduta do juiz Rodrigo de Azevedo Costa numa audiência de Vara de Família em São Paulo. Sem levar em consideração que um das partes era vítima do ex-companheiro num inquérito que apura violência doméstica, o juiz disse não estar nem aí para a Lei Maria da Penha e fez outras afirmações agressivas. Veja abaixo algumas transcrições de momentos retirados da audiência, que durou 3 horas e meia.
Juiz : “Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem lei Maria da Penha contra a mãe(sic) eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”. (Advogadas tentam interromper e ele não deixa)
Juiz : “Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha. É muito chato também, entende? Depõe muito contra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor constrangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer de novo”.
Juiz : “Ah, mas tem a medida protetiva? Pois é, quando cabeça não pensa, corpo padece. Será que vale a pena ficar levando esse negócio pra frente? Será que vale a pena levar esse negócio de medida protetiva pra frente?
Juiz : “Doutora, eu não sei de medida protetiva, não tô nem aí para medida protetiva e tô com raiva já de quem sabe dela. Eu não tô cuidando de medida protetiva.”
Juiz: “Quem batia não me interessa”
Juiz: “O mãe, a senhora concorda, manhê, a senhora concorda que se a senhora tiver, volto a falar, esquecemos o passado….”
Juiz: “Mãe, se São Pedro se redimiu, talvez o pai possa…..”
F.: “Eu tenho medo”
(vamos lembrar aqui que F. já sofreu violência doméstica e o juiz insiste numa reaproximação dela com o ex)
Juiz: “Ele pode ser um figo podre, mas foi uma escolha sua e você não tem mais 12 anos”
(No trecho acima, ele insinua mais uma vez culpar a vítima pelas agressões sofridas, reafirmando a declaração de que “ninguém apanha de graça”)
Alguns dias depois, o Papo de Mãe recebeu mais duas audiências que mostravam uma conduta inadequada do juiz, como sugerir que uma mãe desse filhas para adoção por ser pobre ou que a outra fizesse terapia.
Leia aqui: “Dá para adoção”, disse juiz Rodrigo de Azevedo Costa em outra audiência
Tribunal de Justiça de São Paulo afasta juiz que desdenhou da Lei Maria da Penha
Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo conclui que juiz Rodrigo de Azevedo Costa praticou infrações disciplinares. Ele desdenhou da Lei Maria da Penha em audiência
Juiz Rodrigo de Azevedo Costa se manifesta
“Não tô nem aí para a Lei Maria da Penha. Ninguém agride ninguém de graça”, diz juiz em audiência
Em novo vídeo, juiz que falou da Lei Maria da Penha afirma: “Será que vale a pena levar esse negócio de medida protetiva para a frente?”