O trauma que fica após atentado em creche de Saudades, município de Santa Catarina

Como lidar com a morte? E com o trauma de vivenciar um episódio de assassinato? Especialista comenta atentado em creche em Saudades (SC)

Maria Cunha* Publicado em 04/05/2021, às 00h00 - Atualizado em 05/05/2021, às 14h49

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O assassinato na creche Pró-Infância Aquarela, em Saudades, a 446 km de Florianópolis (SC), deixou milhares de famílias em luto. O crime, que aconteceu nesta terça-feira, 4, tem como autoria um jovem de apenas 18 anos. Armado com um facão, o rapaz deixou cinco mortos: 3 bebês e 2 mulheres – as três vítimas crianças tinham menos de 2 anos. Um bebê de 1 ano e 8 meses também foi ferido e está na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Segundo o 2º Batalhão da PM de Chapecó, que investiga o caso, a motivação do atentado ainda é desconhecida.

Não é de hoje que vemos um crime brutal em escolas e creches. No dia 13 de março de 2019, dois jovens, um de 17 anos e outro de 25, invadiram a Escola Estadual Professor Raul Brasil no município de Suzano (SP). Lá, cometeram um massacre. Deixaram 8 mortos e uma pessoa ferida. A tentativa era superar o famoso assassinato em massa em Columbine, nos Estados Unidos, em 1999. Ao todo foram 13 mortos e 24 feridos.

Assim como os outros crimes, o atentado que ocorreu na CEI (Centro de Educação Infantil) de Saudades,  tinha a intenção de fazer mais vítimas, mas o criminoso foi impedido por civis que estavam no local.

Como lidar com o trauma?

Além das cinco vítimas fatais, o assassino deixou sequelas em bebês, profissionais da educação e familiares. Em entrevista ao Papo de Mãe, a doutora em saúde mental Anna Lucia Spear King afirmou que o trauma de vivenciar um episódio como esse pode gerar diversas consequências psicológicas para os adultos e, principalmente, para as crianças.

"Se ela [criança] viu sangue, viu o crime, vivenciou a situação de perto, é muito chocante. Pode gerar um estresse pós-traumático, que é um quadro em que a pessoa apresente até seis meses após o ocorrido. Pode ter ansiedade e angústia por conta desse evento. As crianças e as professoras vão necessitar de um acompanhamento psicológico para superar esse choque e seguir em frente", afirma a especialista.

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Tanto as crianças como os adultos são prejudicados nessa situação, e não existe parâmetro que defina quem pode desenvolver ou não um estresse pós-traumático. Segundo ela, depende muito do que foi visto no episódio. No entanto, as crianças podem sofrer mais por não ter o entendimento e a maturidade dos adultos em relação à situação e à tragédia em si.

Viver após um acontecimento tão brutal, ainda mais na primeira infância, é capaz de gerar medos e o não discernimento da intenção dos outros, aponta a especialista. A terapia nesse caso é essencial para estabelecer um bem-estar psicológico e emocional para a vítima sobrevivente.

Luto das famílias do atentado em creche

Além da dor e do sofrimento de viver após um episódio de brutalidade, há também quem precise encarar o luto, que neste caso não era esperado. A dor dos familiares que perderam seus filhos de maneira trágica, principalmente das mães, não é capaz de ser compreendida, de acordo com Anna Lucia.

“É um choque muito sério e um processo muito difícil. Essas mulheres precisam passar por um período de reconstrução, elaborar essa perda e receber apoio de todos os lados: da sociedade, de profissionais da saúde, apoio familiar e por aí vai. Leva tempo até elas refazerem suas vidas. Toda perda que sofremos, precisamos elaborar de alguma forma. Mas quando é com criança é um choque violento e inesperado, por isso costuma requerer mais tempo. Vão precisar de apoio afetivo”. – conclui Spear King.

Mas o que leva alguém a cometer tal brutalidade? Anna Lucia explica que, na maioria das vezes, não há um motivo exato. “Geralmente, casos assim são motivados por um transtorno mental associado. Com certeza ele deve ter um transtorno de personalidade grave, mas somente um psiquiatra avaliando pode chegar em alguma conclusão”, finaliza.

A governadora do estado, Daniela Reinehr, decretou luto oficial de três dias em Santa Catarina. Através das redes sociais, ela disse: “Manifesto profunda tristeza e presto minha solidariedade. Determinei que o Governo dê todo o amparo necessário às famílias”.

*Maria Cunha é repórter do Papo de Mãe

Edição de Ana Beatriz Gonçalves

Assista ao programa do Papo de Mãe sobre luto materno:

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